Concordia do Livre Arbítrio - Parte VII 13

Parte VII - Sobre a predestinação e a reprovação

Seção X: Apêndice do anterior

1. Alguns, opondo-se ao que parece que apresentamos na seção anterior, sustentam que o bom uso do livre arbítrio pelo qual nos preparamos para a primeira graça, também —enquanto procede de maneira precisa do nosso arbítrio— é efeito da predestinação. Argumentam assim:
2. A graça preveniente, que é efeito da predestinação, não apenas concorre nesse bom uso do livre-arbítrio, cooperando e influenciando o referido ato juntamente com o livre-arbítrio, mas também movendo o arbítrio a que concorra para realizar este ato; portanto, dito ato —também na medida em que procede do livre-arbítrio— é efeito da graça preveniente e, consequentemente, da predestinação.
3. No seção anterior, eu disse que, na predestinação do adulto, o que se predestina é o próprio homem adulto com sua liberdade natural e inata, que o adulto possui não como um dom da predestinação, mas por sua própria natureza, e que é comum tanto aos réprobos quanto aos predestinados; e quem o predestina é Deus, por meio de todas as ajudas e dons que, desde a eternidade, Ele quis conceder-lhe de maneira misericordiosa, através dos quais, conforme Ele prevê, com a cooperação do adulto por sua liberdade inata, este alcançará a vida eterna, apesar de ter liberdade —sem que os dons e as ajudas que, por sua parte, Deus decidiu conceder-lhe possam impedi-lo— para não agir assim, mas de outra maneira, e não alcançar a vida eterna, sendo isso algo que nenhum católico pode negar.
4. Devido a esta cooperação livre que Deus exige deste adulto e que o próprio adulto oferece, conforme eu disse no lugar mencionado e em outros, o bom uso do livre arbítrio pelo qual o adulto se dispõe para a justificação e pelo qual, quando a alcança, se torna merecedor da glória, ou o bom uso pelo qual, uma vez alcançada a justificação, simultaneamente se torna merecedor de um aumento da graça, são dons de Deus, de tal modo que, ao mesmo tempo, por essa cooperação livre, são disposições e méritos deste adulto e o tornam merecedor de louvor e honra; igualmente, nenhum católico ousará, nem poderá negar isso.
5. Da mesma forma, eu disse que cada uma das partes do bom uso do livre-arbítrio deste adulto tem, desde o momento em que ele é chamado pela primeira vez à até o final de seus dias, duas causas livres das quais —como partes de uma única causa integral— depende de tal maneira que, se alguma delas deixar de influenciar —como está em seu poder—, essa parte do bom uso do livre-arbítrio não ocorrerá. A causa primeira e principal é Deus, que, por meio de Seus dons, de Seu concurso e de Seus auxílios, coopera em toda essa parte do bom uso do livre-arbítrio. A causa segunda e menos importante é o próprio arbítrio, que, uma vez movido, ajudado e incitado por Deus, influencia livremente, de tal maneira que está em seu poder não influenciar e fazer com que essa parte do bom uso do livre-arbítrio não ocorra, como definiu o Concílio de Trento em matéria de e como explicamos muitas vezes.
6. Além disso, eu disse que qualquer parte do bom uso do livre-arbítrio que, conforme explicamos, depende da influência de Deus e do arbítrio do adulto como duas partes de uma única causa integral é um ato único e simples e uma razão formal única e simples, que, consequentemente, em termos de totalidade do efeito, por um lado, procede de Deus através de sua predestinação eterna, de seus auxílios e de seus dons graças aos quais, em um momento no tempo, o livre-arbítrio recebe uma ajuda para coproduzi-lo e, por outro lado, procede do arbítrio, que coopera nele, no qual não se poderia distinguir uma coisa real ou formal procedente de Deus e não do arbítrio e outra procedente do arbítrio e não de Deus.
7. Daí se segue que, da totalidade do bom uso do livre arbítrio do predestinado e de qualquer parte dele, seria necessário dizer sem mais e em termos absolutos que são efeitos da predestinação, porque neles não haveria nada real ou formal que não fosse efeito da predestinação, embora não seriam efeitos da predestinação porque o arbítrio e a liberdade humana cooperam neles, mas porque Deus coopera neles através de sua predestinação e do efeito desta. Embora os Doutores não tenham explicado esta questão com essa precisão, no entanto, sempre disseram com toda verdade que todo o bom uso do livre arbítrio pelo qual o predestinado é justificado e conduzido à vida eterna, assim como cada uma de suas partes, são efeitos da predestinação, sendo isso algo que acabamos de explicar com toda clareza.
8. No entanto, ainda nos resta examinar se este bom uso, considerado de maneira precisa como proveniente do próprio arbítrio e de sua liberdade inata e natural ─razão pela qual é chamado de «usso do livre arbítrio», embora seja sobrenatural por outro motivo, como explicamos, e embora o fato de ser um bom uso também se deva a outro motivo, ou seja, a Deus e à sua cooperação por meio de seus dons e auxílios sobrenaturais─, deve ser denominado «eefeito da predestinação».
9. Nós dissemos que este uso não é efeito da predestinação por esta razão; pois este uso, considerado de maneira precisa, não deveria ser incluído entre os efeitos da predestinação, mas sim seria aquilo que é dado por parte do predestinado e que Deus exige dele para que —com a cooperação do próprio Deus, principalmente por meio de sua predestinação eterna e de todos os efeitos temporais desta, e guiando o adulto para a vida eterna— ele também consinta livremente e coopere de tal modo que, por esta razão, embora todo o efeito da predestinação e todos os meios pelos quais ele é conduzido para a vida eterna sejam dons de Deus que, somente por sua livre vontade, procedem de sua misericórdia infinita, no entanto, muitos deles serão méritos do próprio predestinado e alguns deles serão disposições do adulto pelas quais ele, em virtude de sua liberdade, se disporá para a graça.
10. Uma vez oferecida toda esta doutrina, na seção anterior acrescentei: No entanto, devemos assinalar...; como também dissemos no membro 6 (Resposta à primeira objeção), a saber, na medida em que este bom uso do livre-arbítrio procede do próprio arbítrio criado, também deve ser atribuído a Deus: em primeiro lugar, como criador do livre-arbítrio que confere esta virtude aos homens para que façam dele um bom uso; em segundo lugar, como aquele de cujo concurso geral depende qualquer influxo do arbítrio; em terceiro lugar, como aquele que, por meio de seus dons e auxílios sobrenaturais da graça preveniente, atrai e convida o adulto a que conceda seu consentimento a estes usos sobrenaturais, porque, como explicamos em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (disputa 8), frequentemente o arbítrio não influiria de maneira substancial isto é, sobre usos naturais semelhantes —, a não ser que a graça preveniente o atraísse e convidasse; e, por último, como aquele que, cooperando por meio destes mesmos dons da graça nos atos em que o próprio arbítrio coopera, faz que este uso seja realmente sobrenatural com a cooperação do arbítrio. Sem dúvida, com estas palavras não nego, mas, pelo contrário, assinalo abertamente que o bom uso do livre-arbítrio também quanto procedente do arbítrio, se considerado na medida em que Deus o ajuda de maneira sobrenatural dos dois modos que explicamos no segundo lugar citado pode e deve ser incluído entre os efeitos da predestinação; pois, sem lugar a dúvidas, tudo o que procede de Deus como efeito da predestinação deve ser incluído entre os efeitos da predestinação. Antes de explicar esta doutrina, ensinei que se considerarmos este uso de maneira precisa quanto procedente do livre-arbítrio sendo esta uma consideração que ainda pode ser realizada, como veremos —, não deve ser incluído entre os efeitos da predestinação.
11. Para refutar mais claramente o argumento citado, afirmamos: O influxo de diferentes causas parciais sobre uma única ação simples em termos reais e de razão formal, como expusemos e explicamos em nossos Commentaria in primam D. Thomae partem, não é uma causa parcial ou princípio influente, mas é uma ação total por totalidade de efeito que por parcialidade causal procede de cada parte, se considerarmos esta ação de maneira precisa na medida em que seu ser procede de cada parte causal.
12. Também afirmamos: A graça preveniente é um movimento do livre-arbítrio pelo qual Deus move, convida e incita este a cooperar na realização do ato ou bom uso do livre-arbítrio de que estamos falando, a fim de que se disponha para a graça, como dissemos anteriormente e como explicamos extensamente em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (desde a disputa 8 e desde a disputa 37, especialmente na disputa 45); no entanto, é um movimento tal que não impõe ao livre-arbítrio nenhuma necessidade com respeito a esta cooperação, mas lhe deixa a liberdade de não cooperar e tornar inútil este movimento e, por isso, de aplicar sua influência própria, particular e necessária, além de toda a força e influência da graça preveniente —dirigidas a que este ato ou bom uso do livre-arbítrio se produza—, ou de suspendê-lo ou influir de maneira contrária; o Concílio de Trento (sess. 6, cân. 4) chama a isso assentir ou dissentir; certamente, isto é matéria de fé, como se define no cânon 4 citado e no capítulo 5 desta sessão.
13. Por isso, pode-se ver com toda clareza o quão fraco é o argumento proposto para refutar nossa doutrina; certamente, ele peca por equívoco.
Pois, quando algo move ou produz um movimento sem cooperar, nem influenciar por meio de uma força inata, mas apenas por meio de uma força que lhe é impressa de maneira extrínseca, então não apenas toda a ação que daí se segue é efeito da força que lhe é impressa e do agente que a imprime, mas também é efeito dessa força e do agente principal, seja qual for o modo como se a considere em relação ao agente do qual procede de maneira imediata. Assim também, uma vez que a água ou o ferro movidos e aquecidos pelo fogo também aquecem, não apenas o aquecimento pelo qual a água se aquece é efeito do calor que o fogo lhe imprime, assim como do próprio fogo, mas também, considerado de maneira precisa enquanto procedente da água, é efeito do mesmo calor e do fogo, porque a água não aquece por meio de uma força própria e inata.
No entanto, quando algo produz um movimento de tal forma que não apenas o produz por meio de uma força e de um movimento recebidos de maneira extrínseca, mas também por meio de uma força e influência próprios, então, embora toda a ação seja efeito da força e do movimento que lhe foram impressos, assim como do agente principal que os imprime, no entanto, considerada essa ação de maneira precisa como procedente da força própria e inata desse agente, deve ser denominada como tal 'efeito e influência próprios', especialmente se a cooperação e influência através de sua força própria e inata forem totalmente necessários para essa ação, além de qualquer outra cooperação ou influência causal que a mova; desse modo, estará em seu poder aplicá-la ou não aplicá-la, ou fazê-lo de maneira mais ou menos intensa, permanecendo iguais todas as demais circunstâncias.
14. Por isso, quando se apresenta contra nossa doutrina o seguinte argumento: a graça preveniente concorre movendo o livre-arbítrio, para que este influa e concorra na realização do ato que é seu bom uso; temos que distinguir o antecedente.
Pois, se for entendido no sentido de que, apenas através do movimento da graça preveniente, o arbítrio influencia e concorre, sem que seja necessário um influxo próprio e particular ou um concurso do próprio arbítrio que este, sem que o movimento da graça o impeça, possa suspender, tornando assim inútil o movimento da graça, teremos que negar o antecedente; pois seria errôneo em matéria de fé.
Mas, se entendermos que o arbítrio influencia e concorre não apenas através do movimento da graça, mas que também é necessário um influxo ou concurso próprio e particular do arbítrio, o qual, sem que o movimento da graça preventiva o impeça, aplica livremente, então teremos que admitir o antecedente, mas também teremos que negar a consequência, em virtude da qual se infere o seguinte: portanto, este ato —também na medida em que procede do livre arbítrio— é efeito da graça preventiva e, consequentemente, da predestinação; se entendermos o consequente referido a este ato, considerando-o de maneira precisa como procedente do influxo próprio e particular do livre arbítrio, que também é necessário; pois, considerado deste modo, não é um efeito da graça preventiva, mas apenas do arbítrio. O que vamos acrescentar a seguir confirma claramente tudo isso.
15. De fato, que o ato realizado pela graça preveniente e pelo arbítrio seja livre e, consequentemente, seja objeto de virtude, louvor e honra ─que, em razão deste ato, são atribuídos ao homem que influencia livremente─, sem dúvida, não é um efeito da graça preveniente, mas um efeito do arbítrio através dessa influência. Pois a graça preveniente está totalmente determinada e, por essa razão, o que o arbítrio do predestinado recebe nesse momento, move e incita por necessidade da natureza, sendo o próprio arbítrio que, por sua liberdade inata, age livremente através da influência que lhe é própria; somente em virtude dessa influência este ato é realizado livremente pelo homem predestinado e, por essa razão, o torna merecedor de louvor e honra.
16. Da mesma forma, o fato de que, após dois homens terem sido prevenidos e movidos por um movimento igual da graça, um deles consinta, concorra com a graça, realize o ato e se converta, e o outro não, sem dúvida, se deverá apenas à liberdade inata, própria e intrínseca de ambos, que é comum aos bons e aos maus, aos réprobos e aos predestinados. Pois a graça preveniente, agindo por necessidade de natureza, move a ambos igualmente e, em razão do fato de que um deles queira aplicar livremente o influxo próprio de seu arbítrio e o outro não, um deles se converterá e o outro não.
17. Pela mesma razão, afirmamos o seguinte: Que os auxílios da graça preveniente sejam eficazes ou ineficazes para a conversão, depende do influxo próprio do arbítrio.
18. Da mesma forma, que um homem, com um auxílio igual de graça preveniente ou com outros dons iguais, aja de maneira mais ou menos intensa após ter sido justificado ou de maneira mais ou menos fervorosa ─por esta razão, quem age intensamente e fervorosamente, torna-se digno, muitos pecados são perdoados em relação ao seu castigo e são concedidos os dons que são retirados dos indolentes─, certamente, isso se deverá ao influxo próprio do arbítrio e, conforme ele seja, diz-se que faz um uso maior ou menor da graça, assim como que, uma vez que esta lhe foi oferecida, quer fazer uso dela ou não, aplicando ou suspendendo este influxo que lhe é próprio.
19. Em razão da influência própria daqueles que agem assim, São Bernardo, em seu sermão sobre a leitura de Jó, V, 19: De seis tribulações..., diz: «Ele mesmo completa o pouco que temos; mas não suporta que afastemos o pouco que temos». E o Concílio de Trento (sess. 6, cap. 5) manifesta: «... de tal maneira que, tocando Deus o coração do homem por meio da iluminação do Espírito Santo, o próprio homem faça tudo ao receber esta inspiração, porque também a pode afastar».