Concordia do Livre Arbítrio - Parte VII 14
Parte VII - Sobre a predestinação e a reprovação
Seção XI: Parecer do autor sobre a predestinação
1. Uma vez apresentado nas duas seções anteriores o fundamento do efeito da predestinação, nas seguintes conclusões vamos explicar o que se deve pensar sobre a predestinação eterna de Deus. 2. Portanto, esta é nossa primeira conclusão: O plano da ordem e dos meios através dos quais, segundo Deus prevê por ciência natural e média ─que se encontra entre a ciência livre e a puramente natural─, uma criatura dotada de entendimento alcançará a vida eterna, juntamente com o propósito ou a determinação da vontade divina de ordenar por sua parte executar este plano, é a predestinação de dita criatura.
Essa conclusão é evidente por tudo o que dissemos, especialmente em nossos comentários ao artigo primeiro.
3. Segunda conclusão: Embora o adulto que assim foi predestinado alcance com certeza — isto é, sem qualquer engano por parte de Deus — a vida eterna, no entanto, essa certeza não procede dos meios, nem do efeito da predestinação, mas da presciência divina, através da qual, em virtude da altura e da perfeição ilimitada de seu entendimento, que vai além daquilo que a própria natureza da coisa possui, Deus conhece com certeza que o predestinado, em virtude de sua liberdade, vai cooperar por meio de seu arbítrio de tal maneira que, com esses mesmos meios, realmente deve alcançar a vida eterna, apesar de que, se quisesse, de fato poderia agir de tal modo que, por um lado, esses meios e esse efeito da predestinação não tivessem lugar e, por outro lado, ele mesmo não alcançasse a vida eterna. Dessa forma, uma vez que por si só é incerto — assim como dependente da liberdade do próprio arbítrio criado — que o predestinado, colocado na ordem de coisas em que Deus decide colocá-lo, vá cooperar com os auxílios através dos quais Deus decide ajudá-lo para que, por um lado, se produza todo o efeito da predestinação e, por outro lado, em razão desse efeito, o predestinado alcance a vida eterna, por isso, Deus conhece com certeza, em virtude da altura de seu entendimento e com anterioridade a qualquer ato de sua vontade, o que vai acontecer em razão da liberdade de arbítrio do predestinado, embora também conheceria o contrário, se, como é possível, assim fosse realmente acontecer; além disso, ao se acrescentar a determinação da vontade divina, pela qual Deus quer colocá-lo nessa ordem de coisas e entregar-lhe tais auxílios, por essa mesma razão, o predestinado continua sendo predestinado.
Tudo isso é evidentíssimo, tanto pelo fundamento que oferecemos nas duas seções anteriores, como pelo que já explicamos extensamente em nossos comentários à questão 14, artigo 13, assim como em nossos comentários a esta e à questão anterior. Daí que São Paulo (II Timóteo, II, 19) reduzisse a este motivo a certeza da predestinação divina, dizendo: 'Mas o sólido fundamento de Deus permanece firme, tendo este selo (pelo qual se torna seguro e firme): O Senhor conhece os que são seus'. E quando acrescenta: 'Aparte-se da iniquidade todo aquele que profere o nome do Senhor. Numa casa grande não há apenas vasos de ouro e prata, mas também de madeira e barro; uns para honra, outros para desonra. Se, pois, alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado, útil ao Senhor, preparado para toda boa obra'; explica com toda clareza que, sem que o firme fundamento da predestinação possa impedir, está no poder de qualquer adulto, enquanto faz parte da Igreja militante, manter-se puro e tornar-se um vaso de honra ou manchar-se com os pecados e tornar-se para sempre um vaso para usos desprezíveis.
4. Além disso, por tudo isso, qualquer um entenderá facilmente que, em sentido dividido, o adulto predestinado pode não alcançar a vida eterna pela seguinte razão, a saber, porque —sem que a predestinação antecedente e eterna de Deus possa impedi-lo e sem que esta infira qualquer necessidade ao arbítrio do predestinado por meio dos dons ou da cooperação divina, sendo estes os efeitos da predestinação— o adulto predestinado, em virtude de sua liberdade inata, pode agir de tal maneira que incorra em miséria sempiterna, como se não tivesse havido previamente uma predestinação. Mas, em sentido composto, o adulto predestinado não pode perder a felicidade sempiterna, em primeiro lugar, porque não podem concordar estas duas coisas, a saber, que este adulto tenha sido predestinado e que perca a felicidade sempiterna; e, em segundo lugar, porque se este adulto, como está em seu poder, fosse abusar de seu arbítrio de tal maneira que perdesse a felicidade sempiterna, então Deus não teria previsto que ele alcançaria a vida eterna por meio dos recursos que, por sua parte, Ele teria decidido conceder-lhe e, consequentemente, a vontade de conceder esses recursos não completaria um plano de predestinação, mas apenas um plano de providência com relação à vida eterna; no entanto, isso não é assim porque a predestinação preexistente ou os dons e a cooperação divina, que são efeitos dela, infiram ao arbítrio do predestinado uma necessidade de agir de tal modo que alcance a vida eterna. Pois, sem dúvida, isso seria contrário à fé católica e à liberdade de arbítrio, que permanece intacta apesar da preexistência da predestinação eterna de alguns homens e da reprovação dos demais por parte de Deus, como é evidente pelo que dissemos em nossos comentários à questão 14, artigo 13, assim como em nossos comentários a esta e à questão anterior.
5. Por tudo isso, também é evidente de que modo a liberdade do adulto ─tanto para alcançar a vida eterna, quanto para acabar na miséria eterna─ concorda com sua predestinação eterna. De fato, conciliar a liberdade de arbítrio com a predestinação eterna não envolve outra dificuldade além daquela que encontramos ao tentar conciliar essa mesma liberdade com a presciência divina dos futuros. Pois, como já explicamos, na predestinação eterna não encontramos outra certeza de que o predestinado alcançará a bem-aventurança eterna além da certeza que encontramos na presciência divina, pela qual Deus conhece com certeza que aquele para quem preparou, em virtude de sua disposição eterna, certos auxílios e meios, alcançará a vida eterna, embora, se quisesse, na realidade poderia não alcançá-la; além disso, em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (na disputa 49 e nas quatro seguintes), já explicamos extensamente e, se não nos enganamos, com toda clareza que a liberdade do arbítrio criado e a contingência de todas as coisas concordam com a certeza da presciência divina.
6. Terceira conclusão: A certeza de que as crianças predestinadas alcançarão a vida eterna não vem da certeza dos meios ou do efeito da predestinação ─que em si não é algo que ocorrerá com toda certeza─, mas sim da certeza da presciência divina, por meio da qual, em virtude da altura de seu entendimento, Deus conhece com certeza que algo vai acontecer, mesmo que em si seja incerto e possa não ocorrer.
Demonstração: Em primeiro lugar: Se no estado de inocência Adão não tivesse pecado — como estava em seu poder —, talvez outros homens teriam nascido diferentes daqueles que realmente o seguiram, uma vez que todas as circunstâncias que — por causa da queda dos primeiros pais — mudaram em relação ao seu curso natural, como explicaremos em nosso Tractatus de opere sex dierum. Embora o mesmo número de homens tivesse existido, no entanto, nenhum deles teria alcançado a vida eterna sem o uso da razão; da mesma forma, nenhum teria sido predestinado em Cristo e por Cristo — isto é, por meio dos dons que Cristo nos tornou merecedores —, mas sim pelo dom da justiça original e por outros dons muito diferentes daqueles em virtude dos quais as crianças predestinadas alcançam a bem-aventurança; portanto, como a única certeza de que Adão pecaria se deu na presciência divina, pela qual Deus conheceu com certeza o pecado que Adão poderia ter evitado, por isso, a certeza de que as crianças predestinadas alcançam a salvação através dos meios pelos quais, desde a eternidade, Deus quer que a alcancem, não procede da certeza dos meios e do efeito da predestinação em si mesma, mas da certeza da presciência divina.
Em segundo lugar: que as crianças predestinadas tenham alcançado a salvação pelos meios através dos quais Deus as predestinou depende, por um lado, de que tenham nascido e não tenham morrido antes de que o remédio contra o pecado original lhes tenha sido aplicado e, por outro lado, de que não tenham chegado ao uso da razão; no entanto, excluída a presciência em virtude da qual, graças à altura de seu entendimento, Deus conhece com certeza todas essas coisas como futuras, nenhuma delas possui certeza, mas, ao contrário, sem que a presciência divina possa impedi-lo, cada uma delas é em si mesma contingente e pode não ocorrer, uma vez que essas crianças poderiam não ter nascido, se seus pais, avós, bisavós e demais ascendentes até Adão não tivessem contribuído para sua geração; também, por diferentes razões, a concepção e o nascimento de cada uma delas no útero materno poderiam ter sido impedidos; também poderiam ter morrido antes de que o remédio contra o pecado lhes tivesse sido aplicado, por ter começado uma guerra, conflito ou qualquer outra causa; da mesma forma, poderia ter acontecido que o remédio contra o pecado não lhes fosse aplicado, porque foi aplicado livremente; além disso, muitos daqueles que, por diferentes causas que poderiam ter sido impedidas, não chegaram ao uso da razão, poderiam tê-lo alcançado. Portanto, excluída a certeza da presciência divina, nem nos meios, nem no efeito da predestinação das crianças, podemos encontrar qualquer certeza de que elas alcançarão a vida eterna.
Tudo isso também demonstra que nos efeitos da predestinação dos adultos igualmente não podemos encontrar qualquer certeza de que alcançarão a bem-aventurança, excluída a certeza da presciência divina.
7. Quarta conclusão: A causa do efeito integral da predestinação do adulto não se encontra no próprio predestinado, mas toda ela deve ser reduzida à vontade de Deus —como causa— que predestina misericordiosamente. Sob o efeito integral da predestinação incluímos não apenas todos os efeitos sobrenaturais da ordem da graça —começando pela primeira vocação interna à fé, até a consecução da vida eterna—, mas também todos os demais meios pelos quais o adulto é ajudado e conduzido à vida eterna, como a vocação externa, ter nascido em um momento determinado, de certos pais e não de outros, com uma compleição determinada, &c., e, finalmente, ter sido colocado em uma parte de todo um ordenamento de coisas e circunstâncias —no qual, segundo Deus prevê, alcançará livremente a vida eterna— antes que em outra parte deste mesmo ordenamento ou no mesmo, mas com uma variação tal de circunstâncias que o resultado fosse o contrário, ou em qualquer outra entre os infinitos ordenamentos que Deus poderia criar, na qual, se fosse colocado, Deus preveria seu afastamento da felicidade eterna para passar à miséria extrema em virtude de sua liberdade.
8. Pois, se estivesse nele, ou esta causa precederia a todo esse conjunto de efeitos, ou o acompanharia, ou seria posterior a — pelo menos — alguma parte dele.
Em primeiro lugar, não pode preceder, na medida em que não se pode atribuir ao predestinado nada que anteceda a integridade desse efeito. Pois o uso do livre arbítrio que mais poderia ser atribuído a ele aparece posteriormente ao seu nascimento como predestinado, com uma compleição determinada, em um momento determinado, de certos pais, concorrendo muitas outras circunstâncias; mais ainda, esse uso não só aparece após ter sido colocado nessa ordem de coisas, mas também após ter alcançado nela o uso da razão. Além disso, o próprio uso íntegro do livre arbítrio, na medida em que procede de Deus por todos esses dons e benefícios — tanto naturais quanto sobrenaturais —, está incluído no efeito íntegro da predestinação como parte dele, como já dissemos; portanto, não é uma causa que anteceda ao efeito íntegro.
9. Em segundo lugar, essa causa não pode acompanhar a totalidade do efeito, porque já explicamos que tudo o que pode ser atribuído ao predestinado aparece posteriormente a muitas das coisas que esse efeito produz. Além disso, essa concomitância também não pode ocorrer, porque, como já explicamos amplamente no item 4, o bom uso do livre arbítrio —incluindo aquele que nos adultos precede por natureza os dons de fé, esperança, caridade e graça primeira— de modo algum pode ser causa ou razão da predestinação quanto ao seu efeito integral —também sobrenatural—, como se, em razão da previsão desse uso, Deus decidisse conferir todos os seus dons e auxílios para a salvação e esse uso fosse, por assim dizer, regra e medida em função das quais predestinasse uns antes que outros; pelo contrário, explicamos que Deus —ao decidir não negar a ninguém auxílios suficientes para que aquele que faz tudo o que está ao seu alcance alcance a salvação— decide distribuir conforme lhe apraz seus dons e auxílios, tanto naturais quanto sobrenaturais, de maneira mais abundante em um momento do que em outro e não apenas em momentos distintos, mas também em um mesmo momento concede seus dons de maneira mais abundante a uns do que a outros; já demonstramos que o contrário suprime a graça divina e se opõe abertamente às Sagradas Escrituras e de certa forma à própria experiência, como já dissemos no lugar mencionado.
10. Finalmente, que no pode haver no predestinado uma causa posterior a uma parte do efeito da predestinação, demonstra-se da seguinte maneira: Se houvesse alguma, seria principalmente o uso total do livre arbítrio, tanto o que precede a primeira graça, quanto o que a segue. Mas nos membros 4 e 5 demonstramos claramente que este uso não é causa ou razão, por parte do predestinado, para que Deus decida distribuir seus dons de tal forma que alguns sejam predestinados antes que outros, nem para que queira conceder-lhes esses dons —tanto naturais quanto sobrenaturais— que precedem este bom uso, nem para que, finalmente, ao decidir criar essas almas em um momento e em um lugar antes que em outros e em alguns corpos antes que em outros, decida colocar alguns homens e não outros na parte —dentro da ordem das coisas e circunstâncias— na qual, segundo prevê, alcançarão a vida eterna. Portanto, no adulto predestinado não podemos encontrar nada que seja causa do efeito completo da predestinação, mas devemos reduzir tudo à vontade de Deus como causa, porque é Ele quem quer conceder a cada um misericordiosamente o benefício da predestinação.
11. Se, sob o sintagma 'efeito da predestinação', entendermos aqueles efeitos que ocorrem dentro da ordem sobrenatural da graça, a conclusão que apresentamos também será verdadeira. Pois ao predestinado não pode ser atribuída nenhuma causa que anteceda o conjunto desses efeitos, exceto unicamente a vontade livre de Deus. De fato, se houvesse alguma, seria principalmente a previsão do bom uso do livre arbítrio. Mas os auxílios da graça preveniente e excitante antecedem todo esse uso, que depende tanto deles quanto do livre arbítrio, no caso de que — pelo menos como disposição — se dirija para a vida eterna. Além disso, que esses auxílios sejam maiores ou menores e, finalmente, tais como são necessários para mover eficazmente o livre arbítrio e fazê-lo perseverar na graça — desde sua última recepção até o fim da vida —, não é mérito nosso, mas apenas da vontade de Deus, que, por um lado, prevê quanto auxílio é necessário para que cada um realize as duas coisas e, por outro, o concede livremente. Pois frequentemente vemos que alguém que por muito tempo agiu diligentemente no final se afasta da graça e é condenado, enquanto outros que não se comportaram tão bem, nem alcançaram tanta perfeição, perseveram na graça até o fim de sua vida ou repentinamente se afastam de pecados graves e prolongados e, sobrevindo-lhes a morte de maneira imediata, partem para o céu, como as Sagradas Escrituras atestam a respeito do ladrão que foi crucificado ao lado de nosso Senhor Jesus Cristo. Da mesma forma, que um homem justo morra prematuramente de maneira misericordiosa, para que 'a maldade não perverta seu entendimento', e outro homem justo desfrute de uma vida mais longa, após Deus prever que o primeiro cairia em pecado e se condenaria — como aconteceu com Saul, de quem as Escrituras afirmam que não havia ninguém melhor que ele em Israel —, não deve ser atribuído ao mérito do homem; tampouco acontece que, em razão de um uso anterior do livre arbítrio ou da presciência que dele se tem, se conceda uma coisa ou outra, mas isso ocorre apenas em razão da vontade livre e da disposição eterna de Deus; tudo isso é evidente por si mesmo e pelo que dissemos em nossos comentários à questão 13, artigo 13. Portanto, não podemos atribuir ao predestinado adulto a causa do efeito integral da predestinação dirigida à ordem da graça, mas apenas devemos reduzi-la à vontade livre de Deus como causa. Finalmente, tudo isso é claramente demonstrado por tudo aquilo através do qual, nos membros 4 e 5, demonstramos que nem o bom uso previsto do livre arbítrio que antecede — pelo menos por natureza — à primeira graça, nem o que segue a ela, são causa ou razão da predestinação dos adultos. Como já explicamos, nesta conclusão concordamos com Santo Tomás e com a opinião mais comum entre os escolásticos, que apresentamos no membro 6.
12. Referindo-se a esta mesma questão e a outras semelhantes ─embora de maneira demasiado profunda para que possamos explicá-la─ em Efésios, I, e em outros lugares ─que já citamos no final do membro 4─, São Paulo atribui a predestinação e seu efeito à vontade livre de Deus, quando diz: «… e nos predestinou para sermos adotados como filhos seus por Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor da glória de sua graça… nele, no qual fomos feitos herdeiros, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade &c.». Como é evidente para todo aquele que lê esta epístola, São Paulo se admira com a magnitude do benefício de que, em virtude de sua eterna providência, Deus decidiu dispor as coisas de tal maneira que, dentre tantos homens que havia no mundo naquele momento e que havia antes da vinda de Cristo e dentre todos os judeus que esperavam a vinda de Cristo, tivesse escolhido a ele e a outros servidores do Evangelho, para revelar-lhes o mistério de Cristo e da reconciliação do gênero humano com uma plenitude de graça e de dons tão grande que os impulsionasse a difundir a mensagem do Evangelho pelo mundo; ao mesmo tempo também exalta o benefício que, em virtude dessa mesma providência, foi conferido aos efésios, graças ao qual, dentre uma multidão tão grande de homens, são eles os que receberam o ensino do Evangelho e foram libertados da infidelidade e dos pecados graças a tantas bênçãos de doçura. Assim, no início de sua epístola, ele irrompe em ação de graças por que tanto ele quanto os demais apóstolos, quase como herdeiros em Cristo, tenham sido predestinados e escolhidos ─com plenitude de sabedoria e de dons─ para uma obra tão grande. Depois, exalta o benefício conferido aos efésios, ou seja, que o Evangelho tenha chegado a eles e que, como crentes, tenham sido selados pelo Espírito Santo da promessa, que é sinal de herança. Por essa razão, em lugar dos efésios, ele mesmo dá graças a Deus e lhes pede que reconheçam qual é a esperança de sua vocação &c. Também em sua carta, um pouco mais adiante, ele os exorta a caminhar com dignidade na vocação para a qual foram chamados e a se absterem de cair em pecado, para que assim perseverem e cresçam na graça recebida. Por isso, nesta epístola ele diz que ele e os demais apóstolos foram predestinados, mas não assim os efésios, dos quais apenas afirma que foram chamados à fé e à graça.
13. Também no capítulo 9 da Epístola aos Romanos e nos dois seguintes — maravilhado com a ordem da providência divina e com o desígnio eterno de Deus de distribuir seus dons segundo Sua vontade, de permitir a queda de alguns e de levantar outros ao longo de toda a história de Sua Igreja, que começou em Abraão, a quem Deus prometeu que Cristo seria seu descendente, e que por Cristo continuará até o fim dos séculos —, afirma que o efeito da predestinação deve ser atribuído à vontade divina e não ao livre-arbítrio criado. Mas deixando espaço tanto para os dons de Deus quanto para o livre-arbítrio do homem — como será evidente para todo aquele que refletir sobre esses três capítulos —, maravilhado com o desígnio eterno de Deus, primeiro em relação à ordem das coisas que começou com Abraão e que chegará até o fim dos tempos, antes de qualquer outro que Ele poderia ter escolhido; em segundo lugar, em relação à permissão das quedas que, como Ele previa, ocorreriam por culpa e pela liberdade dos homens — especialmente a queda dos judeus pela morte de Cristo — até a entrada na Igreja da totalidade dos gentios; e, em terceiro e último lugar, em relação à distribuição de Seus dons, na medida em que decide distribuí-los de maneira sapientíssima, conclui o capítulo onze com essa exclamação digna de um desígnio tão grande e profundo, dizendo: «Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Quão insondáveis são Seus juízos e inescrutáveis Seus caminhos! Pois quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi Seu conselheiro? Ou quem Lhe deu primeiro, para que tenha direito a retribuição? Porque dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória pelos séculos. Amém.»
14. Mas, para que se compreenda o que ─segundo o princípio do capítulo nono─ diz respeito ao nosso propósito, é preciso saber que, ao dizer: «Quando ainda não haviam nascido &c.», sob os nomes «Jacó» e «Esaú», São Paulo não se refere apenas a esses dois irmãos, mas principalmente aos povos que deles nasceriam, ou seja, por um lado, a Igreja da Sinagoga junto com seu progenitor Jacó, a quem Deus concedeu tantas ajudas para a vida eterna, e, por outro lado, os descendentes de Esaú junto com seu progenitor, a quem negou essas mesmas ajudas ─deixando-os com auxílios comuns─ que não negou ao restante do conjunto dos gentios.
Que sob os nomes 'Jacó' e 'Esaú', São Paulo entendesse não apenas esses dois homens, mas também seus povos juntamente com seus progenitores, pode ser demonstrado com toda clareza.
Em primeiro lugar, porque Esaú nunca serviu a seu irmão Jacó, mas foram os edomitas, descendentes de Esaú, que serviram aos descendentes de Jacó; e São Paulo se refere àqueles, sobre os quais foi dito: '... o maior servirá ao menor'.
Em segundo lugar, porque com as palavras: '... por aquele que chama, foi dito: Pois o maior servirá ao menor', São Paulo refere-se às palavras que foram ditas à mãe Rebeca (Gênesis, XXV, 23), quando ela consultou o Senhor, e Ele respondeu dizendo: 'Dois povos carregas em teu ventre. Dois povos que, ao saírem de tuas entranhas, se separarão. Uma nação prevalecerá sobre a outra. E o maior servirá ao menor'; aqui se está falando de povos; e da mesma forma que neste trecho se diz que esses povos estão em forma de cepas no ventre de Rebeca, assim também, naquele trecho, São Paulo se refere a eles com o nome de 'cepas'.
Em terceiro lugar, porque as palavras que São Paulo toma de Malaquias, I, 2-3 («Amei a Jacó e odiei a Esaú»), referem-se aos seus povos e não apenas às suas origens. De fato, quando Malaquias fala com o povo de Israel, diz: «Eu vos amei, diz Deus, e vós dizeis: Em que nos amaste? E Deus diz: Esaú não é irmão de Jacó?; no entanto, amei a Jacó e odiei a Esaú, e fiz de suas montanhas campos de devastação, e de sua herança, pastagens de deserto». Aqui podemos perceber que não se está falando de amor e de ódio em relação às origens, mas do amor e do ódio que começaram nas origens e se transmitiram aos seus descendentes, a quem nos referimos com o nome de seus progenitores. Acrescente-se que São Paulo, no capítulo nono e nos dois seguintes, está falando dos desígnios ocultos de Deus em relação ao curso da Igreja desde Abraão até o final dos tempos, a saber: que Deus teria escolhido como Igreja e povo amado por Ele os descendentes de Abraão através da linha que parte de Isaque e Jacó e não da que parte de Ismael e Esaú; que na vinda de Cristo a maior parte dos filhos de Israel, para os quais de maneira especial havia sido enviado, se afastou de Deus e, em lugar deles, na Igreja entraram os gentios; e que, chegando o final dos tempos, uma vez que os gentios foram chamados e entraram na Igreja, os judeus também serão chamados e se converterão à fé.
15. Uma vez estabelecido tudo isso, é fácil entender o que São Paulo quer dizer no início do capítulo nono com as palavras que já citamos. Pois ele ensina o seguinte, a saber: que, em virtude de seu desígnio eterno, Deus teria escolhido Isaac — para que fosse a semente de Abraão e, por isso, para que dele surgisse a Sinagoga e nascesse Cristo — e não Ismael, mas teria abandonado este e seus descendentes, deixando-os com os auxílios comuns que também teria concedido ao resto dos gentios; que, igualmente, dos dois filhos de Isaac concebidos no mesmo ato, teria escolhido Jacó, que era o mais novo, para que dele também surgisse a Sinagoga e nascesse Cristo — e o teria amado não apenas em si mesmo, mas também em seus descendentes, concedendo-lhes outras ajudas singulares para que tanto ele, como muitos de seus descendentes, alcançassem a vida eterna — e, em contrapartida, teria odiado Esaú e seus descendentes, porque, como explicamos claramente na disputa 4, não teria querido nada disso para eles, mas os teria abandonado, deixando-os com os auxílios comuns do resto do povo dos gentios, ao prever que tanto o pai, como toda ou quase toda a sua descendência, se condenariam por seus delitos e, no retorno dos filhos de Israel do Egito, seriam reduzidos à servidão. Como digo, São Paulo afirma que nada disso foi resultado das obras de nenhum dos dois, mas que se deveu apenas a quem chama, escolhe e diz: 'Porque o maior servirá ao menor &c.'.
16. Neste ponto, devemos destacar que a quarta conclusão proposta não se opõe ao fundamento que apresentamos nas duas seções anteriores. De fato, ao apresentar esse fundamento, dissemos que o livre-arbítrio do adulto é uma parte da causa livre da qual depende não a totalidade daquilo que é o efeito completo da predestinação, mas uma parte dela, sem a qual a totalidade dessa coisa não ocorreria, nem poderia ser considerada efeito da predestinação; no entanto, dissemos que essa coisa não é considerada efeito da predestinação enquanto procedente do livre-arbítrio criado, mas precisamente enquanto procedente de Deus por Sua predestinação eterna. Mas, como a totalidade dessa mesma coisa que é o efeito da predestinação procede de Deus — como uma parte da totalidade da causa da qual, em maior medida do que do arbítrio do predestinado, depende que essa coisa se produza — e, na medida em que precisamente procede de Deus por Sua predestinação eterna, é um efeito da predestinação pelo qual coopera e conduz à vida eterna o predestinado que coopera por meio de seu arbítrio, por isso, na quarta conclusão, não dizemos que Deus preveja que o predestinado vá cooperar com Ele de tal maneira que, por esse efeito, deva alcançar a vida eterna, dada a hipótese de que Ele queira ajudá-lo dessa forma, nem dizemos que no predestinado devamos buscar alguma outra coisa que seja a causa ou razão pela qual Deus tenha querido conferir-lhe todo esse efeito ou todos esses meios, porque isso se deve apenas à Sua livre vontade. Além disso, visto que, da mesma forma que os meios pelos quais o adulto alcança a vida eterna dependem simultaneamente do influxo de Deus e do influxo livre do predestinado, assim também, que de fato ele alcance a vida eterna depende simultaneamente de Deus e do adulto, quando cooperam e influenciam esses meios, por isso, não é contraditório que — como afirmamos no fundamento que apresentamos — do livre influxo do arbítrio do predestinado dependa, ainda que em menor medida, que Deus coopere — assim, Ele não confere ao predestinado o efeito completo da predestinação, porque prevê que ele também cooperará fazendo o que é exigido para alcançar a vida eterna, sem que isso se deva a outra razão por parte do predestinado, mas apenas à livre vontade de Deus, como afirmamos na quarta conclusão — e que a própria coisa que é o efeito da predestinação se produza e possa ser considerada efeito da predestinação. Esclareceremos tudo isso ainda mais quando apresentarmos nossa quinta conclusão.
17. Quinta conclusão: Nas crianças não se encontra a causa ou razão do efeito integral de sua predestinação, mas tudo isso deve ser reduzido à vontade de Deus como causa.
Esta conclusão é muito evidente e já a demonstramos com o que dissemos no membro 5. Mas, além disso, pode ser confirmada, em primeiro lugar, porque o fato de Deus ter querido estabelecer os sacramentos ou o remédio contra o pecado original, se deve à sua livre vontade; portanto, como o remédio contra o pecado original é parte do efeito integral da predestinação das crianças e, além disso, é uma parte tal que, sem ela, não alcançariam a vida eterna, consequentemente, neles não está a causa ou razão do efeito integral de sua predestinação; desse modo, pode-se confirmar que nos adultos também não está a causa do efeito integral de sua predestinação; de fato, se Deus não tivesse estabelecido os remédios contra o pecado original e contra os pecados atuais, nenhum deles teria podido alcançar a beatitude. Em segundo lugar, porque, como dissemos na conclusão anterior a propósito do efeito da predestinação dos adultos, a vontade divina é a única razão de que Deus queira colocar as crianças predestinadas nessa parte dentro da ordem de coisas e de circunstâncias na qual, segundo prevê, finalmente nascerão do útero materno em razão da liberdade de seus progenitores e acabarão seus dias antes de chegar ao uso da razão e, além disso, acontecerá que, em virtude de uma liberdade alheia, se lhes aplicará o remédio contra o pecado original; e disso terá dependido sua predestinação.
18. Para que se entenda melhor o que dissemos até aqui e seja mais compreensível o que vamos acrescentar, devemos lembrar que a predestinação eterna de Deus se aperfeiçoa e se completa como predestinação pelo ato eterno e livre da vontade divina, através do qual Deus, por sua parte, decide conceder ao adulto os meios pelos quais, segundo prevê, este alcançará a vida eterna em virtude de sua liberdade — embora, se assim o quiser, possa se afastar dela — e através do qual Deus também decide conceder às crianças os meios pelos quais, segundo prevê, estas alcançarão a vida eterna com dependência — da maneira que explicamos — do livre arbítrio de outros, apesar de poder acontecer que, em razão da liberdade de outros, não nasçam, nem a alcancem; no entanto, esta mesma predestinação pressupõe e inclui, por parte do entendimento divino, o conhecimento — em parte, por ciência puramente natural e, em parte, por ciência média, que se encontra entre a livre e a puramente natural — não apenas de que uns e outros poderiam alcançar a vida eterna com esses meios, mas também de que realmente a alcançarão, vendo Deus isso segundo — graças à altivez e eminência de seu entendimento — em sua essência e nos arbítrios de suas criaturas, além do que a própria natureza dessas coisas implica. Pois a predestinação é o plano divino da ordem ou dos meios — através dos quais, segundo Deus prevê, estas ou aquelas criaturas dotadas de entendimento alcançarão a vida eterna — juntamente com o propósito de executar essa ordem por si mesmo ou por intervenção de causas segundas.
19. Certamente, através de sua ciência puramente natural e anterior a todo ato livre de sua vontade, Deus tem um conhecimento pleno no grau máximo de todos os meios ajustados tanto à beatitude, quanto a quaisquer outros fins, no qual ─graças ao entendimento divino─ repousa o plano da providência divina, que é comum tanto para todos os demais fins, quanto para a beatitude sempiterna em particular.
Mas, por meio da ciência média — que se situa entre a puramente natural e a livre — e também anteriormente a todo ato livre de sua vontade, Deus possui um conhecimento pleno em grau máximo de todas aquelas coisas que dependem, de maneira mediata ou imediata, do arbítrio das criaturas e que são os meios através dos quais a consecução dos fins se seguirá ou não, dada a hipótese de que Ele queira executar uma ou outra ordem de sua providência; embora esse conhecimento não seja necessário para que se possa falar de providência tomada em sentido comum em grau máximo, no entanto, é absolutamente necessário para que possa haver uma providência perfeita, como é a divina, conforme dissemos em nossos comentários à questão 22.
Pois, ao se dar esse conhecimento juntamente com o conhecimento dos meios adequados por si mesmos aos fins, o provedor sabe prover em vista desses fins de maneira muito melhor e mais completa, e não pode errar em sua providência —apesar da contingência que, por sua própria natureza, possuem as coisas às quais ele provê—, como se estas fossem acontecer de maneira diferente daquela que ele crê e espera, nem para Ele podem ser incertas, como o são para a nossa providência.
Esse mesmo conhecimento — na medida em que é uma previsão de que, com tais meios, essas criaturas dotadas de entendimento alcançarão a vida eterna, dada a hipótese de que lhes seja concedida — é um conhecimento que o entendimento divino acrescenta à predestinação dessas criaturas, além da providência que, visando à beatitude, Deus tem para com elas e com as demais criaturas dotadas de entendimento. Certamente, o plano divino da ordem ou dos meios ajustados para que as criaturas dotadas de entendimento possam alcançar a beatitude, juntamente com o propósito de executar essa ordem por si mesmo ou pela intervenção das causas segundas, é uma providência divina visando à beatitude das criaturas, quer elas tenham sido predestinadas — e, consequentemente, alcançarão esse fim por essa ordem —, quer não tenham sido. O plano dessa ordem, juntamente com esse mesmo propósito — prevendo Deus, com ciência média, que por essa ordem alcançarão a beatitude —, é uma predestinação em relação às criaturas das quais prevê que a alcançarão.
Portanto, assim como a arte do entendimento divino, pela qual Deus conhece o modo de produzir todas as coisas que poderiam existir em virtude de sua onipotência, precede à determinação livre de sua vontade, pela qual Ele decreta fazer umas coisas ou outras, assim também o plano de todos os meios —através dos quais Ele pode prover a todas as coisas com vistas a seus fins, tanto naturais quanto sobrenaturais, e pode predestinar a todos aqueles que desejar, porque prevê que, com esses meios, alcançarão a vida eterna— precede à determinação livre ou ao propósito da vontade divina pelo qual esses mesmos planos do entendimento divino se completam em seu ser como planos da providência e da predestinação em relação às coisas pelas quais Deus decide executá-los.
Portanto, uma vez que, de tudo o que a predestinação eterna de Deus inclui em sua razão formal, apenas o propósito de sua vontade —em virtude do qual, finalmente, a predestinação se completa em vista de seu plano— é livre em Deus —pois o plano dos meios e a previsão de que, se forem concedidos às criaturas dotadas de entendimento, estas realmente alcançarão a vida eterna, não são livres em Deus, mas antecedem a todo ato livre de sua vontade—, por isso, quando os Doutores se perguntam se ao predestinado pode ser atribuída alguma causa, razão ou condição pela qual Deus o tenha predestinado, eles apenas pretendem debater se ao arbítrio pode ser atribuída alguma causa, razão ou condição do ato da vontade divina pelo qual Deus quis para o predestinado —ou para um predestinado antes que para outro— os meios através dos quais alcançará a vida eterna, ou se nada disso acontece, mas tudo isso deve ser atribuído à vontade livre e misericordiosa de Deus, pela qual apenas em virtude de seu beneplácito Ele quis que isso fosse assim.
20. Uma vez dito isso, vamos oferecer nossa sexta conclusão: Preexistindo em Deus, anteriormente a todo ato livre de sua vontade, o plano da ordem das coisas, dos auxílios e das circunstâncias que, por sua parte, Ele escolheu, assim como também o plano das infinitas ordens que poderiam existir em virtude de sua onipotência, prevendo igualmente o que aconteceria em cada uma delas em razão da liberdade de arbítrio das criaturas, dada a hipótese de que Ele, por sua parte, quisesse escolhê-lo, certamente, não se pode dizer que a causa, razão ou condição — tampouco necessária — de que Deus tenha escolhido esta ordem antes de outra — e, por sua parte, tenha decidido fazê-la executar —, de que, consequentemente, tenha escolhido em Cristo para a vida eterna a uns antes que a outros e de que, por mediação de Cristo, tenha decidido conferir às criaturas os meios através dos quais, segundo previu, alcançarão a vida eterna em razão de sua liberdade — ou da de outros, se fossem crianças —, tenha se devido à previsão do uso do livre arbítrio próprio ou do livre arbítrio de outros; pois esta previsão não é a razão de que os tenha predestinado ou tenha querido para eles os meios pelos quais, segundo previu, alcançarão a vida eterna, nem é a razão de que tenha querido estes meios para uns antes que para outros, mas tudo isso deve ser atribuído unicamente à vontade livre e misericordiosa de Deus, que assim o quis em virtude tão somente de seu beneplácito.
Assim, sustentamos que a presciência do uso do livre-arbítrio dos predestinados ou de sua cooperação futura e livre com os dons e auxílios de Deus, de tal modo que alcancem a vida eterna nesta ordem de coisas que Deus decidiu criar, não é a causa, razão ou condição pela qual, com predestinação genérica, uns ou outros tenham sido predestinados antes que outros terceiros, ou pela qual, com essa predestinação particular, os que realmente foram predestinados, o tenham sido como se Deus, por sua parte, tivesse querido conferir-lhes esses mesmos meios que decidiu doar-lhes e através dos quais os predestinou por ter previsto que, em razão de sua liberdade, cooperariam de tal maneira que por este caminho alcançariam a vida eterna, ou como se esta fosse a condição pela qual Deus tivesse agido dessa maneira e sem a qual não teria querido fazê-lo; pelo contrário, apenas por sua vontade livre teria querido conferir-lhes os meios através dos quais os predestinou. Pois, embora Deus não negue a nenhum adulto os auxílios necessários para a salvação, no entanto, apenas por sua vontade livre — e não em razão da previsão do uso do livre-arbítrio — distribui seus dons a quem quer, quando quer, na quantidade que quer e do modo que quer; também em virtude dessa mesma vontade livre decidiu desde a eternidade distribuí-los do modo como o fez em um determinado momento do tempo. E se não distribui seus dons aos adultos em razão da previsão do uso de seu livre-arbítrio, muito menos os distribui às crianças em virtude do uso que, segundo prevê, fariam de seu livre-arbítrio, se chegassem ao uso da razão, ou em virtude do uso do arbítrio de outros. Tudo isso é evidentíssimo pelo que já dissemos tanto neste membro, como nos anteriores, e não precisa de mais demonstrações.
21. Sétima conclusão: Embora o predestinado não seja a razão, nem a condição, da predestinação do adulto no que diz respeito ao ato da vontade divina pelo qual se completa o plano da predestinação, ou seja, no que diz respeito ao propósito de conceder-lhe os meios através dos quais, como Deus prevê em virtude da altura de seu entendimento, ele alcançará a vida eterna em razão de sua liberdade, no entanto, a razão ou condição da presciência pela qual Deus, antes desse ato, o prevê, dada a hipótese de que, por sua parte, queira conceder-lhe esses meios, estaria no uso ou na cooperação livre desse predestinado, sem a qual Deus não possuiria esse conhecimento; mas muitos não entendem isso.
Demonstração: A coisa que é o efeito integral da predestinação do adulto — por um lado, em relação a toda a extensão e cada uma das partes do bom uso do livre arbítrio pelo qual o adulto se dispõe para a graça, acumula méritos uma vez alcançada esta, resiste às tentações e resiste livremente até o final de seus dias sem cair em pecado mortal, e, por outro lado, consequentemente, em relação aos dons que dependem desse bom uso, seja como disposição requerida, seja como mérito, seja como condição sem a qual a graça e os outros dons não perseverariam —, como dizemos, a existência dessa coisa — em relação a tudo o que dissemos — não só depende de que Deus, por sua parte, queira conceder tudo isso ao predestinado e cooperar nisso, mas também depende da cooperação livre do arbítrio do predestinado, a tal ponto que, se o seu arbítrio — como é possível em razão de sua liberdade — não cooperasse, nada disso aconteceria na realidade, como já explicamos muito claramente nas duas seções anteriores. Portanto, como não acontece que o predestinado, dada essa hipótese, vá cooperar desse modo porque, dada essa mesma hipótese, Deus tenha previsto que assim vai acontecer, mas, pelo contrário, Deus previu isso e teria previsto o contrário, se — como é possível — o contrário fosse acontecer em razão da mesma liberdade do adulto dada essa mesma hipótese, como já explicamos com toda clareza em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (na disputa 50 e nas duas seguintes), e como sustenta o parecer comum dos Padres que oferecemos ali mesmo (disputa 52), por isso, daqui se segue que a condição sem a qual Deus não teria estado em posse dessa presciência, seria que em um momento determinado do tempo o próprio adulto vá cooperar em razão de sua liberdade de tal maneira que, por esses meios, alcance a vida eterna, apesar de que, se assim o quisesse, poderia cooperar de maneira contrária e não alcançá-la, sem que o impeça a vontade divina de ajudá-lo e cooperar com ele.
22. Oitava conclusão: Tomando em particular a predestinação de qualquer adulto à qual Deus realmente tenha procedido desde a eternidade, da mesma forma que na conclusão anterior explicamos que a razão ou condição sem a qual Deus não teria estado em posse da mencionada presciência, é que o próprio adulto —em razão de sua liberdade e por meio de seu arbítrio— coopere de tal maneira que alcance a vida eterna, assim também, disso depende que tudo o mais que essa predestinação inclui, entre dentro da predestinação ou seja apenas uma providência com vistas à beatitude do adulto.
Demonstração: Sem essa presciência, tudo o mais — ou seja, o plano dos meios juntamente com o propósito de executá-lo por parte de Deus — não é predestinação, mas apenas uma providência com vistas à beatitude; ora, a predestinação acrescenta essa presciência. Portanto, se o fato de que um adulto, em razão de sua liberdade, coopere de tal maneira que alcance a vida eterna, é a razão e a condição sem a qual Deus não possuiria essa presciência, então também será aquilo de que depende que tudo o mais que essa predestinação inclui, entre dentro da predestinação ou seja apenas uma providência com vistas à beatitude.
23. Por isso, é fácil entender que, como Deus, por sua parte, provê aos adultos não predestinados — tanto homens quanto anjos — dos auxílios e dos meios pelos quais, se isso não estivesse em seu arbítrio, realmente chegariam à bem-aventurança — mais ainda, a alguns deles Ele provê de auxílios e meios muito maiores e mais poderosos do que a muitos dos predestinados —, assim, da mesma maneira que, se considerarmos em particular o plano de prover — junto com o propósito de executá-lo — a algum predestinado dos meios pelos quais, tal como Deus prevê, ele alcançará, em razão de sua liberdade, a vida eterna, este predestinado continuará sendo livre para cooperar de tal modo que não a alcance — embora, se isso fosse acontecer, como é possível, o plano de prover-lhe desse modo e a vontade de executá-lo nunca poderiam ser considerados predestinação, mas apenas providência, porque não conteriam a presciência de que, por este caminho, ele chegaria à bem-aventurança —, assim também, se considerarmos em particular o plano de prover — junto com o propósito de executá-lo — a alguém não predestinado — por exemplo, a Judas — dos meios pelos quais, segundo Deus prevê, em razão de sua liberdade, ele não alcançará a vida eterna, certamente, este adulto continuará sendo livre para cooperar de tal modo que a alcance, embora, se assim acontecesse — como é possível —, sem dúvida, o plano de prover-lhe desse modo e a vontade divina de executá-lo deveriam ser considerados não apenas providência, mas também predestinação de Judas, porque esta conteria a presciência de que, por este caminho, ele chegaria à bem-aventurança.
Portanto, a liberdade de arbítrio dos adultos não predestinados e a verdadeira faculdade de que, caso assim o desejem, alcancem a bem-aventurança ─para a qual, verdadeiramente e não de maneira fictícia, Deus os criou─ não são compatíveis com a providência pela qual Deus, por sua parte, decidiu prover-lhes a vida eterna e com a presciência que Deus tem deles em menor medida do que o são com sua predestinação a liberdade de arbítrio dos predestinados e a faculdade de se desviarem para a maior das misérias; da mesma forma, os não predestinados não estão em suas próprias mãos em menor medida do que os predestinados; assim, uns e outros estendem a mão para o que desejam e realizam aquilo que, caso o façam, os conduzirá à vida eterna ou então aquilo que os conduzirá à maior das misérias. De fato, da mesma maneira que uns e outros podem estender a mão para o que quiserem, como se Deus não tivesse predestinado uns e não outros, assim também, o plano da providência em particular com respeito a cada um deles resulta indiferente por si mesmo para que implique a presciência divina de que, em razão de sua liberdade, vão cooperar de tal modo que alcancem a vida eterna ou de tal modo que não a alcancem; no entanto, que em virtude da altura de seu entendimento Deus tenha esta presciência ─que a predestinação acrescenta além do plano particular da providência─ e não a presciência contrária, deve-se ao fato de que aqueles, em razão de sua liberdade, cooperarão de um modo antes que de outro, sem que venham a cooperar desse modo porque Deus assim o tenha previsto.
24. Podemos confirmar que da qualidade do uso previsto do livre-arbítrio depende que um mesmo plano eterno de Deus de prover a qualquer adulto ─tanto se pertence ao grupo dos predestinados, como se não─ deva ser considerado uma predestinação deste adulto ou uma providência apenas com vistas à sua beatitude; começaremos falando dos anjos, depois dos primeiros pais no estado de inocência e finalmente dos demais adultos.
Começando pelos anjos, quem pode negar, sem prejuízo da fé católica e da liberdade de arbítrio dos anjos, que os anjos que caíram — tendo recebido os dons e auxílios com os quais Deus os ajudou e os colocou no caminho para a beatitude — poderiam não ter consentido em cair no pecado pelo qual pereceram e, assim, poderiam ter perseverado na graça em que foram criados e alcançado a vida eterna para a qual Deus os criou, sem que o plano de provê-los, nem o decreto eterno de Deus através do qual decidiu ajudá-los, pudessem ter impedido isso? Da mesma forma, quem pode negar, sem prejuízo dessa mesma fé católica e da liberdade, que os anjos que permaneceram na graça e alcançaram a vida eterna através dos auxílios com que Deus os ajudou em seu caminho para a beatitude, poderiam ter consentido em cair no pecado em razão de sua liberdade inata, da mesma forma que os outros consentiram, e, assim, ter abandonado a graça e perdido a felicidade eterna, sem que o plano de provê-los, nem o decreto eterno de Deus através do qual decidiu ajudá-los, pudessem ter impedido isso? Sem dúvida, isso é o que exigia o estado do caminho em que uns e outros se encontravam e as duas coisas eram necessárias para seu mérito ou demérito; não creio que isso possa ser negado sem prejuízo da fé católica. Portanto, considerando, em primeiro lugar, que se os primeiros — como realmente estava em seu poder — não tivessem consentido em cair no pecado, certamente teriam alcançado a vida eterna, e o plano de provê-los e o decreto — que só poderiam ser considerados uma providência com vistas à sua beatitude — teriam sido considerados predestinação — porque teriam sido um plano e um decreto de conferir meios através dos quais, da mesma forma que teriam alcançado a vida eterna, assim também Deus teria pressabido seu dever de conceder-lhes a beatitude — e considerando, em segundo lugar, que se os segundos, como realmente estava em seu poder, tivessem consentido em cair no pecado, certamente teriam abandonado a graça e teriam sido excluídos da beatitude eterna, e o plano e o decreto de provê-los — que poderiam ser considerados predestinação — só teriam sido considerados uma providência com vistas à sua beatitude — que não teriam alcançado com esses meios —, por tudo isso, da mesma forma que do uso futuro do livre arbítrio dos anjos — para fazer uma coisa ou outra em razão de sua liberdade inata — dependeu que Deus, em virtude da altura de seu entendimento, pressupusesse com certeza uma coisa ou outra, assim também, desse mesmo uso futuro dependeu — como condição necessária — que o plano e o decreto de provê-los fossem considerados predestinação ou apenas uma providência dirigida a cada um deles com vistas à sua beatitude.
25. Da mesma forma, quem ousaria negar, sem prejuízo da fé católica e dessa grande liberdade de que gozaram os primeiros pais no estado de inocência — da qual, citando Santo Agostinho, falamos em nossos comentários à questão 14, artigo 13, disputa 4 e 22 — e que nem mesmo os luteranos se atrevem a macular, que Adão, com os dons desse estado — e, consequentemente, sem prejuízo do plano de prover-lhe, nem do decreto divino através do qual Deus decidiu desde a eternidade ajudá-lo dessa maneira — poderia não ter pecado e, consequentemente, poderia ter perseverado na graça e alcançado a vida eterna? Portanto, considerando que se — como estava em seu poder — ele não tivesse consentido em cair no pecado, teria alcançado a vida eterna desde o estado de inocência e, consequentemente, o plano de prover-lhe e o decreto eterno — através do qual Deus decidiu ajudá-lo no estado de inocência apenas dessa maneira —, que unicamente poderiam ser considerados como uma providência com vistas à beatitude, teriam de ser considerados predestinação, por tudo isso, do uso do arbítrio de Adão — em um ou em outro sentido, em razão de sua liberdade, como condição necessária — teria dependido que o plano e o decreto de prover-lhe dessa maneira se movessem apenas dentro dos limites da providência, como realmente aconteceu, ou então recebessem a consideração de predestinação.
26. Finalmente, passando ao caso dos adultos após a queda da natureza, recorreremos em primeiro lugar ao exemplo que Santo Agostinho oferece em De civitate Dei (livro 12, capítulo 6). Tomemos dois homens justos em alma e corpo e exatamente iguais em tudo o mais e suponhamos que Deus, por sua parte, decidiu ajudar e prover aos dois exatamente da mesma maneira. Então, oferecendo-se a ambos a mesma ocasião de pecar após terem visto uma mesma mulher bela, pode acontecer que —em razão exclusivamente de sua liberdade inata— um consinta em cair em pecado, mas não o outro, por ter preferido reprimir-se, como afirma Santo Agostinho no lugar citado, demonstrando assim que a vontade livre é a única causa do pecado. Mas se além disso supormos que morrem de maneira repentina, seja pelo desabamento de sua casa ou por outra razão, como muitas vezes costuma acontecer, encontraremos que o mesmo decreto divino de conferir a ambos os meios destinados à sua salvação e o mesmo plano de prover-lhes, deverão ser considerados predestinação com respeito àquele que, segundo Deus prevê, não consentirá em cair em pecado, mas morrerá em graça, mas com respeito ao outro —do qual Deus teria a presciência contrária— deverão ser considerados providência e não predestinação. Portanto, posto que o fato de Deus não prever de ambos o mesmo, mas coisas contrárias, depende do que ambos vão fazer em razão de sua liberdade —de tal maneira que, se assim quisessem, poderiam de fato não fazer o que vão fazer—, por isso, que os decretos ou os planos de prover devam ser considerados predestinação ou apenas uma providência com vistas à vida eterna, dependerá como condição necessária do que cada um deles vai fazer em razão de sua liberdade inata, sendo isso algo que Deus, em virtude da altivez de seu entendimento, já teria pressabido, porque é assim que vão agir e não ao contrário.
27. Também podemos argumentar dessa mesma forma com relação a qualquer outro adulto que venha a alcançar a vida eterna ou a perdê-la por sua própria maldade. De fato, como aquele que está no caminho para a beatitude pode fazer uso dos auxílios ou não fazê-lo, ou também, ao final de sua vida, pode cair em pecado e não sair dele e, assim, perder a vida eterna ─sem que os auxílios que lhe são conferidos segundo o decreto eterno de Deus ou o plano de provê-lo deles possam impedi-lo─, e, ao contrário, aquele que deveria ser condenado pode fazer o que está ao seu alcance para chegar à beatitude, e Deus o ajudará na medida necessária para que ele a alcance, por isso, da mesma forma que está no poder de cada um deles agir de modo a alcançar a beatitude ou não alcançá-la ─sem que o decreto eterno de Deus de ajudá-los e provê-los de uma forma ou de outra possa impedi-lo─, assim também, de sua operação futura, como condição necessária, dependerá que o decreto eterno de Deus em relação a cada um deles ou o plano de provê-los seja considerado predestinação ou apenas providência, prevendo Deus desde a eternidade e com certeza ─em virtude da altura de seu entendimento─ o que acontecerá, apesar de que isso é por si mesmo totalmente incerto e depende da liberdade do arbítrio.
28. Aqui devo advertir o seguinte: Nós não estabelecemos para a predestinação uma dependência em relação ao uso do arbítrio dos adultos maior do que a que estabelece essa multidão de Doutores que já citamos em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (disputa 51); e entre eles estão muitos daqueles que, seguindo a opinião mais comum entre os escolásticos, sustentam que a previsão do uso do livre arbítrio dos adultos não é causa, nem razão, da predestinação; assim pensam Escoto, Driedo e muitos outros. Além disso, nós estabelecemos uma dependência muito menor.
De fato, da mesma forma que esses Doutores — com o objetivo de conciliar a liberdade do nosso arbítrio com a presciência, predestinação e reprovação divinas — afirmam que, em relação àquilo que depende do arbítrio criado, desde a eternidade Deus previu uma parte da contradição antes da outra e predestinou alguém em vez de reprová-lo, assim também, do uso futuro de qualquer arbítrio dependerá que, diante do fato de que o arbítrio criado escolha uma parte da contradição antes da outra, Deus — cujos atos livres e internos são indivisíveis e sempre participam na produção de toda coisa criada — tenha feito que desde a eternidade Ele mesmo tenha previsto esta parte; agora, no caso de que o arbítrio criado escolha a outra parte da contradição, Deus terá feito que Ele tenha previsto esta parte e não a outra e, por isso, no caso de que qualquer adulto coopere com os auxílios de Deus de tal maneira que persevere na graça até o final de sua vida — estando isso em seu próprio poder —, Deus terá feito que desde a eternidade sempre tenha estado predestinado; mas no caso de que aja de maneira contrária e termine sua vida em pecado — estando isso também em seu poder —, Deus terá feito que desde a eternidade tenha sido reprovado.
29. Mas nós, que, em primeiro lugar, afirmamos que a presciência e a predestinação possuem, em relação a uma das duas partes da contradição, uma certeza, uma determinação e uma firmeza tais que seria contraditório que na mente e na vontade divinas houvesse outra coisa ou que desde a eternidade houvesse existido sobre qualquer objeto particular ─como demonstramos no lugar citado─, e que, em segundo lugar, não atribuímos toda a certeza da predestinação divina ao decreto através do qual Deus decide prover ao predestinado os meios com os quais ─segundo Deus prevê─ alcançará a vida eterna em razão de sua liberdade, assim como tampouco ao próprio plano de prover-lhe, mas à presciência com que o prevê ─pelo que este decreto e esta providência devem ser considerados predestinação─, sustentamos o seguinte: Da mesma maneira que, embora esta presciência se origine na altura e perfeição do entendimento divino, graças às quais Deus conhece com certeza que vai acontecer algo que em si mesmo é totalmente incerto e duvidoso, no entanto, depende ─como condição necessária sem a qual Deus não possuiria esta presciência─ de que o arbítrio criado vá cooperar em razão de sua liberdade de tal modo que alcance a vida eterna ─pois isso não acontece porque Deus o preveja, mas Ele o prevê porque o arbítrio vai agir assim em virtude de sua liberdade, podendo acontecer o contrário─, assim também, que esse decreto e essa providência devam ser considerados predestinação, depende ─como condição sem a qual não deveriam ser considerados predestinação─ de que o arbítrio vá cooperar deste modo em razão de sua liberdade e de que Deus preveja isso com certeza em virtude da altura de seu entendimento. Assim, conciliamos facilmente a liberdade de nosso arbítrio tanto com a presciência divina, quanto com a predestinação divina dos adultos. De fato, da mesma maneira que se o arbítrio ─como está em seu poder─ não fosse cooperar deste modo, Deus não teria possuído a presciência de que, com estes meios, este adulto alcançaria a vida eterna, assim também, o decreto pelo qual desde a eternidade Deus decidiu ajudá-lo e prover-lhe com vistas à eternidade através destes meios, tampouco teria sido considerado predestinação.
30. Mas, para que fique ainda mais evidente em que medida a liberdade de arbítrio desses predestinados e réprobos, assim como a faculdade que uns e outros têm de alcançar realmente a vida eterna ou afastar-se dela em direção à maior das misérias, concordam com a predestinação particular e a providência que desde a eternidade Deus tem para com eles, suponhamos que Deus Ótimo Máximo não possui essa presciência média através da qual, em virtude de seu entendimento, sabe o que vai acontecer em razão da liberdade de arbítrio, mas que para Deus isso é tão incerto e desconhecido quanto o é em si mesmo e, no entanto, por meio de sua ciência natural —através da qual conhece as naturezas de todas as coisas, seus fins e os meios ajustados a estes—, decide prover a uns e a outros com vistas à vida eterna exatamente igual como de fato lhes provê, ignorando de momento o resultado de qualquer futuro contingente. Certamente, dada essa hipótese, ninguém duvidará de que a liberdade de arbítrio de uns e de outros e sua faculdade de chegar à beatitude ou cair na maior das misérias, em função do caminho que quiserem tomar nesta vida em razão de sua liberdade, concordam muito bem com essa mesma providência que desde a eternidade Deus tem para com eles, porque o resultado é totalmente incerto e inclinar-se em um sentido ou outro depende apenas da liberdade de arbítrio. Portanto, posto que o fato de que, em virtude da eminência e perfeição ilimitada de seu entendimento, Deus presabe o que vai acontecer em razão da liberdade de arbítrio de qualquer um, não tira nada de sua liberdade, mas respeita sua indiferença ao se inclinar no sentido que quiser, exatamente igual como se Deus não estivesse em posse dessa presciência —pois o arbítrio não vai se inclinar nesse sentido porque Deus assim o tenha presabido, mas, como assim vai acontecer em razão de sua liberdade, por isso Deus o presabiu, embora também teria presabido o contrário, se assim fosse acontecer em razão de sua liberdade—, certamente, por tudo isso, essa mesma liberdade e faculdade de alcançar a vida eterna ou afastar-se dela permanecem inabaláveis, sem que essa presciência possa impedi-las.
Agora, a razão da predestinação e o abismo insondável do desígnio divino residem no seguinte: Como Deus conheceu todos os planos —em número infinito— de prover aos não predestinados, pelos quais teriam alcançado a vida eterna em razão de sua liberdade e, consequentemente, teriam sido predestinados, e igualmente conheceu todos os planos —em número infinito— de prover aos predestinados, pelos quais teriam perdido a bem-aventurança em razão de sua liberdade e teriam sido réprobos, por isso, somente por sua livre vontade e não em função da qualidade do uso previsto do livre arbítrio —tampouco como condição necessária—, escolheu para uns e para outros o modo de prover pelo qual, conforme previsto, aqueles não alcançarão a vida eterna em razão de sua liberdade e estes outros sim o farão e, consequentemente, aqueles serão réprobos e estes predestinados; no entanto, não por isso cometeu uma injustiça com uns, nem com outros, porque a uns e a outros proveu de meios através dos quais, caso não tivesse dependido deles, teriam alcançado a vida eterna; além disso, a todos os descendentes de Adão proveu —na pessoa de seu pai— dos meios através dos quais, caso isso não tivesse dependido dele, teriam alcançado a bem-aventurança eterna com suma facilidade.
31. Mas atente-se a duas coisas. Primeira: Embora, conforme o que dissemos até aqui, dada qualquer providência em particular em relação a qualquer adulto — seja predestinação por envolver presciência, seja reprovação —, esteja no poder desse adulto fazer aquilo em razão do qual, se tivesse a intenção de fazê-lo, essa providência seria predestinação, porque envolveria a presciência de que, por esse caminho, ele alcançaria a beatitude, no entanto, não está no poder de nenhum predestinado fazer que ele mesmo seja predestinado, porque não está em seu poder fazer que Deus, dentre as infinitas ordens de coisas que pode escolher, escolha, antes de outra, aquela em que, como prevê, esse adulto alcançará a vida eterna em razão de sua liberdade, sendo isso em que consiste sua predestinação.
Por essa razão, predestinar ou não predestinar depende exclusivamente de Deus, em razão de Sua livre vontade. No entanto, que um ou outro plano de prover a este adulto em particular deva ou não ser considerado uma predestinação em relação a ele, depende de que ele mesmo venha a cooperar de uma ou de outra maneira por meio de seu livre-arbítrio.
32. Segundo: A certeza de que o adulto predestinado alcançará a vida eterna procede da ciência média, que antecede ao ato livre da vontade divina; no entanto, de certa forma, a certeza está nela como em uma raiz e só depende da hipótese de que Deus queira conceder esses meios e queira prover dessa maneira. Agora, essa certeza procede de maneira absoluta e sem qualquer hipótese da ciência livre, através da qual Deus prevê que, posteriormente a este ato da vontade, o adulto alcançará sem mais a vida eterna. São Paulo reduz a certeza de nossa predestinação a esta presciência livre de Deus, que —segundo nosso modo de entender, baseado na realidade das coisas— Ele possui após realizar a predestinação, como um selo que se sobrepõe à predestinação já realizada, quando diz em II Timóteo, II, 19: «Mas o sólido fundamento de Deus permanece firme com este selo», pelo qual possui certeza e firmeza. De fato, nosso Senhor conhece os seus pela predestinação e pela eleição eterna através das quais quis conferir-lhes os meios pelos quais, segundo prevê, alcançarão a vida eterna.
33. Mas, acima de tudo, devemos destacar o seguinte: Perguntar-se se, ocorrendo em Deus — como realmente ocorre antes de qualquer ato de sua livre vontade — essa presciência plena em grau máximo da qualidade do uso futuro do livre arbítrio em qualquer ordem de coisas, da qual falamos até agora, a predestinação eterna de Deus por parte da vontade divina se produziria de acordo com a presciência do uso futuro do livre arbítrio — como se, em razão da qualidade ou por causa da qualidade do uso previsto, Deus decidisse distribuir de um modo ou de outro seus auxílios e seus dons ou predestinar uns antes que outros — difere muito de perguntar-se se, a partir dessa presciência — da qual depende que, do ponto de vista do entendimento e da vontade divinos, o restante seja considerado predestinação ou uma providência apenas com vistas à beatitude — há uma razão ou, melhor dizendo, uma condição por parte da qualidade do uso futuro sem a qual Deus não a possuiria, como se, embora a predestinação não ocorresse por causa da presciência da qualidade do uso previsto, no entanto, não ocorresse sem essa presciência e como se houvesse conhecimento da qualidade do uso futuro do arbítrio, mas não como medida ou quase medida dos dons de Deus — enquanto condição pela qual os dons previstos deveriam ser concedidos e os não previstos negados —, mas como medida daquilo de que depende que, por um lado, em um momento do tempo, com uns ou com outros auxílios e dons em particular, o adulto alcance ou não a vida eterna e, por outro lado, a vontade de ajudá-lo e provê-lo por meio desses auxílios e dons, seja considerada predestinação ou apenas uma providência com vistas à beatitude.
34. A primeira dessas questões é aquela que até hoje tem sido discutida pelos Padres e Doutores escolásticos. A respeito dela, juntamente com Santo Agostinho, Santo Tomás e outros, afirmamos ─opondo-nos ao que foi sustentado pelos Doutores que citamos no item 4─ que a predestinação não ocorre em função da presciência da qualidade do uso do livre arbítrio, como explicamos neste item ─especialmente na conclusão 6─ e no item 4.
35. Sobre a segunda questão, os Padres e os Doutores escolásticos falaram pouco ou nada, apesar de que da presciência média ─que, segundo afirmamos, sem que ninguém tenha conseguido nos contradizer, Deus possui, anteriormente a todo ato livre de sua vontade, em relação à determinação do arbítrio das criaturas em um ou em outro sentido─ depende a conciliação legítima da presciência, a providência e a predestinação com a liberdade de nosso arbítrio, assim como o entendimento legítimo das Sagradas Escrituras; além disso, quando esta presciência é da cooperação graças à qual se alcança a vida eterna, dita presciência é o que a predestinação do adulto acrescenta à providência com vistas à sua beatitude.
36. Portanto, esta é a nossa nona conclusão: No segundo sentido que explicamos, a predestinação dos adultos ocorre em função da presciência do bom uso de seu livre-arbítrio, e Deus tem —da maneira que explicamos— conhecimento disso quando os predestina.
Demonstração: Em primeiro lugar: Lemos em Romanos, VIII, 29-30: «Porque aos que conheceu de antemão, a esses predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a esses também chamou &c.». De fato, como a predestinação dos adultos ocorre, da maneira que explicamos, em função da presciência do uso futuro de seu livre arbítrio e, consequentemente, a presciência a que São Paulo se refere nesta passagem é prévia e necessária para a predestinação — como bem comenta Dionísio, o Cartuxo —, por isso, São Paulo, usando algumas palavras, relaciona a predestinação com a presciência e, usando outras, relaciona a vocação com a predestinação e a justificação com a vocação, como observa Caetano ao comentar esta passagem, embora o explique de maneira diferente.
Para que isso seja melhor compreendido, é necessário destacar que São Paulo previamente diz: 'Sabemos que Deus faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que O amam, daqueles que, segundo Seus desígnios, são chamados santos'; como demonstração ou explicação disso, ele imediatamente acrescenta: 'Porque àqueles que Ele conheceu de antemão, a esses Ele predestinou &c.'. As palavras que São Paulo acrescenta para explicar as anteriores ('daqueles que, segundo Seus desígnios, são chamados santos') são comentadas de duas maneiras para explicar as palavras: '... daqueles que, segundo Seus desígnios, são chamados santos'. Pois São João Crisóstomo, Teodoreto, Teofilacto e muitos outros anteriores a Santo Agostinho comentam as primeiras palavras sem recorrer ao desígnio e à vontade de Deus, mas ao desígnio e à vontade daqueles que são chamados, como se a vocação ocorresse por causa da presciência do desígnio ou do bom uso do livre-arbítrio daqueles que são chamados. Então, eles explicam as palavras seguintes desta maneira: Pois àqueles de quem Eu presumo que fariam bom uso de seu arbítrio e, em razão de sua liberdade, seriam conformes à imagem de Seu Filho, Eu os predestinei para que assim acontecesse. Portanto, segundo essa explicação, com maior razão deveria ser dito que a predestinação ocorre em função de uma presciência considerada no segundo sentido, da qual já falamos em nossa conclusão.
No entanto, essa explicação não é demonstrada porque — como afirmam com razão os Doutores posteriores a Santo Agostinho e como sugere o contexto em que aparecem as palavras de São Paulo, tanto nesta passagem quanto em outras — a vocação ocorre em função do desígnio de Deus, que distribui os dons de sua graça conforme sua vontade. Portanto, quando São Paulo explica as primeiras palavras de tal modo que, segundo seu costume, ao mesmo tempo ensina que, com isso, a liberdade de nosso arbítrio não desaparece, mas está presente tanto nos homens que são predestinados quanto naqueles que são chamados segundo o desígnio de Deus, ele acrescenta: 'Porque aos que conheceu de antemão (ou seja, aqueles de quem soube que, em razão da liberdade de seu arbítrio, seriam conformes à imagem de seu Filho, dada a hipótese de que, por sua parte, Ele decidisse ajudá-los com os auxílios que, segundo seu decreto, lhes concede misericordiosamente), a esses predestinou'; ou seja, os predestinou para que fossem conformes à imagem de seu Filho, decidindo conceder-lhes esses mesmos auxílios em um momento determinado do tempo. Em seguida, ele enumera os efeitos da predestinação eterna em função da presciência, dizendo: '… e aos que predestinou &c.'. Sem dúvida, a melhor maneira de comentar essa passagem de São Paulo é recorrendo a essa presciência que — como bem observa Dionísio — é prévia e necessária para a predestinação; esta não é outra senão a ciência média, por meio da qual Deus conhece o que vai acontecer em razão da liberdade do arbítrio, tendo recebido uns ou outros dons e posto em uma ou outra ordem de coisas, dada a hipótese de que Deus decida conceder esses dons.
Assim como outras explicações dessa passagem são forçadas e estranhas, também diferem entre si de tal maneira que é quase impossível encontrar duas que coincidam. Em parte, concorda Santo Agostinho, ou quem quer que seja o autor do Hypognosticon, no início do livro 6, onde afirma: 'Dizemos que há predestinação quando Deus prevê e previne ou preordena algo que vai acontecer e, por isso, Deus — cuja presciência não é acidental, mas sempre foi e é essência — predestina tudo aquilo que Ele presabe (entenda-se que preordena) que será assim antes que o seja. Ele predestina porque presabe o que vai acontecer. Por isso, o apóstolo também diz: Porque a quem Ele conheceu de antemão, a esses também predestinou. Mas Ele não predestina tudo o que presabe. Pois o mal Ele apenas presabe; no entanto, o bem Ele presabe e predestina. Portanto, Ele predestina o bem por meio de Sua presciência, ou seja, o preordena antes que realmente aconteça. E quando começa a acontecer, sendo Ele o autor, chama, ordena e dispõe. Daí que continue dizendo: e aos que predestinou, a esses também chamou.'
37. Em segundo lugar: Leemos em Romanos, XI, 2: 'Deus não rejeitou o seu povo, que de antemão conheceu'; ou seja, aqueles entre os judeus que, segundo a eleição da graça, alcançarão a salvação, como explica São Paulo um pouco mais adiante. De fato, para que qualquer adulto seja predestinado, são necessárias duas coisas, a saber, por um lado, a eleição de Deus segundo o seu desígnio pela graça — isto é, a vontade de conceder os auxílios da graça através dos quais, segundo prevê, o predestinado alcançará a vida eterna em razão da liberdade do seu arbítrio — e, por outro lado, a própria presciência de que, em razão da sua liberdade, fará desses auxílios um uso tal que chegará à beatitude. Por isso, as Sagradas Escrituras — em um lugar e por uma razão — denominam 'predestinação' à eleição segundo o desígnio divino e — em outro lugar e por outra razão — a denominam 'presciência'; também chamam 'predestinados' àqueles de quem Deus previu que, em razão do seu arbítrio, chegarão à beatitude.
38. Em terceiro lugar: Lemos em I Pedro, I, 1-2: «Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos estrangeiros… eleitos segundo a presciência de Deus Pai na santificação do Espírito para a obediência &c.». Aqui também, pela mesma razão, se diz que a eleição ocorre segundo a presciência de Deus Pai.
39. Em quarto lugar: Lemos em II Pedro, I, 10: «Por isso, irmãos, procurai assegurar com boas obras a vossa firme vocação e eleição». Aqui se ensina claramente que do uso futuro do livre-arbírio dos eleitos, em um sentido ou outro, em razão de sua liberdade, depende que sua eleição e vocação sejam firmes ou não. Embora aqui pareça que se está falando de uma vocação e eleição para a glória por uma garantia da fé e da graça, em virtude das quais já teriam direito a ela e com certeza chegariam a ela, exceto se a perdessem por sua própria negligência e culpa ─e São Pedro os exorta a agir de tal modo que não percam essas garantias, na medida em que, deste modo, sua vocação é segura, e alcancem o fim para o qual foram chamados desta maneira─, no entanto, isso serve muito bem para demonstrar o que sustentamos; pois daqui se segue que do uso futuro de seu livre-arbírio, em um sentido ou outro, dependeria a existência do efeito de sua predestinação e, consequentemente, que desde a eternidade Deus tenha possuído a presciência de que, por este uso, alcançarão a vida eterna e que desde a eternidade tenham sido predestinados.
40. Em quinto lugar: Para que alcancemos a justificação e a salvação, Deus nos predestina de modo que, em um momento determinado do tempo, as alcancemos, como afirma Santo Tomás neste lugar (argumento Sed contra) e como com razão repete frequentemente Domingo de Soto em seus comentários ao capítulo 9 de Romanos. No entanto, os adultos alcançamos a justificação e a vida eterna dependendo de que livremente o queiramos, de tal maneira que o efeito integral da predestinação depende simultaneamente da vontade livre de Deus e do influxo livre do nosso arbítrio, estando em nosso poder não alcançar a justificação, nem a salvação, como ensina a fé. Portanto, que desde a eternidade tenhamos sido predestinados através dos meios pelos quais realmente fomos predestinados e alcançaremos a vida eterna, não depende apenas da vontade divina em virtude da qual Deus decide nos ajudar com esses meios, mas ao mesmo tempo também depende da cooperação livre e do influxo previsto do nosso arbítrio; por outro lado, a vontade divina de nos ajudar desse modo não pode ser considerada predestinação, a menos que envolva a presciência do livre influxo futuro do nosso arbítrio.
41. Finalmente: Com os mesmos auxílios divinos com os quais uma pessoa alcança a justificação e a salvação, outra não o faz em razão de sua liberdade, e vice-versa, como é evidente pelo que podemos ler em Mateus, XI, 21: «… se em Tiro e em Sidom…». Também não se deve duvidar de que muitos homens se desviaram para o inferno, embora tenham recebido de Deus auxílios muito maiores do que os que receberam muitos que agora desfrutam da contemplação divina no céu, entre os quais parecem estar os judeus que viram Cristo nosso Senhor pregando e realizando milagres, dos quais — como nos lembra São Paulo em Romanos, X, 21 — o Senhor se queixou pela boca de Isaías, dizendo: «Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde, que andava por caminhos maus, seguindo seus próprios pensamentos, um povo que me provocava à ira descaradamente e sem cessar». Também nosso Senhor Jesus Cristo, em Mateus, XXIII, 37, diz: «Quantas vezes quis reunir teus filhos, como a galinha reúne seus pintinhos debaixo das asas, e tu não quiseste!». Mas que alguns, com maiores auxílios, não tenham sido predestinados, nem salvos, e outros, com menores auxílios, tenham sido, deve-se ao fato de que os primeiros, em razão de sua liberdade inata, não quiseram fazer de seu arbítrio um uso tal que alcançassem a salvação; e os segundos, no entanto, o quiseram ao máximo. Portanto, que a vontade eterna pela qual Deus decide conferir aos adultos os meios através dos quais chegarão à beatitude seja considerada predestinação, depende — como condição sem a qual não deveria ser considerada assim — de que os próprios adultos, em razão de sua liberdade inata, façam de seu arbítrio um uso tal que cheguem à beatitude e de que Deus preveja isso em virtude da altura de seu entendimento.
42. Devemos acrescentar o seguinte: Embora o uso previsto do livre-arbítrio ou outras circunstâncias por parte do adulto a ser predestinado não obriguem Deus a tomar a decisão de prover e ajudá-lo dessa maneira, no entanto, Ele pode levar em consideração as circunstâncias e o uso do livre-arbítrio, sendo conveniente e muito conforme à razão que Ele aja assim, como realmente acontece em numerosas ocasiões, nas quais Ele leva em consideração muitas dessas circunstâncias e decide —por causa das circunstâncias e do uso previsto— coisas que de outra forma não decidiria, como claramente se deduz das Sagradas Escrituras. De fato, se considerarmos que entre os efeitos da predestinação está incluído o fato de Deus antecipar a morte de um homem justo que, se vivesse mais tempo, se condenaria em razão de sua liberdade, então, sem dúvida, quando Deus o predestina, Ele leva em conta a qualidade do uso previsto de seu livre-arbítrio. Isso está de acordo com o que lemos em Sabedoria, IV, 11-14: 'Foi arrebatado, para que a maldade não pervertesse sua inteligência e o engano não extraviasse sua alma'. Pois Deus se agradou de sua alma e, por causa disso, apressou-se em arrebatá-lo das maldades.
Também, quando em I Timóteo, I, 13, São Paulo diz de si mesmo: «… que antes fui blasfemo e perseguidor violento, mas fui recebido em misericórdia, porque agia por ignorância na minha incredulidade»; ele está ensinando claramente que não teria sido recebido em misericórdia, nem teria recebido uma ajuda tão grande, se tivesse cometido seus pecados por maldade.
Por causa do pecado de Saul, do qual nos fala I Samuel, XIII, Samuel lhe disse: 'Você agiu tolamente. Se não tivesse agido assim, Deus teria confirmado o seu reino sobre Israel para sempre, mas agora o seu reino não durará.'
Em Gênesis, XXII, 15-18, devido à conhecida obediência de Abraão, Deus lhe disse: '... porque fizeste isso e não poupaste teu filho por minha causa, eu te abençoarei... e em teus descendentes serão abençoadas todas as nações da terra, por teres me obedecido.'
É evidente, pelo que podemos ler nas Sagradas Escrituras, que quanto maior diligência os justos colocam em honrar a Deus, maiores e mais abundantes são os auxílios com que Deus costuma ajudá-los, para que perseverem na graça e cresçam nela. Pois, conforme lemos em Mateus, XXV, 28, e em Lucas, XIX, 25, Deus ordena que se tire o talento daquele que agiu com preguiça e manda que seja entregue a quem trabalhou mais do que todos e era mais rico do que os demais: 'Tirem-lhe o talento e deem-no a quem tem dez, porque a quem tem será dado e terá em abundância; mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado.'
Além disso, assim como Deus costuma permitir um pecado como castigo por outro pecado, da mesma forma, pelas esmolas e outras obras moralmente boas realizadas por alguém em pecado mortal, Deus frequentemente costuma ajudar mais rapidamente e em maior medida a uma pessoa do que a outra, para que ela abandone o pecado; por isso, essas obras são com razão chamadas de 'disposições remotas para a graça'.
Além disso, para concluir nossa doutrina, vamos acrescentar — em termos genéricos — ao que dissemos até aqui uma proposição menor: Por causa do bom ou mau uso futuro do livre-arbítrio, previsto por Deus dada a hipótese de que Ele queira estabelecer uma ou outra ordem de coisas, desde a eternidade Deus decide conceder os auxílios e os dons que confere em um determinado momento do tempo, por causa de algum bom uso antecedente do livre-arbítrio, e também decide, por causa de um mau uso antecedente do livre-arbítrio, permitir os pecados ou infligir um castigo.
43. Além disso, no que diz respeito à exaltação, ao louvor e à honra de Cristo e de sua santíssima mãe, parece-me muito plausível não apenas que Deus tenha decidido conceder às suas duas almas santíssimas dons mais excelentes, mas também que tenha previsto que elas, em razão de sua liberdade inata, fariam um uso melhor de seu livre-arbítrio do que as demais e, por isso, tenham sido escolhidas antes das outras para uma dignidade tão grande.
44. Por tudo o que foi dito, será fácil entender, por um lado, a máxima diferença que existe entre a predestinação de Cristo —enquanto foi predestinado em função de sua natureza humana para ser ao mesmo tempo Filho de Deus por união hipostática— e a predestinação dos demais homens adultos em Cristo e por Cristo e, por outro lado, a semelhança que há entre ambas.
A diferença é a seguinte: Como a natureza humana não pode ser conduzida à união hipostática através do uso de seu livre-arbítrio, mas somente por meio de Deus, portanto, na predestinação de Cristo como homem para ser ao mesmo tempo Filho de Deus, não se levou em consideração de forma alguma — em relação a essa predestinação — o uso previsto de seu livre-arbítrio; no entanto, como os adultos são predestinados para a vida eterna em Cristo e por Cristo de tal maneira que, por meio de seu livre-arbítrio — apoiado na graça, nos auxílios e nos méritos de Cristo —, alcancem essa vida, caso eles mesmos queiram, por isso, o uso de seu livre-arbítrio deve ser levado em consideração, como já explicamos.
A semelhança é a seguinte: Como todos os auxílios e meios sobrenaturais através dos quais Deus os predestina são concedidos por mediação de Cristo e, consequentemente, derivam —como de uma fonte— da predestinação de Cristo enquanto homem, por isso, da mesma forma que a predestinação de Cristo enquanto homem para ser simultaneamente Filho de Deus, não se deveu aos méritos ou a algum uso do livre arbítrio de Cristo, tampouco a predestinação dos demais homens em relação ao efeito integral de sua predestinação e, consequentemente, à concessão dos auxílios e da graça que —a partir desta predestinação e dos méritos de Cristo— derivam para cada um dos predestinados, se deve aos méritos ou a algum bom uso de seu livre arbítrio que anteceda a esses dons, mas, de maneira puramente gratuita, se deve tão somente à vontade de Deus. Santo Agostinho, em De praedestinatione sanctorum (cap. 15) —que já citamos no membro 6— fala dessa semelhança entre nossa predestinação e a de Cristo e, no entanto, não nega, nem pode negar, a diferença que apontamos.
45. Finalmente, esta é a nossa última conclusão: Que o plano da providência para com as crianças e a vontade divina de conferir-lhes os meios pelos quais cheguem à beatitude, considerados como predestinação, não dependem apenas da própria união livre de seus pais direcionada à sua procriação, assim como também das demais coisas das quais depende a proteção da prole até o momento de receber o remédio contra o pecado original, mas também dependem da própria aplicação livre desse remédio, seja quem for que o aplique.
Demonstração: Se essas crianças não nascessem, nem fossem protegidas até o momento em que lhes fosse aplicado o remédio contra o pecado original, então, da mesma forma que nunca alcançariam a vida eterna, também não seriam predestinadas. Portanto, uma vez que o fato de nascerem, serem protegidas e terem o remédio contra o pecado original aplicado depende da livre operação de outro ─que, de fato, poderia não ocorrer─, por isso, que a vontade divina de conceder-lhes esses meios e prover-lhes dessa maneira seja considerada predestinação, depende da livre operação de outros.