Concordia do Livre Arbítrio - Parte VII 11
Parte VII - Sobre a predestinação e a reprovação
Seção VIII: No qual se considera o processo que, segundo alguns imaginam, Deus segue com os homens para predestinar e reprovar; e no qual também nos perguntamos se à predestinação antecede a previsão dos pecados ou alguma eleição
1. Duns Escoto (In I, dist. 41, q. única; In III, dist. 7, q. 3; dist. 19, q. única) explica o processo que Deus segue desde a eternidade com os homens para predestinar e reprovar, estabelecendo vários momentos nos quais, de acordo com nosso modo de entender, Ele teria querido e previsto uma coisa antes de outra. Ele se baseia em um princípio que, a propósito da questão que estamos tratando, também é familiar a muitos outros, a saber, aquele que, seguindo uma ordem, quer um fim e os meios direcionados a esse fim, e quer o fim antes dos meios direcionados a esse fim.
Portanto, no que diz respeito a esta questão, distingue-se esses momentos da seguinte maneira: Num primeiro momento, Deus teria desejado com vontade eficaz a beatitude para algumas de todas as criaturas futuras dotadas de entendimento que se lhe oferecessem; entre essas criaturas estava Cristo enquanto homem, para cuja honra e glória Ele quis a beatitude dos demais homens; e, segundo Escoto, Cristo teria vindo ao mundo, mesmo que Adão não tivesse pecado; com relação às demais criaturas que não alcançariam a beatitude, segundo Escoto, nesse momento Deus teria mantido uma atitude puramente negativa. No segundo momento, Ele teria desejado com vontade eficaz a graça para as criaturas que no primeiro momento escolheu para a beatitude. Da mesma forma, nesse segundo momento, segundo Escoto, Deus teria mantido uma atitude puramente negativa em relação às demais criaturas. Além disso, Escoto denomina 'predestinação' a vontade eficaz de conferir a graça e a glória às criaturas assim escolhidas; daí que ele sustente que elas já teriam sido predestinadas anteriormente ao que Deus ordenasse nos momentos seguintes, como podemos ler com toda clareza nos lugares citados, principalmente em seus comentários à distinção 19. No terceiro momento, Deus teria desejado permitir o pecado de Adão e todos os demais pecados do gênero humano que se seguiram a ele e, por isso, teria previsto que tudo isso aconteceria. Pois a ciência livre divina é posterior ao ato eficaz da vontade divina pelo qual Deus quer que algo aconteça ou permita que aconteça; por isso, Deus teria desejado com vontade eficaz as coisas seguindo a mesma ordem em que, segundo prevê, vão ocorrer. Daí que Escoto afirme que não apenas a predestinação de Cristo, mas também a dos demais homens, a uma graça e glória seguras, assim como a presciência de que vão alcançar as duas, antecedem a presciência do pecado de Adão e de quaisquer outros pecados, como ele ensina com toda clareza em seus comentários à distinção 7, questão 3. Finalmente, no quarto momento, conhecida a queda do gênero humano, Deus teria desejado que Cristo — que, segundo pensa Escoto, teria vindo ao mundo, mesmo que Adão não tivesse pecado — se fizesse homem, para que sofresse de tal modo que, com sua paixão e com seus méritos, obtivesse para os predestinados de maneira eficaz a graça primeira e a perseverança nela até o final de seus dias. Por essa razão, nesse mesmo momento Deus teria reprovado os demais homens, uma vez previstos seus pecados, nos quais teriam de perseverar até o final de seus dias. Por isso, segundo Escoto, não haveria nenhuma causa da predestinação dos eleitos, exceto a vontade divina; no entanto, a causa da reprovação estaria nos próprios réprobos, ou seja, em seus pecados previstos, pelos quais seriam reprovados e condenados com justiça.
2. Dissemos que, no que diz respeito a esta questão, Escoto distingue os quatro momentos que acabamos de apresentar, porque ele não nega, mas, ao contrário, afirma que em cada um deles podemos distinguir muitos outros. De fato, no primeiro momento, ele distingue outros quatro: primeiro, aquele em que Deus se conhece; segundo, aquele em que conhece as criaturas dotadas de entendimento; terceiro, aquele em que predestina Cristo como fim e princípio dos demais predestinados; e quarto, aquele em que predestina os demais, como afirma em seus comentários às distinções 7 e 19. O segundo momento também pode ser dividido em muitos outros, na medida em que, para o fim da glória, pode haver muitos meios, dos quais um existiria por causa de outro, que seria seu fim, porque sempre se escolhe o fim antes daquilo que conduz a ele. Escoto também não nega que, no terceiro momento, a previsão do pecado de Adão antecedesse a dos demais pecados do gênero humano que se seguiram dele como raiz de todos eles. Ele também admite que, no quarto momento, os méritos e a paixão de Cristo antecedem a graça que, por meio deles, os predestinados recebem.
3. No entanto, outros consideram que a presciência divina dos pecados antecedeu a predestinação tanto de Cristo quanto dos outros homens. Parece que Santo Agostinho ensina claramente em muitos lugares que o conhecimento que Deus teve da queda do gênero humano e do pecado original que infectou a todos antecedeu a predestinação e a reprovação dos homens; agora, prevendo que todo o gênero humano seria infectado pelo pecado original e que, por isso, se tornaria merecedor da morte eterna como massa condenada à perdição por causa do pecado que o infectou, somente por sua misericórdia e generosidade, sem a preexistência de qualquer mérito ou razão por parte dos homens, Deus teria desejado desde a eternidade conceder a alguns deles meios eficazes através de Cristo para que alcançassem a bem-aventurança e assim os teria predestinado em Cristo e por Cristo de maneira puramente gratuita para mostrar neles as riquezas de sua glória e para que neles resplandecesse sua bondade misericordiosa; no entanto, livremente não quis exercer esta beneficência com todos os demais, mas, com justo juízo e sem ser iníquo com ninguém, quis abandoná-los como massa condenada à perdição, recusando conceder-lhes através de Cristo meios eficazes com os quais pudessem alcançar a vida eterna; por isso, quis puni-los tão somente por causa do pecado original ou por causa de outros pecados atuais nos quais, segundo previu, abandonariam esta vida; teria feito isso para realçar sua justiça punitiva, ou seja, este seria o fim pelo qual os teria reprovado.
4. Segundo Santo Agostinho, nenhuma das duas coisas ocorreria pelas próprias obras daqueles que são predestinados ou reprovados, mas ambas ocorreriam antes que pudessem agir bem ou mal, como ensina São Paulo (Romanos, IX, 11) ao recorrer ao exemplo de Jacó e Esaú. No entanto, embora a predestinação ocorra apenas em virtude da misericórdia divina, pela qual, de maneira puramente gratuita e sem nenhum motivo atribuível aos predestinados, Deus teria querido separá-los da massa condenada à perdição, Santo Agostinho afirma que a reprovação ocorre por causa do pecado original previsto como preexistente, enquanto Deus estava ocupado em providenciar o remédio e a graça que concederia por meio de Cristo, pela qual todos aqueles que foram predestinados o foram. De fato, Deus quis a reprovação no momento em que decidiu não conferir aos reprovados, por meio de Cristo, os meios para alcançar a vida eterna, porque não lhes devia nada, mas os abandonou ao pecado original ou, caso se levantassem dele, permitiu que caíssem em outros pecados que, segundo previa, cometeriam em virtude de sua liberdade, terminando seus dias neles. Por essa razão, a origem e a razão da reprovação foram o pecado original e o estado de natureza corrupta, juntamente com o propósito de não conferir, por meio de Cristo, os meios pelos quais poderiam evitar totalmente sua perdição. Assim entendemos Santo Agostinho, que ensina essa opinião em muitos lugares, embora não explique de maneira tão precisa em que sentido entende que o pecado original dos reprovados é a razão e a causa de sua reprovação. Por isso, muitos contestam essa opinião, argumentando que, como no caso de Esaú o pecado original foi expiado por meio da circuncisão e no caso de muitos outros reprovados foi expiado por meio do batismo e outros remédios e, uma vez que desapareceu, não pode voltar, o pecado original não poderia de modo algum ser a razão da reprovação deles. No entanto, Santo Agostinho parece entender que foi causa de reprovação no seguinte sentido, a saber, na medida em que foi a causa, por um lado, de perder o direito de entrar no reino dos céus e, por outro, do estado de natureza corrupta, ao não querer Deus conferir aos reprovados, por meio de Cristo, a graça e os auxílios sem os quais, segundo previa, cairiam na perdição eterna voluntariamente e em virtude de sua própria liberdade, embora, se assim o quisessem, com os mesmos auxílios e com outros que Deus estava disposto a conceder-lhes por meio de Cristo — caso quisessem fazer o que estava ao seu alcance —, poderiam ter fugido da perdição eterna e alcançado a vida eterna para a qual foram criados. Santo Agostinho ensina essa doutrina com toda clareza em Quaestiones ad Simplicianum (livro 1, questão 2), Epistola 105 ad Sixtum, Epistola 157 ad Optatum, Enchiridion (capítulos 94, 98 e 99), De praedestinatione et gratia (a partir do capítulo 3) e Hypognosticon (livro 6; em outros livros, Santo Agostinho ou quem quer que seja o autor dessas duas últimas obras diz o mesmo).
5. Alguns sustentam que a opinião mais comum entre os escolásticos, da qual falamos na seção anterior, não deve ser entendida como se, antes de qualquer presciência das ações do livre-arbítrio criado e, consequentemente, antes da presciência do pecado original, Deus tivesse escolhido aqueles que quis e rejeitado e reprovado os outros por sua livre vontade, para assim mostrar sua misericórdia e sua justiça punitiva, mas que Ele teria feito isso após o conhecimento, pelo menos, do pecado original, enquanto decidia conduzir, por meio de Cristo e em Cristo ─cuja encarnação não teria ocorrido se Adão não tivesse pecado─, do estado de perdição à felicidade eterna, todos aqueles que deveriam alcançar a felicidade, de tal forma que a predestinação e a reprovação dos descendentes de Adão teriam ocorrido desde a eternidade, como acabamos de explicar seguindo a opinião de Santo Agostinho.
6. Em primeiro lugar, aqui não aparece aquela inumanidade ou crueldade indigna de Deus, pela qual, sem nenhum motivo por parte dos réprobos, nem culpa alguma que os tivesse feito merecedores disso, Deus teria querido rejeitar e reprovar um número tão grande de homens e, quase de propósito, teria buscado para eles as ocasiões de pecar e teria permitido seus pecados para poder castigá-los com justiça. Pois, como o pecado original futuro já previsto por Deus seria causa suficiente e meritória do castigo justo e da exclusão de todo o gênero humano do reino dos céus, por isso, por um lado, à misericórdia divina e infinita se deveria que Deus quisesse conceder ao gênero humano a Cristo redentor e que em Cristo e por mediação de Cristo quisesse predestinar alguns homens e, por outro lado, ao seu juízo justo, mas insondável, se deveria que quisesse reprovar os demais, não conferindo-lhes por mediação de Cristo os auxílios sem os quais, tal como previa, não alcançariam a vida eterna, mas abandonando-os à perdição em que teriam permanecido, se Deus não tivesse concedido ao gênero humano a Cristo redentor, sobretudo porque Cristo libertou muitos réprobos de muitos pecados ─pelos quais teriam cumprido penas mais duras no inferno─, embora não tenham alcançado a vida eterna.
7. Em segundo lugar, se o parecer comum for explicado dessa forma, seus defensores podem argumentar que, por essa razão, Deus quis que todos os homens alcançassem a salvação e, no entanto, não quis predestinar a todos em Cristo, porque apenas predestinou alguns e reprovou outros de propósito, para que neles resplandecesse sua justiça punitiva, já que quase sua primeira intenção — pela qual, sem ainda ter pensado em Cristo e sem ter previsto o pecado futuro, decidiu criar o gênero humano na justiça original, que se estenderia a todos os descendentes de Adão — foi querer que todos os homens alcançassem a salvação, se isso não estivesse em seu poder, nem no do primeiro pai; no entanto, uma vez previsto o pecado e a perdição do gênero humano, ao predestinar os homens em Cristo e por meio de Cristo, não quis a salvação de todos, mas apenas a daqueles a quem predestinou.
8. No entanto, finalmente, devemos afirmar sem dúvida que Deus também deseja que todos os homens, no estado de natureza caída, alcancem a salvação por meio de Cristo, se isso não estiver em seu poder, nem na própria disposição das coisas, como explicamos em nossos comentários à questão 19, artigo 6. Pois São Paulo se referia ao estado de natureza caída no pecado original, quando disse (I Timóteo, II, 4) que Deus deseja que todos os homens alcancem a salvação. Sobre este mesmo estado, Deus disse sob juramento (Ezequiel, XVIII, 23) o seguinte: «Porventura, quero eu a morte do ímpio, e não antes que ele se converta do seu mau caminho e viva?». Deus convida à vida eterna, sem exceções, todos os que se encontram neste estado. Além disso, Cristo foi entregue como redentor de todos, para que alcancem a vida eterna, se isso não estiver em seu poder. Não devemos dizer, seguindo aquela outra explicação, que Deus deseja que todos os homens alcancem a salvação, mas sim que Ele quis salvar a todos os homens no estado de inocência, se esse estado tivesse perdurado e a salvação não tivesse estado no poder do primeiro pai.
9. Santo Tomás (Suma Teológica, III, q. 1, art. 3, resposta ao quarto) sustenta que a predestinação pressupõe em Deus a presciência dos futuros e, por isso, assim como Deus predestina que um homem se salve por meio das orações de outros ─como São Paulo se salvou pelas orações de Santo Estêvão─, do mesmo modo, predestinou a obra da encarnação como remédio para o pecado humano futuro, do qual tinha presciência.
10. No entanto, consideremos a seguinte proposição: A presciência dos futuros precede em Deus à sua predestinação. Se entendermos essa proposição como se referindo a absolutamente todos os futuros, assim como à presciência de que esses futuros o são de maneira absoluta e sem a mediação de hipótese alguma, então essa proposição é falsa de todas as formas. De fato, a presciência divina de que Pedro vai alcançar a graça e a glória é posterior ao decreto da vontade divina pelo qual Deus decide criá-lo e conferir-lhe os meios através dos quais, segundo prevê, alcançará a graça e a glória, porque em Deus a ciência livre de qualquer efeito é posterior ao ato livre da vontade divina pelo qual decide fazer ou permitir tal efeito ou conferir os meios através dos quais, segundo prevê, esse efeito vai se produzir em virtude da liberdade de arbítrio, como já dissemos anteriormente; além disso, a predestinação de Pedro foi completada pelo ato da vontade divina através do qual Deus decidiu conferir a Pedro os auxílios e os meios em virtude dos quais, tal como previa, ele alcançou a graça e a glória.
11. Cayetano, considerando que no trecho citado Santo Tomás fala da presciência dos futuros quanto ao seu ser futuro de maneira absoluta e sem hipótese, para superar a dificuldade da qual falamos, distingue três ordens de coisas que subjazem à preordenação divina por meio da providência ou da predestinação. Primeiro, aquela em que a providência divina ordena todas as coisas para seus fins naturais; Cayetano se refere a ela como 'ordem da natureza'. Segundo, aquela em que a graça e os meios sobrenaturais dirigem as coisas dotadas de entendimento para o fim sobrenatural da glória; Cayetano se refere a ela como 'ordem da graça'. Terceiro, aquela em que alguma criatura é ordenada para a suprema união que pode haver com Deus, como é a união hipostática; Cayetano se refere a ela como 'ordem de Deus e da criatura', embora fosse melhor denominá-la 'ordem da união hipostática'.
12. Segundo Cayetano, essas três ordens estão dispostas de tal modo que a segunda pressupõe a primeira, porque a providência ordena as coisas para seus fins naturais antes que a graça as ordene para um fim sobrenatural. Portanto, como Deus decidiu criar, por meio de sua providência, todas as coisas naturais —assim como conceder-lhes meios adequados aos seus próprios fins naturais— antes de sua decisão de ordenar as criaturas dotadas de entendimento para a glória através da graça e de meios sobrenaturais, daí se segue que Ele previu todos os futuros contingentes de ordem natural antes de decidir e prever algo relativo aos futuros contingentes dentro da ordem da graça. Mas, como dentro da ordem da natureza não se encontram apenas as coisas naturais —assim como seus meios, operações e efeitos—, mas também os defeitos e os pecados, por um lado, das coisas que agem por necessidade da natureza —como são as coisas monstruosas— e, por outro lado, das que agem livremente —como são aqueles efeitos aos quais, dentro do gênero dos costumes, denominamos 'pecados'—, porque, segundo o que lemos em Oseias, XIII, 9: '... oh, Israel!', podemos pecar apenas com nossas próprias forças, por isso, antes de decidir a predestinação e estabelecer a ordem da graça, Deus prevê todos os pecados do gênero humano e, consequentemente, tem presciência deles antes do estabelecimento da ordem da união hipostática, que pressupõe as duas ordens anteriores. Pois Deus primeiro estabeleceu a ordem da natureza; mas como esta não se dirige para o fim sobrenatural da glória, Ele acrescentou a ordem da graça; mas como esta não se dirige para a suprema união que pode haver com Deus, Ele sobrepôs a ordem da união hipostática.
13. Portanto, com base em tudo isso, Cayetano sustenta que a proposição de Santo Tomás não deve ser entendida como referente a absolutamente todos os futuros contingentes, mas sim àqueles que não se originam na ordem da predestinação divina ou da graça, nem na da união hipostática, embora essas ordens pressuponham os futuros contingentes de ordem natural, entre os quais se encontram os pecados futuros.
14. No entanto, devemos estabelecer a seguinte conclusão: Antes da predestinação tanto dos homens quanto de nosso Senhor Jesus Cristo enquanto homem — para que simultaneamente fosse Filho de Deus — e, portanto, antes que Deus decidisse a encarnação, o entendimento divino teve presciência de absolutamente todos os futuros contingentes, embora não os conhecesse como futuros absolutos, mas como futuros hipotéticos e dependentes do desejo de Deus de estabelecer toda a ordem de coisas, de natureza, de graça e de união hipostática que de fato decidiu estabelecer; no entanto, dos pecados o entendimento divino não teve uma presciência tal que fizesse Deus conhecê-los de antemão como futuros absolutos e sem mediação de hipótese alguma. A primeira parte de nossa conclusão está suficientemente demonstrada em nossos comentários à questão 19, artigo 13 (disputa 49 e seguintes), onde explicamos que Deus, antes de todo ato livre de sua vontade e, portanto, antes de toda predestinação e de toda ciência livre, conheceu — em parte, por ciência puramente natural e, em parte, por ciência média, que se encontra entre a ciência livre e a puramente natural e da qual já falamos na disputa 51 e nas duas seguintes — todos os futuros contingentes e não apenas os futuros que vão acontecer dentro da totalidade da ordem de coisas que decidiu estabelecer, mas também os futuros que aconteceriam tanto nesta ordem — se em relação às suas circunstâncias e auxílios a modificasse de alguma das infinitas maneiras das quais é capaz de fazer em virtude de sua onipotência —, como também em qualquer uma das infinitas ordens de coisas que poderia estabelecer; no entanto, conheceu absolutamente todos esses futuros contingentes, mas não de maneira absoluta e sem a mediação de alguma hipótese em relação ao seu ser futuro, mas sob a condição de seu desejo de estabelecer uma ou outra ordem de coisas com umas ou com outras circunstâncias. É evidentíssimo que, por parte do entendimento divino, esta foi a deliberação íntegra, plena e, por assim dizer, ajustada ao ser divino, que antecedeu a todo ato livre da vontade de Deus; por meio dela, com a mesma visão simplicíssima pela qual, de maneira natural, em si mesmo Deus se conhece a si mesmo e a todas as coisas, conheceu com toda perfeição e plenitude tudo o que pode querer, toda relação de meios com fins e a conexão de alguns fins entre si.
15. Por tudo isso, no que diz respeito ao nosso propósito, devemos considerar que Deus, antes de querer livremente algo, vê as infinitas ordens de coisas que pode estabelecer e o que o livre arbítrio criado faria em cada uma delas, se Ele quisesse estabelecer uma ordem determinada com umas ou com outras circunstâncias; consequentemente, vê o que o arbítrio dos anjos e dos primeiros pais faria, dada a hipótese de que a uns e a outros os criasse estando em graça —e, além disso, aos primeiros pais os criasse em posse da justiça original, para que alcançassem a vida eterna por seus próprios méritos— e os colocasse na ordem de coisas que de fato decidiu estabelecer; além disso, não só vê que relação guardaria esta ordem de coisas com o universo mundo e com os homens e os anjos criados da maneira mencionada —para que neles resplandecesse a bondade, generosidade, sabedoria, poder e demais perfeições da natureza divina—, mas também que relação e coerência poderia haver em Cristo, como verdadeiro Deus e homem, para que sobressaísse entre os homens e os anjos —e, por isso, recebesse dons melhores que os que receberam os outros e tudo o mais redundasse em sua honra e em sua glória—, para que redimisse o gênero humano —cuja queda Deus via que se seguiria dada esta mesma hipótese—, para que em Cristo e por Cristo fossem predestinados todos os homens que deveriam salvar-se e, finalmente, para que, na redenção do gênero humano e em tudo o mais que Cristo fizesse, os próprios atributos divinos resplandecessem muito mais que nas demais coisas; como digo, devemos considerar que Deus vê todas estas coisas e muitas outras em número infinito, antes de estabelecer livremente qualquer uma delas.
Mas, em primeiro lugar, Ele teria conhecido com toda certeza as relações dos fins e de todas as coisas entre si e teria tido a liberdade de não querer permitir a queda do gênero humano, se não tivesse desejado ajudá-lo de maneira felicíssima por meio de Cristo, assim como teria tido a liberdade de não querer a encarnação, se não tivesse em suas mãos, como parte de seu fim integral, a reparação do gênero humano; em segundo lugar, não apenas antes da queda do gênero humano, mas também depois dela, Ele não teria desejado a beatitude eterna para nenhum adulto, exceto de maneira dependente do uso próprio do livre arbítrio de cada um deles; mais ainda, também não a teria desejado para nenhuma criança, exceto de maneira dependente do remédio contra o pecado original aplicado através do uso do livre arbítrio de outros, como é sabido na matéria da fé; e, finalmente, desde a eternidade, Ele teria querido tudo o que quis com um único ato simples de sua vontade e com uma deliberação ou conhecimento prévios e pleníssimos sobre todas as coisas; por tudo isso, parece que os instantes de que falam Escoto e outros devem ser totalmente rejeitados; pois quando Deus decide a encarnação e predestina a Cristo com os demais bem-aventurados ou reprova os demais homens, nesses instantes Ele quereria uma coisa antes de outra ou, por ciência livre, preveria uma coisa antes de outra; sem dúvida, esses instantes obscurecem tanto essa questão que se torna difícil — para não dizer impossível — de entender.
Além disso, também não pareceria admissível a ciência pela qual Deus teria previsto ─considerando o ser futuro em termos absolutos e sem a mediação de nenhuma hipótese─ a queda do gênero humano antes que Ele mesmo se ocupasse da encarnação de Cristo e da predestinação em Cristo e por Cristo de Adão e seus descendentes, como Santo Agostinho e muitos outros parecem ensinar. Pois basta o conhecimento através do qual, por ciência natural e ciência média ─que se encontra entre a ciência livre e a ciência puramente natural─, Deus prevê como futuras esta queda e todas as coisas contingentes, dada a hipótese de Sua decisão de criar esta mesma ordem de coisas. Não creio que Santo Agostinho quisesse dizer outra coisa.
No entanto, uma vez que o fato de que Deus nunca teria permitido a queda do gênero humano, se ao mesmo tempo não tivesse decidido ajudá-lo por meio de Cristo, não é menos plausível do que o fato de que Ele não teria desejado de forma alguma a encarnação, se esta não tivesse implicado a reparação do gênero humano, portanto, da mesma forma que, segundo a opinião de Santo Agostinho — e de outros que sustentam que, se Adão não tivesse pecado, a encarnação não teria ocorrido —, Deus não teve presciência da encarnação futura de maneira absoluta e sem hipótese antes do conhecimento da queda do gênero humano, também não teve presciência da queda futura de maneira absoluta e sem hipótese antes do conhecimento da encarnação futura, porque assim como Deus não quis permitir, nem que ocorresse, nenhuma das duas coisas sem a outra, também não teve conhecimento por ciência livre — e, portanto, considerando seu ser futuro em termos absolutos e sem mediação de nenhuma hipótese — de uma delas antes da outra; no entanto, se considerarmos seu ser futuro segundo a hipótese de que Deus teria querido criar toda a ordem de coisas que de fato decidiu criar, o conhecimento das duas coisas teria ocorrido simultaneamente — por ciência natural e ciência média, que se encontra entre a livre e a puramente natural — antes de qualquer ato da vontade divina.
16. Portanto, ao fundamento no qual Escoto e outros se apoiam para estabelecer seus instantes, devemos responder o seguinte: Se pretendem sustentar que aquele que, seguindo uma ordem ─ou seja, pela qual uma coisa é posterior a outra─, quer um fim e alguns meios, deve querer o fim antes dos meios, estão certos; no entanto, isso não se pode aplicar a Deus ─especialmente nesta questão sobre a qual versa nossa disputa─, porque Ele quer o fim e os meios simultaneamente. Mas se querer seguindo uma ordem significa querer seguindo a ordem correta e conveniente, devemos responder que não parece incorreto e inconveniente que Deus, que abrange tudo com um único ato de seu entendimento e que quer todos os meios e os fins com um único ato de sua vontade, queira um meio e um fim simultaneamente e, por isso, não conheça de antemão por ciência livre um deles antes do outro.
Também devemos dizer que aquele que deseja um fim, mas não para si mesmo, e sim para outro, como recompensa e sob a condição de que este queira alcançá-lo por seus próprios méritos —embora apoiado na graça—, não deseja com vontade absoluta a recompensa para ele antes de prever que esses méritos vão ocorrer, e tampouco deseja a recompensa para ele antes de querer com vontade absoluta para ele os meios pelos quais chegará ao fim; além disso, a beatitude não é um fim de Deus, mas sim um fim e uma recompensa das criaturas racionais que estas devem obter por seus próprios méritos, seguindo a ordenação divina, como podemos ler em Mateus 19:17: «Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos», sem mencionar muitos outros testemunhos das Sagradas Escrituras. Por essa razão, Deus não deseja com vontade absoluta para nós o fim antes dos meios, e tampouco prevê que alcançaremos o fim antes de prever que alcançaremos os meios. Um exemplo adequado disso que dizemos pode ser encontrado no proprietário que contrata um trabalhador. Pois o denário diário não é um fim do proprietário, mas sim o fim e a recompensa do trabalho do trabalhador contratado; mas, como o proprietário só deseja para o trabalhador o fim e a recompensa de maneira dependente do trabalho que este realizar, ele não deseja com vontade absoluta a recompensa para ele —nem vê de maneira absoluta que ele a alcançará— antes de ver que ele trabalhará.
17. Mas, como Escoto recorre ao mesmo fundamento para demonstrar que a encarnação teria ocorrido, mesmo que Adão não tivesse pecado, porque Cristo e sua predestinação são o fim da predestinação e dos bens, não apenas dos outros homens, mas também de todo o universo — ora, a vontade e o conhecimento prévio do fim, de acordo com seu ser em sentido absoluto, antecedem em Deus a vontade e o conhecimento prévio daquilo que conduz ao fim e, consequentemente, mesmo que não houvesse havido pecado, teria ocorrido a encarnação e predestinação de Cristo, que de modo algum dependiam daquilo que acontecesse aos homens, que foram ordenados para Ele como fim —, posto que, como estamos dizendo, Escoto recorre ao mesmo fundamento para demonstrar isso que acabamos de dizer, devemos responder o seguinte: Quando Deus quer algum fim principal de tal maneira que, por sua vez, ordena este fim em interesse dos meios e não o quer senão com dependência do benefício dos meios, certamente, nem quer o fim antes dos meios ou que este benefício dos meios proveniente de tal fim principal, nem presabe em termos absolutos este fim principal futuro antes de prever de maneira absoluta os meios futuros ou o benefício dos meios procedente de tal fim; além disso, é verossímil pensar que Deus nunca teria querido encarnar-se, se não tivesse querido simultaneamente proceder à reparação do gênero humano e à predestinação dos homens pela encarnação, ainda que a encarnação e a predestinação de Cristo tivessem sido um fim — ao qual Deus teria ordenado tudo o mais — melhor que o próprio gênero humano e a predestinação dos outros, para cujo fim, por sua vez, como parte de seu fim íntegro, teria sido ordenada a encarnação.
18. De acordo com a primeira parte de nossa conclusão, entendemos que a doutrina de São Tomás, em sua citada resposta ao quarto argumento, onde ele diz que a predestinação pressupõe em Deus a presciência de absolutamente todos os futuros contingentes — incluindo aqueles que se originam a partir da ordem de predestinação e da graça e da ordem da união hipostática —, mas não a presciência de que irão acontecer em termos absolutos, e sim hipotéticos — como já explicamos —, sendo essa presciência a única que serve ao ensino de São Tomás. Pois, para ordenar com o ato livre da predestinação as orações de um homem justo como meio para a salvação de outro — como Santo Agostinho e outros afirmam a propósito das orações de Santo Estêvão, protomártir, em favor de São Paulo —, a Deus bastou, durante a predestinação de Santo Estêvão e São Paulo, conhecer de antemão por ciência média — que está entre a ciência livre e a puramente natural —, desde que Ele mesmo quisesse colocá-los na ordem de coisas e de circunstâncias em que os colocou, as orações futuras de Santo Estêvão — entre os golpes e os ruídos das pedras — em favor de seus perseguidores, que Ele teria ordenado como meio para a predestinação e a salvação de São Paulo, que era seu principal perseguidor, e pelas quais teria decidido chamá-lo e ajudá-lo com tanta magnificência. Da mesma forma, para ordenar a encarnação dirigida a reparar o gênero humano, bastou-Lhe prever por meio dessa mesma ciência a queda do gênero humano dada a hipótese de querer criar essa ordem de coisas. Finalmente, para estabelecer tudo o mais relativo aos três ordens — a saber, da natureza, da graça e da união hipostática — e para ordenar reciprocamente os efeitos de uma ordem com vistas aos efeitos de outra ordem, bastou-Lhe essa mesma presciência, como já explicamos. De fato, São Tomás afirma que o exemplo das orações feitas por um para a predestinação de outro deve ser entendido como referente também à presciência dos futuros contingentes que acontecem na ordem da graça, porque Deus ordena essas orações de um único homem para a predestinação de outro, e essas orações procedem da graça pela qual se tornam agradáveis a Deus.
19. A segunda parte da conclusão — ou seja, que o entendimento divino não tem uma presciência dos pecados que faça Deus conhecê-los de antemão como futuros absolutos e sem a mediação de qualquer hipótese, antes da predestinação e do decreto divino sobre a ordem da graça e a ordem da união hipostática — pode ser demonstrada de forma muito clara.
Em primeiro lugar: A ordem da graça e da predestinação divina impede a prática de muitos pecados; pois quanto maior é o número dos auxílios da graça, menor é o número dos pecados cometidos. Portanto, que alguns ou outros pecados sejam futuros em sentido absoluto e que Deus os preveja, depende do decreto da vontade divina sobre a ordem da graça e da predestinação divina. Portanto, antes de estabelecer essa ordem, Deus não conhece de antemão quais pecados são futuros em sentido absoluto, mas apenas quais pecados seriam cometidos dada a hipótese de que Ele quisesse estabelecer uma ou outra ordem de graça.
20. Em segundo lugar: A previsão do pecado original, para cujo remédio o Verbo assumiu a natureza humana, pressupõe a previsão da justiça original e da graça concedida a Adão e a seus descendentes; de fato, na ausência deste dom não haveria pecado original ─que só nos prejudica em nossos dons gratuitos─ e, em nossa concepção, o primeiro pecado de Adão não nos seria transmitido em maior medida do que os demais pecados dele e dos outros pais. Portanto, como a justiça original e a graça não pertencem à ordem da natureza, mas à ordem da graça, por isso, a previsão divina de todos os pecados não precede à ordem da graça e à previsão dos futuros contingentes pertencentes a esta ordem.
21. Em terceiro lugar: Se não tivesse ocorrido o pecado original de Adão, que foi cometido após ele ter recebido todos os dons da graça no estado de inocência, não teriam se seguido tantos pecados como aqueles que —já perdida a justiça original— foram cometidos e, consequentemente, Deus não os teria previsto. Mas Deus não previu o primeiro pecado de Adão antes de prever a justiça original e os demais dons; e sem que estes pudessem impedi-lo, Adão pecou e foi ingrato a Deus. Portanto, Deus também não previu os demais pecados de Adão e seus descendentes antes de prever a ordem da graça desses dons. Portanto, a previsão divina de todos os pecados, de acordo com seu ser futuro em termos absolutos, não precedeu a constituição livre da ordem da graça, nem a previsão dos futuros contingentes pertencentes a esta ordem.
22. Em quarto lugar: Como os pecados não podem ser cometidos a menos que Deus os permita, Deus não previu como futuros absolutos os pecados de Adão e seus descendentes antes de decidir permiti-los. Mas só decidiu permiti-los estabelecendo desde a eternidade não conferir auxílios de graça maiores do que os que de fato confere; de fato, não há nenhum pecado que, multiplicados os auxílios da graça, não possa ser impedido. Portanto, Deus não prevê desde a eternidade quais pecados são futuros absolutos antes de decidir também desde a mesma eternidade a ordem da graça.
23. Em quinto lugar: Como já dissemos, é plausível pensar que a bondade divina não teria permitido a queda de todo o gênero humano, se ao mesmo tempo não tivesse querido aplicar de forma felicíssima o remédio por meio de Cristo. Portanto, não decidiu permitir os pecados do gênero humano e, consequentemente, também não os previu como futuros absolutos antes de estabelecer a ordem da união hipostática e de prever a futura encarnação.
24. Em sexto lugar: No caso de que, entre as coisas que se relacionam de tal modo que uma é produzida por causa de outra como fim da primeira, Deus queira ou conheça de antemão alguma delas como futura em termos absolutos, tal coisa será um fim antes de algo ordenado para um fim. Mas a glória é o fim da graça; e a glória e a graça são o fim da natureza e não o contrário; pois Deus criou o homem para a graça e a glória e as demais coisas corpóreas para o homem. Portanto, no caso de que, entre os futuros contingentes que pertencem à ordem da natureza e à ordem da graça, Deus tenha querido ou conhecido de antemão alguns como futuros absolutos, sem dúvida, esses futuros serão futuros contingentes pertencentes à ordem da graça e da predestinação antes que à ordem da natureza. Este argumento tem força por si mesmo e se dirige principalmente contra Caetano, Escoto e outros que recorrem a essa maneira de argumentar em relação à questão sobre a qual estamos discutindo.
25. Da mesma forma, o que Cayetano afirma parece perigoso em matéria de fé, a saber: No entendimento divino, a ordem da natureza e a ordem da graça antecedem a ordem da união hipostática e, portanto, ao decreto da vontade divina de estabelecer a encarnação e, além disso, no entendimento divino, o conhecimento dos futuros contingentes pertencentes à ordem da natureza e à ordem da graça precede o conhecimento da encarnação futura. De fato, como a decisão de Deus de que Cristo, como homem, recebesse seu ser através da encarnação foi anterior — ou certamente não foi posterior — à predestinação de Cristo a uma glória tão grande, por isso, se no entendimento divino a ordem da graça e da predestinação de outros homens tivesse antecedido a ordem da encarnação, Cristo não teria sido o primeiro dos predestinados, mas todos os outros teriam sido predestinados antes d'Ele e, consequentemente, não teriam sido predestinados n'Ele e por Ele, ou seja, por Seus méritos; é evidente que isso contradiz as Sagradas Escrituras. Pois em Efésios 1:1-4, São Paulo diz: '... pois n'Ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante d'Ele em amor, e nos predestinou para a adoção de filhos por meio de Jesus Cristo'; além disso, não apenas nos predestinou em Cristo e por Cristo — ou seja, por Seus méritos —, mas também à Sua imagem e semelhança, como cabeça e exemplo dos predestinados, como lemos em Romanos 8:29: 'Porque aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos'. Isso também pode ser demonstrado, porque todos fomos predestinados desde a eternidade para o louvor e honra de Cristo — que é nossa cabeça — e pela mediação de Sua graça e Seus méritos. Pois, como corretamente ensina Santo Tomás em seu argumento 'Sed contra' do artigo 5, desde a eternidade Deus nos predestinou para que alcancemos a bem-aventurança pelos mesmos meios pelos quais chegamos a ela, sem que nosso caminho para a bem-aventurança seja outra coisa senão um efeito e execução da predestinação eterna. Mas, após o pecado de Adão, ninguém alcança a bem-aventurança — e nem mesmo a graça —, se não for pelos méritos de Cristo, para que assim isso redunde em glória e louvor a Ele, como lemos em Hebreus 2:10: 'Pois convinha que Aquele, por quem e para quem são todas as coisas, que se propunha conduzir muitos filhos à glória, aperfeiçoasse o autor da salvação deles por meio do sofrimento'. Portanto, como só pudemos ser predestinados desde a eternidade para o louvor e glória de Cristo e por Seus méritos, na medida em que previamente ou ao mesmo tempo se decidiu a encarnação, por isso, a ordem da graça e da predestinação e o conhecimento dos futuros contingentes desta ordem não puderam preceder no entendimento divino a ordem e o decreto da união hipostática, nem o conhecimento da vinda de Cristo.
26. Por tudo isso, é evidente que devemos pensar que, antes de qualquer ato livre de sua vontade, Deus Ótimo Máximo, com a deliberação pleníssima da qual falamos, prevê a queda futura de alguns anjos e de todo o gênero humano, dada a hipótese de que, na ausência de Cristo, Ele queira colocar os anjos e os homens na ordem de auxílios e de coisas em que os criou, para que alcancem a bem-aventurança em virtude de sua liberdade; da mesma forma, devemos pensar que Ele prevê que, graças à sua misericórdia e bondade infinitas, possa entregar Cristo, para conferir-lhe como homem a graça da união e bens muito maiores do que todas as demais coisas tomadas em conjunto, para fazê-lo cabeça dos homens e dos anjos e senhor de todas as coisas, para enobrecer n'Ele todo o universo, para redimir por meio d'Ele o gênero humano e para que d'Ele se derivem todos os dons pelos quais o gênero humano alcançará a salvação. Então, com um único ato simplicíssimo de sua vontade, Deus teria escolhido simultaneamente toda essa ordem — que abrange as ordens especiais da natureza, da graça e da união hipostática e que se estenderá desde a constituição do mundo até o seu fim — de tal maneira que nela, com sabedoria admirável, teria entrelaçado de forma surpreendente as ordens da natureza, da graça e da união hipostática e teria ordenado alguns de seus efeitos entre si com reciprocidade. No entanto, devemos pensar que, devido à deliberação pleníssima e ao conhecimento em virtude dos quais previu todos os futuros de maneira hipotética, Deus escolheu simultaneamente toda essa ordem e entrelaçou suas partes de tal forma que, pela previsão da queda do gênero humano como condição necessária para que isso acontecesse, decidiu estabelecer — no que diz respeito aos homens — uma ordem distinta da graça através da união hipostática e de Cristo, em vez da ordem da graça que teria estabelecido, se Adão não tivesse pecado, assim como vinculá-la às demais ordens.
27. Por tudo isso, em primeiro lugar, devemos pensar que, não de maneira fingida, mas de coração — e aqui encontramos sua verdade e sua bondade —, com o mesmo ato pelo qual Deus escolhe toda a ordem que desde o início do mundo se estenderá até o seu fim, também decide criar os anjos e os homens no estado de inocência — sem pensar por enquanto em Cristo —, com o objetivo de que, em virtude de seu próprio arbítrio, ao qual a graça presente nesse estado oferece uma grande ajuda, alcancem a beatitude; além disso, quer de todo coração concedê-la a todos indistintamente, caso alcançá-la não esteja no poder deles. Embora a escolha dessa ordem, com respeito ao destino dos anjos e dos homens no estado de inocência e com respeito à ordem da graça nesse estado, seja uma predestinação dos anjos que, nessa ordem, segundo Deus prevê, alcançarão em virtude de seu arbítrio a vida eterna com esses auxílios, no entanto, com respeito aos homens e àqueles anjos que, nesse estado, segundo prevê, não alcançarão a vida eterna também em virtude de seu próprio arbítrio e por sua própria culpa, Deus teria apenas uma providência para a beatitude junto com uma vontade de permitir os pecados pelos quais, segundo prevê, não a alcançarão; no entanto, em razão dos pecados que os anjos cometerão — tal como prevê — e de sua decisão divina de não reparar sua queda, Deus também terá mais tarde a vontade de excluí-los do reino dos céus e castigá-los com tormentos eternos, cumprindo-se assim o plano de sua reprovação através dessa vontade.
28. Em segundo lugar, também devemos pensar que, com o mesmo ato pelo qual Deus escolhe toda a ordem que desde o início do mundo se estenderá até o seu fim ─em relação à Sua vontade de entregar Cristo redentor e de estabelecer a ordem da graça que recebemos por Cristo em lugar daquela que Adão perdeu─, Ele também deseja de todo o coração conduzir indistintamente todos os homens, já caídos na pessoa de Adão, para a vida eterna, sendo-Lhe agradável, por um lado, que cada um deles se dedique diligentemente à sua salvação e alcance a vida eterna e, por outro lado, que os outros o ajudem diligentemente a alcançar este fim, como lemos em I Tessalonicenses, IV, 2: «Porque esta é a vontade de Deus: a vossa santificação»; e em I Timóteo, II, 3-4, onde, após ter ordenado que se façam orações por todos os homens, São Paulo acrescenta: «Isto é bom e agradável a Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens se salvem»; sem mencionar muitos outros trechos das Sagradas Escrituras. No entanto, Deus deseja que todos os homens já caídos alcancem a salvação de tal modo que ─pelas razões que apresentamos em nossos comentários à questão 22, artigo 1, e em outros lugares, e como castigo do pecado─ Ele deseja que isso aconteça não apenas de maneira dependente do arbítrio de qualquer adulto, mas também com muito mais dificuldade e perigo; no que diz respeito àqueles que não atingem o uso da razão, Ele deseja a sua salvação de maneira dependente de causas naturais, do curso do universo e do arbítrio de outros que lhes apliquem o remédio contra o pecado original; finalmente, no que diz respeito a uns e outros, Ele deseja a sua salvação em grande parte de maneira dependente do esforço da Igreja, dos pais e do curso do universo em relação às demais causas livres, em cujo poder está ensinar e informar aos outros as coisas necessárias para alcançar a salvação, bem como impulsioná-los para este fim com a palavra e o exemplo, da mesma forma que comportar-se com negligência ou também pervertê-los e oferecer-lhes ocasião de cair.
29. Em terceiro lugar, a escolha desta ordem — em relação à vontade de entregar Cristo e de estabelecer a ordem da graça concedida aos homens no estado de natureza caída — é, simultaneamente, por um lado, uma escolha e predestinação de Cristo como homem — para que, pela união hipostática, ao mesmo tempo seja Filho de Deus, o primeiro entre os predestinados à glória, cabeça dos homens e dos anjos, assim como Senhor de todas as coisas, em cuja honra e glória tudo redundaria — e, por outro lado, é uma escolha em Cristo e por Cristo de todos os mortais que, em virtude de seus méritos e de sua graça, alcançarão a vida eterna. De fato, a vontade de entregar aos homens caídos a Cristo e, por meio de Cristo, toda a ordem da graça — que, após a queda dos primeiros pais e desde o início até o fim do mundo, se estende de várias maneiras nos diferentes estados da Igreja militante e que teria um efeito muito maior, se não dependesse dos homens — é uma providência divina dirigida à beatitude de todos os mortais, através da qual, por Cristo e em Cristo, Deus provê em relação à beatitude de todos; no entanto, esta vontade é uma predestinação em Cristo e por Cristo com respeito àqueles que, segundo Deus prevê, alcançarão a vida eterna por este caminho em virtude da liberdade de seu arbítrio ou por receberem o remédio contra o pecado original, caso não cheguem ao uso da razão. Por isso, ao mesmo tempo, com este ato, Deus ordena para Cristo como fim todas as demais coisas pertencentes à ordem da natureza e à ordem da graça e, embora deseje a própria encarnação e a Cristo porque em si mesmos são um bem maior que todas as demais coisas criadas, no entanto, por sua vez, também quer que sirvam de reparação do gênero humano como parte de um fim íntegro sem o qual, segundo a opinião mais verossímil, não teria lugar a encarnação de Cristo. No entanto, Deus dirige todas as coisas — incluindo a ordem dos anjos e a dos homens no estado de inocência — para si mesmo como fim e como demonstração e realce admiráveis de todos os seus atributos, como já dissemos em numerosas ocasiões.
30. Por tudo isso, qualquer pessoa poderá entender facilmente que não houve nenhuma eleição, nem predestinação dos homens para a vida eterna, exceto em Cristo e por Cristo, ou seja, em virtude de seus méritos e de sua graça, como em parte já mencionamos em nossos comentários ao artigo 1 (disputa 2) e ao artigo 3.
31. Finalmente, devemos destacar que, assim como —como já dissemos— a escolha da ordem dos anjos e dos homens no estado de inocência é uma providência que, direcionada para a vida eterna, Deus tem com os homens e com aqueles anjos que, segundo prevê, não alcançarão a vida eterna por seu próprio arbítrio e por sua própria culpa, e que implica a vontade de permitir sua queda no pecado e, posteriormente, a vontade de excluir os demônios do reino dos céus e submetê-los a tormentos eternos, completando assim o plano de sua reprovação eterna, da mesma forma, a escolha de Cristo e da ordem da graça conferida por Cristo aos homens no estado de natureza caída é uma providência divina que, direcionada para a vida eterna, Deus tem com aqueles homens que, segundo prevê, não alcançarão a vida eterna com esses auxílios e que implica, por um lado, a vontade de permitir sua queda em pecado mortal —que, como prevê, ocorrerá em virtude da liberdade e culpa próprias ou em virtude da liberdade e culpa do primeiro pai— e sua perseverança nele até o fim de seus dias e, por outro lado, devido à previsão desse pecado, a vontade de excluí-los da bem-aventurança, completando assim o plano de sua reprovação eterna.
Apêndice do membro VIII
32. Não faltaram aqueles que pensam que, na seção anterior, apresento o seguinte argumento: Deus quis desde a eternidade, com um único ato simples de sua vontade, tudo o que quis; portanto, parece que os instantes de Escoto e de outros devem ser totalmente eliminados, etc.; como se eu sustentasse a seguinte opinião: Na vontade divina, devido à sua simplicidade, não se pode distinguir nenhuma prioridade, nem posterioridade, segundo nosso modo de entender, baseado na realidade das coisas.
33. Então argumentam que eu me contradigo, porque em outro lugar eu ensino que primeiro Deus quis com vontade antecedente ou condicionada que todos os homens alcançassem a salvação e, depois, quis com vontade absoluta a beatitude para alguns e a condenação para outros.
34. Da mesma forma, segundo eles, eu me contradigo, porque no parágrafo anterior eu afirmo que Cristo é o primeiro entre os predestinados e que o contrário se opõe às Sagradas Escrituras, apesar de que isso só pode ser verdadeiro se na vontade divina pudermos distinguir uma prioridade pela qual Cristo teria sido predestinado antes dos outros.
35. Mas se, conforme dizem, é necessário admitir que na vontade divina há uma prioridade e posterioridade segundo o nosso modo de entender, porque embora este ato seja simplesíssimo, contudo, conteria virtualmente muitos outros, então não haverá nenhuma razão pela qual nela não possam ser distinguidos alguns instantes, que, embora não sejam como os que Escoto distingue, certamente seriam como os que outros distinguem.
36. Se submetermos a um exame correto o que dissemos na seção anterior, assim como tudo o que remetemos a este lugar, é fácil entender, considerando três situações relacionadas à questão sobre a qual disputamos, que neste lugar nós rejeitamos os instantes ─ou prioridades, de acordo com nosso modo de entender─ nos quais Deus quereria ou conheceria uma coisa como futura em sentido absoluto antes de outra.
37. A primeira situação ocorre quando algumas ordens estão relacionadas de tal forma que certas coisas que em uma ordem acontecerão de maneira determinada, por sua vez, dependem daquelas coisas que acontecerão em outra ou em outras ordens. De fato, na medida em que as coisas futuras que ocorrerão em uma ordem dependem, por sua vez, das coisas futuras que ocorrerão em outra ordem, não se devem admitir os instantes em que Deus quereria ou conheceria como futuras em sentido absoluto aquelas coisas que acontecerão em uma ordem, antes de querer ou conhecer as que acontecerão em outras. Por essa razão, na seção anterior rejeitamos a prioridade que Cayetano tenta introduzir, pela qual, em geral, Deus conheceria os futuros absolutos que acontecerão na ordem da natureza antes de conhecer os que acontecerão na ordem da graça e também os que acontecerão na ordem da graça antes de conhecer os que acontecerão na ordem da união hipostática.
38. A segunda situação ocorre quando se desejam alguns fins e um depende do outro ou não ocorre sem ele. Por essa razão, assim como é preciso acreditar que Deus não teria permitido a queda de todo o gênero humano pelo pecado de Adão, se não tivesse a intenção mais feliz de repará-lo por meio de Cristo, da mesma forma, segundo a opinião mais comum dos Padres, a encarnação não teria ocorrido, se ao mesmo tempo Deus não tivesse desejado que ela servisse de reparação do gênero humano como um fim parcial e dependente do principal. Portanto, daí se segue que não se pode admitir um instante em que a encarnação teria sido desejada ou conhecida como futura em sentido absoluto, antes que a reparação do gênero humano por meio de Cristo tivesse sido desejada e conhecida como futura em sentido absoluto — como Escoto sustentava —, mas as duas coisas teriam sido desejadas ao mesmo tempo, a saber, a reparação para louvor e honra de Cristo e o próprio Cristo, e a encarnação para a reparação do gênero humano como parte do fim completo para o qual teria sido desejada e sem o qual não teria sido; por isso, as duas coisas teriam sido conhecidas como futuras em sentido absoluto.
39. A terceira situação ocorre quando um fim não é desejado e, consequentemente, não é conhecido como futuro em sentido absoluto, exceto com dependência dos meios. Por essa razão, como Deus não deseja para os homens a beatitude, exceto como uma recompensa que, no caso de serem adultos, alcançarão por seus próprios méritos, apoiados na graça de Deus e nos méritos de Cristo após o pecado de Adão, por isso, Deus não deseja com vontade absoluta a recompensa para eles ─nem os escolhe para que a alcancem─ antes de ver e desejar para eles os meios adequados para alcançá-la e, por isso, antes de predestiná-los com esses meios. Assim também, o proprietário não deseja com vontade absoluta para o trabalhador o denário diurno que lhe propõe como recompensa e fim de seu trabalho, antes de prever seu trabalho e seus méritos, porque deseja essa recompensa para ele com dependência destes.
40. Certamente, esta nossa doutrina admite totalmente a vontade antecedente de Deus, pela qual Ele deseja a felicidade eterna para todos aqueles que decide criar e cria, de todo o coração e não de maneira fingida, para que alcancem esse fim. De fato, como Ele cria ou decide criar a todos para que alcancem a felicidade, mas considerada como um fim e uma recompensa que devem alcançar seja por sua própria liberdade e méritos — apoiados na graça de Deus — seja pelos méritos de Cristo, após lhes serem aplicados alguns meios, sem dúvida, por essa mesma razão, Ele deseja a felicidade para todos, mas com uma vontade dependente da condição de que alcançá-la não esteja em seu poder ou no do primeiro pai, ou de que, após o pecado de Adão, alcançá-la não dependa do curso das coisas ou de que outros apliquem os meios. Por essa razão, já que quem deseja um fim para alguém como recompensa e condicionado pelos meios, não deseja esse fim para essa pessoa de maneira absoluta antes de ver e desejar com vontade absoluta para essa pessoa os meios — na medida em que dependem dela —, daí se segue que, em virtude da vontade antecedente e condicionada pela qual Deus deseja a felicidade para todos, entende-se que para ninguém Ele a deseja de maneira absoluta e, consequentemente, não escolhe ninguém de maneira absoluta para que a alcance, exceto através da vontade absoluta dos meios e através da previsão de que se cumpra a condição sem a qual Ele não deseja a felicidade para ninguém. Isso apenas significa que Ele não escolhe ninguém exceto em Cristo e através dos meios que deseja que recebam graças a Cristo, de tal maneira que, através deles — com a cooperação de seu livre-arbítrio, se for um adulto —, alcancem a felicidade. Além disso, escolher desse modo é exatamente o mesmo que predestinar em Cristo e por Cristo; daí se segue claramente que não se deve admitir uma escolha para a felicidade que anteceda a predestinação. Já que — embora não haja uma causa para a predestinação — a causa da reprovação e da rejeição para a felicidade são os pecados futuros previstos, ainda menos admissível será que uma vontade absoluta de rejeitar alguns para a felicidade anteceda a vontade de permitir os pecados e de endurecer neles — após prever o futuro — o réprobo por sua própria vontade até o final de seus dias; sobre isso já falamos em nossos comentários ao artigo 3 e ainda diremos algo mais na última disputa.
41. Eis que explicamos os instantes que, na seção anterior, rejeitamos ─em oposição ao que sustentam Escoto, Cayetano, Durando em seus comentários ao artigo 3 citado, e alguns outros─ em razão do argumento que nosso censor oferece de maneira truncada. Isso pode ser facilmente entendido: em primeiro lugar, pelo próprio desenvolvimento de nossa doutrina e pelo propósito que nos guia; em segundo lugar, porque no início do parágrafo que contém dito argumento indicamos com toda clareza que não falamos em termos genéricos, mas que o que dizemos se reduz ao propósito que nos guia, quando afirmamos o seguinte: «Por tudo isso, no que concerne ao nosso propósito, devemos considerar &c.», que é como se disséssemos que, por ora, não nos preocupamos com outras coisas, nem estendemos nosso discurso para elas; e, em terceiro lugar, pelo próprio argumento. De fato, seu antecedente íntegro, do qual deduzimos a conclusão, não se reduz às seguintes palavras: «finalmente, desde a eternidade teria querido tudo aquilo que quis com um único ato simplicíssimo de sua vontade e com uma deliberação ou conhecimento prévios e pleníssimos sobre todas as coisas &c.»─como se da simplicidade do ato da vontade divina pretendêssemos inferir em termos genéricos que, nem na própria volição, nem no objeto da volição, Deus quer algo com anterioridade a outra coisa, segundo nosso modo de entender, baseado na realidade das coisas─, mas que essas palavras são apenas uma parte do antecedente e não a principal, porque só servem de apoio ao antecedente íntegro. De fato, uma vez apresentado no início do parágrafo o conhecimento ou deliberação pleníssima que o entendimento divino possui com anterioridade ao ato de sua vontade ─servindo isso para introduzir nossa doutrina─, começamos a desenvolver nosso argumento com as seguintes palavras: «Mas posto que, &c.», como é evidente a todas as luzes até mesmo pela própria maneira de pontuar. O argumento completo é o seguinte: «Mas posto que, em primeiro lugar, teria conhecido com toda certeza as relações dos fins e de todas as coisas entre si e teria tido liberdade para não querer permitir a queda do gênero humano, se não tivesse querido ajudá-lo felicíssimamente por mediação de Cristo, do mesmo modo que a teria tido para não querer a encarnação, se não tivesse tido em suas mãos, como parte de seu fim íntegro, a reparação do gênero humano; posto que, em segundo lugar, não só com anterioridade à queda do gênero humano, mas também com posterioridade a esta, não teria querido a beatitude sempiterna para nenhum adulto, senão de maneira dependente do uso próprio do livre arbítrio de cada um deles; mais ainda, tampouco a teria querido para nenhuma criança, senão de maneira dependente do remédio contra o pecado original aplicado através do uso do livre arbítrio de outros, como é coisa sabida em matéria de fé; e posto que, finalmente, desde a eternidade teria querido tudo aquilo que quis com um único ato simplicíssimo de sua vontade e com uma deliberação ou conhecimento prévios e pleníssimos sobre todas as coisas; por tudo isso, parece que devem ser rejeitados totalmente os instantes de que falam Escoto e outros; pois quando Deus decide a encarnação e predestina a Cristo com os demais beatos ou reprova os demais homens, nesses instantes quereria uma coisa antes que outra ou, por ciência livre, preveria uma coisa antes que outra &c.». Isso não significa negar toda prioridade ─segundo nosso modo de entender─ na vontade divina, porque isso seria como contradizer-nos, já que, por um lado, em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (disputa 51, §15) dizemos que o ato da vontade divina, em um primeiro momento, é livre e completamente indeterminado por natureza e, posteriormente, no mesmo agora da eternidade deve se determinar completamente ─como já dissemos em nossos comentários ao artigo 13, disputa 24, a propósito de nossa vontade em um mesmo momento do tempo─ e, por outro lado, nas passagens que nos são censuradas e em outras pertencentes a nossos comentários à primeira parte da Summa Theologica, também estabelecemos uma prioridade e posterioridade no ato da vontade divina com respeito a distintos objetos.
42. Por isso, é evidente que a primeira objeção que nos é feita é totalmente irrelevante.
43. Quanto ao segundo ponto, sobre a predestinação de Cristo, sem dúvida, deixamos bem claro que, se compararmos a predestinação de Cristo com a de cada um dos homens em particular, a predestinação de Cristo resulta anterior —segundo nosso modo de entender— à predestinação de cada um dos homens que foram predestinados em Cristo, como causa exemplar da predestinação dos demais homens e como fim, princípio e fonte da qual derivam os meios da predestinação dos outros, como acrescentamos nesse mesmo trecho.
44. De fato, embora a predestinação de Cristo não anteceda a vontade absoluta de redimir o gênero humano por meio de Cristo e, consequentemente, a vontade de predestinar de maneira genérica alguns homens em Cristo, no entanto, antecede a predestinação de cada um dos redimidos. Assim como a vontade da encarnação e de Cristo implica a redenção do gênero humano como condição sem a qual a encarnação e Cristo não seriam objeto de vontade, no entanto, não acontece que a predestinação de Cristo implique a predestinação de um ou outro homem em particular como condição sem a qual a predestinação de Cristo não seria objeto de vontade.
45. Ao último que nos é objetado já respondemos, a ponto de que na seção anterior já rejeitamos os instantes ou uma prioridade e posterioridade na vontade divina.