Concordia do Livre Arbítrio - Parte VI 5
Parte VI - Sobre a providência de Deus
Artigo IV: A providência divina impõe uma necessidade às coisas providas?
1. Conclusão: A providência divina impõe uma necessidade a algumas coisas, mas não a outras.
Demonstração: Por meio de sua preordenação eterna das coisas para seus fins ─que pode ser considerada providência─ e da própria constituição do universo ─que é uma parte da execução daquela─, Deus dispôs causas necessárias para algumas coisas, como os eclipses, o nascer, a altura angular e o ocaso dos astros, que, dada a constituição do universo, necessariamente seguem-se de suas causas; mas para muitas outras coisas Ele dispôs causas contingentes ou livres, especialmente para aquelas que dependem do arbítrio criado. Portanto, a providência divina impõe uma necessidade a algumas coisas ou efeitos, mas não a outras.
A segunda parte da conclusão é dogma de fé, como é evidente pelo que dissemos em nossos comentários à questão 14, artigo 13; aqui explicamos que é dogma de fé que possuímos liberdade de arbítrio e que em todos os efeitos que dependem do arbítrio criado pode-se observar uma contingência, dada também esta constituição do universo e esta ordem de causas que realmente observamos.
2. Em seus comentários sobre esta passagem, Cayetano se atormenta excessivamente e sofre o indizível para conciliar a liberdade de nosso arbítrio com a providência divina. Para explicar o cerne dessa dificuldade, ele considera três coisas nos efeitos das causas segundas. A primeira é a contingência, que, como ensina Santo Tomás neste lugar, não caracteriza todos os efeitos, mas apenas alguns e, além disso, em relação às suas causas, se consideradas em termos de sua própria natureza. Pois denominamos 'contingentes' os efeitos que possuem causas pelas quais, consideradas em si mesmas, podem ou não se produzir. A segunda é a necessidade, que, como também ensina Santo Tomás, não caracteriza todos os efeitos, mas apenas alguns e, além disso, também em relação às suas causas. Pois denominamos 'necessários' os efeitos que possuem causas às quais, por sua própria natureza, não se pode impedir a produção desses efeitos. A terceira é a inevitabilidade, de tal forma que cada um desses efeitos se produz como Deus providenciou que se produzisse. Se, como diz Cayetano, a seguinte consequência é correta: Deus providenciou isso, para que se produza de maneira contingente ou necessária; portanto, isso se produzirá inevitavelmente desse modo, como os Doutores costumam admitir comumente; então essa condição é comum a todos os efeitos em relação à providência divina, uma vez que Deus provê desde a eternidade que se produzam desse modo, os necessários por causas necessárias e os contingentes por causas contingentes.
3. Mas se, como diz Cayetano, admitimos a inevitabilidade de que todos os efeitos, em relação à providência divina, ocorram da maneira como realmente ocorrem, embora permaneçam preservados a contingência de alguns efeitos e a necessidade de outros —que são próprios das coisas pela própria natureza delas— em relação às suas causas, consideradas em si mesmas, e embora também, em certo sentido, permaneça preservada a liberdade de arbítrio em relação às suas ações, na medida em que a vontade —considerada em si mesma, sem levar em conta a providência divina— indiferentemente quer ou não quer ou até rejeita aquilo que quer aqui e agora, no entanto, dada a providência divina —que já desde a eternidade se exerce em termos absolutos— e considerado tudo o que já está em ato, desaparece a liberdade de arbítrio em relação a qualquer ação que a vontade exerça em ato, porque esta ação resulta inevitável para a vontade, existindo —como realmente existe— a providência através da qual Deus providenciou que tal coisa acontecesse. Pois, da mesma forma que, segundo diz Cayetano, o ato de jogar as mercadorias ao mar quando a tempestade se intensifica, é querido sem mais e em termos absolutos, porque, considerando as circunstâncias que naquele momento estão em ato, este ato é querido e apenas é rejeitado em termos relativos, porque quem as joga não as jogaria, se o perigo não o exigisse, assim também, considerando a providência que já existe e que preexiste desde a eternidade, nossa vontade não poderá evitar esta ação sem mais e em termos absolutos e, consequentemente, não será livre para não realizar esta ação, mas apenas o será em termos relativos, se a considerarmos em si mesma e na ausência da determinação já existente da vontade e providência divinas. Mas se as ações de nossa vontade resultam todas inevitáveis deste modo, então toda reflexão e esforço por nossa parte são inúteis, assim como também o são as súplicas que fazemos a Deus para que possamos evitar os pecados e outros perigos, porque a providência e vontade divinas são totalmente imutáveis; além disso, dadas estas, todas as coisas acontecerão de maneira inevitável, como se ocorressem por necessidade e não contingentemente. Segundo Cayetano, tampouco resulta satisfatória a seguinte resposta, que é a habitual: Em sentido dividido, em relação à nossa vontade considerada em si mesma, todas as coisas são evitáveis, mas em sentido composto, em relação à providência divina, são inevitáveis. Parece-nos que esta resposta não é satisfatória, porque, como Deus possui providência desde a eternidade, por isso, da mesma forma que, em termos absolutos e sob a consideração de tudo o que já está em ato, aquelas coisas resultam inevitáveis, assim também, em termos absolutos e sob a consideração de tudo o que está em ato, desaparece a liberdade de arbítrio para evitar estas coisas.
4. Cayetano, sentindo o peso dessa dificuldade, começa dizendo: 'Embora os Doutores digam comumente que a inevitabilidade de que algo aconteça decorre de que Deus o tenha provido, querido ou predestinado...'; segundo Cayetano, essas três coisas seriam a mesma na questão que estamos tratando; no entanto, preocupado porque acredita se opor ao parecer comum dos Doutores, Cayetano afirma suspeitar que 'da mesma maneira que o fato de algo ser provido não implica uma contingência, nem uma necessidade, no acontecimento provido, porque, como Deus é causa que supera todas as causas — tanto as contingentes, como as necessárias, e tanto as que o são por si, como as que o são de maneira acidental —, por isso precontém em si de forma eminente as causas necessárias e as contingentes, é a Ele que corresponde produzir como efeitos escolhidos não só as coisas, mas também todos os modos das coisas e dos acontecimentos, assim também, do fato de Deus ter provido um acontecimento decorre algo mais elevado que ser evitável ou inevitável, de tal maneira que não é necessário que da provisão passiva de um acontecimento decorra nenhuma das duas coisas, mas algo mais elevado que estas, porque Deus provê as coisas e os acontecimentos de um modo mais elevado e excelente do que nesta vida nós podemos pensar e entender'. Assim, segundo diz Cayetano, o entendimento descansa, mas não na evidência de uma verdade contemplada em particular, mas na altura inacessível de uma verdade oculta.
5. Assim, Cayetano sustenta duas coisas. Primeira: A seguinte consequência não é correta: Deus providenciou que isso aconteça; portanto, isso acontecerá inevitavelmente. Segunda: Ele não conhece a razão pela qual se deve supor algo mais elevado do que a simples evitabilidade ou inevitabilidade de um efeito; por isso, isso deve ser incluído no número de todas as coisas que não podem ser entendidas nesta vida devido a algo que permanece oculto nelas, pela ignorância do qual, nesta vida, não se pode compreender a coerência da liberdade de arbítrio e a evitabilidade dos efeitos que dependem dele com a providência e predestinação divinas. Segundo Cayetano, basta admitir que não temos conhecimento disso e que somente pela fé mantemos com certeza a coerência entre as duas coisas, da mesma forma que declaramos ingenuamente que carecemos de evidência sobre o mistério da Trindade e, no entanto, queremos ensinar como evidente o que não o é. Pois está escrito (Eclesiástico, III, 22): 'O que está acima de ti, não o busques'. De fato, muitas coisas que superam o entendimento dos homens foram reveladas a você; com razão, Gregório disse que sabe menos de Deus quem só crê d'Ele aquilo que pode medir com sua inteligência.
6. Em nossos comentários a este artigo de Santo Tomás, devemos destacar várias coisas, a partir das quais será evidente, por um lado, a coerência da liberdade de nosso arbítrio e a evitabilidade dos efeitos que dependem dele com a providência divina e, por outro lado, em que Cayetano se equivoca e em que muitos outros se enganam, apoiando-se na doutrina de Cayetano para conciliar a liberdade de nosso arbítrio e a evitabilidade dos efeitos que dependem dele com a providência divina, sofrendo excessivamente e se atolando —para não dizer que erram— de tal modo que não alcançam o objetivo, como a própria matéria exige.
7. Assim, em primeiro lugar, de modo algum pode-se admitir o seguinte: Deus providenciou que todos os efeitos que ocorrem neste mundo aconteçam como Ele deseja; Ele dispôs causas para eles a fim de que ocorram como se Ele os dirigisse; e quis com vontade eficaz ou absoluta que ocorram por causas determinadas. Em seus comentários sobre esta passagem de Santo Tomás, Cayetano apresenta tudo isso como certo e indubitável. Pois, como a providência não é outra coisa senão o plano — presente na mente divina desde a eternidade — da ordem dos meios com vistas a um fim, juntamente com o propósito de executar essa ordem, como já dissemos em nossos comentários ao artigo 1, seguindo Santo Tomás e a opinião comum dos Doutores, portanto, que Deus tenha providenciado que um efeito ocorra em virtude de suas causas da maneira como realmente ocorre, significa apenas isto: Deus o dirigiu como fim através de Sua providência e, para que ocorra, dispôs para ele os meios e causas apropriados para sua produção; mas afirmar isso sobre os atos pecaminosos, que, como é evidente, devem ser incluídos entre os efeitos reais que ocorrem neste mundo, é claramente blasfemo e um erro manifesto em matéria de fé, como já demonstramos claramente em nossos comentários à questão 14, artigo 13 (a partir da disputa 31). Pois aqui dissemos, assim como Santo Agostinho, que os atos pecaminosos não podem ser atribuídos a Deus, porque, embora Ele coopere neles como causa universal e, em virtude de Sua providência, tenha concedido ao homem o livre arbítrio do qual eles procedem, no entanto, Ele não fez o homem livre, nem coopera com ele, para que este peque, mas para que aja corretamente, embora tenha a liberdade de pecar, sendo isso assim, por um lado, porque a própria natureza das coisas o exige e, por outro lado, para que o bom agir lhe traga louvor, honra e mérito, como dissemos várias vezes. Por essa razão, como os atos pecaminosos são um abuso do livre arbítrio e um desvio do fim para o qual ele nos foi concedido pela providência divina, portanto, não podem ser atribuídos a Deus, mas a nós mesmos como efeitos próprios. Portanto, não se pode dizer de maneira alguma que os atos pecaminosos sejam efeitos da providência divina ou que Deus os tenha providenciado para que ocorram assim ou que tenha disposto causas para eles a fim de que ocorram dessa maneira. Pois, embora Deus tenha disposto suas causas — a saber, o próprio arbítrio que os produz —, no entanto, não o fez para que esses atos ocorram, mas sim os atos contrários; mas nós abusamos dessas causas a fim de realizar ações para as quais essas causas não nos foram concedidas e, por essa razão, pecamos.
8. Aqui devemos destacar o seguinte: A providência quase poderia ter recebido o nome de 'previdência' do verbo 'prever', porque quem provê é como se previsse o que vai acontecer e, por isso, aplicasse os meios adequados para que algo aconteça ou para impedi-lo, na medida em que considere o que é mais conveniente; por isso, quem melhor prevê ou estabelece melhores conjecturas sobre o que vai acontecer e com quais meios alcançar um propósito, melhor poderá prover e mais ajustada e perfeita será sua providência. Portanto, uma coisa é de onde procede o termo 'providência' e qual é sua origem e fundamento, e outra coisa é o que significa. Pois o primeiro nos fala da previsão ou presciência pelas quais se sabe o que vai acontecer e quais são os meios apropriados para o objetivo que se quer alcançar; e o segundo nos fala de um plano de meios com vistas a um fim com o propósito por parte do provedor de mandar executá-lo. Por isso, entre os efeitos da providência divina devem ser incluídos apenas aqueles que Deus dirige —para os quais, consequentemente, prepara os meios com o objetivo de que ocorram— ou os próprios meios que Deus dispõe com vistas ao fim. Dizemos que Deus provê à sua maneira as duas coisas: uma, ordenando-a para que seja um meio dirigido a um fim; e outra, provendo-a de um modo quase passivo, para que seja alcançada por este meio. Portanto, os atos pecaminosos não são efeitos da providência divina, mas apenas a permissão que Deus ordena e quer para os melhores fins. Além disso, os pecados só caem sob a providência divina na medida em que a vontade divina os permite, embora possa impedi-los, se assim o quiser.
Mas, para que haja permissão dos pecados, é necessário não apenas que os próprios pecados nasçam de nossa pura liberdade, mas também que Deus preveja que eles vão ocorrer, que possa impedi-los e que, no entanto, não queira fazê-lo. Por isso, conciliar tanto a liberdade de nosso arbítrio para cair no pecado, quanto a possibilidade de evitá-lo, com a providência divina, envolve a mesma dificuldade que conciliar essas duas coisas com a presciência pela qual Deus prevê os pecados que serão cometidos, a menos que Ele os impeça.
Da mesma forma, como Deus só quer ou permite todos os efeitos da providência divina que, em sua execução, são posteriores por natureza aos pecados — como são os próprios castigos dos pecados —, sob a condição de que o livre-arbítrio criado vá cometê-los — por isso, Deus só os quer em termos absolutos com uma vontade consequente, como dissemos, seguindo Damasceno, em nossos comentários à questão 19, artigo 6 — e dada a presciência de que esses pecados serão cometidos pela liberdade e maldade do arbítrio criado — Deus conhece isso de maneira absoluta na determinação livre da vontade pela qual, desde a eternidade, decidiu estabelecer esta mesma ordem de coisas que na realidade estabeleceu, conforme explicamos em nossos comentários à questão 14, artigo 13 —, por isso, conciliar a evitabilidade de todos esses efeitos, na medida em que dependem dos pecados dos homens e do livre-arbítrio criado, envolve a mesma dificuldade que conciliá-la com a presciência divina, pela qual Deus prevê que esses efeitos vão ocorrer com a mesma certeza com que prevê os pecados e as demais ações livres das quais dependem esses efeitos.
9. Por tudo isso, também é evidente que, assim como as mortes violentas que às vezes alguns, sem esperar, sofrem nas mãos de assaltantes, as mortes de outros que morrem afogados em rios e eventos semelhantes a esses, têm pelo menos uma dependência em relação ao pecado dos primeiros pais, como castigos que se seguem desse pecado e que não teriam ocorrido se esse pecado não os tivesse precedido. Portanto, todos esses efeitos se baseiam na certeza que a presciência divina teve desse mesmo pecado e, se eliminarmos essa presciência, tais efeitos não seriam certos; mas não se deveria dizer que a providência divina os teria dirigido para que ocorressem dessa maneira, nem que teria estabelecido o nexo causal do qual procedem, como alguns Doutores costumam afirmar de maneira não muito ponderada. De fato, isso não pode ser conciliado com a bondade divina, nem Deus criou os arbítrios dos assaltantes com o objetivo de que quisessem matar aqui e agora um inocente; tampouco criou os arbítrios daqueles que se afogam com o objetivo de que, ao nadar ou fazer qualquer outra coisa, se afoguem, mas os criou para que, agindo corretamente, se tornassem merecedores da vida eterna, mas sendo livres para pecar e realizar de maneira indiferente outras obras das quais, às vezes, embora raramente, procedem os pecados. Mas não negamos que, em consequência, Deus tenha previsto esses eventos a partir das causas das quais procedem, nem negamos que, em virtude de sua providência, os tenha permitido, tanto como castigo do delito do primeiro pai, quanto para permitir que as causas ajam de acordo com suas naturezas e também por causa de outros fins convenientes.
10. Também não se deve concordar com Cayetano no seguinte: A providência divina, enquanto providência divina, inclui a consecução do fim para o qual dispôs os meios e sempre quer com vontade eficaz ou absoluta o fim para o qual ordenou os meios, como se a providência divina nunca se frustrasse com respeito à ordem de meios dirigidos a seus fins, mas que o fim sempre se seguisse. Pois Deus só quis com vontade condicionada —isto é, se os homens e os anjos também quiserem o mesmo— todas as coisas que dependem do arbítrio criado, entre as quais incluímos a beatitude e os méritos. Com este gênero de volição, Deus quis para todos e cada um dos homens e dos anjos a beatitude e os meios necessários para alcançá-la e, com vistas a este fim, os ordenou a todos com sua providência, como já dissemos em nossos comentários à questão 19, artigo 6; no entanto, nem todos alcançam este fim da providência divina, e isso só acontece por defecção do livre arbítrio dos homens e dos anjos. Mas Deus não quis com vontade absoluta para nenhum dos adultos a beatitude e os méritos necessários para alcançá-la, exceto dada a presciência pela qual prevê, de maneira hipotética, que estes farão méritos graças à sua liberdade e alcançarão a vida eterna, se forem colocados na ordem de coisas e de auxílios em que foram postos. Pois, segundo nosso modo de entender, baseado na realidade das coisas, vendo Deus com ciência média (que se encontra entre a ciência livre e a ciência natural, como já dissemos em nossos comentários à questão 14, artigo 13, disputas penúltima e última) —com anterioridade ao ato por meio do qual, como decidiu de maneira absoluta desde a eternidade, estabelece a ordem de coisas que de fato estabeleceu— quem, ao final de seus dias, alcançará finalmente a vida eterna em virtude de seus méritos anteriores no caso de que Ele queira estabelecer esta ordem de coisas, quando posteriormente decide de maneira absoluta estabelecer esta ordem, em seu próprio ato de volição se compraz com vontade absoluta em que alcancem a vida eterna aqueles que, segundo previu, chegarão a ela em virtude de seus méritos anteriores e, além disso, no próprio ato da vontade divina terão sido predestinados para a vida eterna através dos méritos que, segundo sua presciência, farão graças à sua própria liberdade, como explicaremos em nossos comentários à seguinte questão.
Por tudo isso, na providência e predestinação divinas em relação aos efeitos que dependem do arbítrio criado, que são dirigidos como fins pela providência divina e que verdadeiramente são efeitos da providência e predestinação divinas, não há outra certeza senão a certeza da presciência de que esses efeitos vão ocorrer assim a partir desses meios, embora, na realidade, se o arbítrio criado quisesse, como está em seu poder, ocorreriam os efeitos contrários. Portanto, conciliar a liberdade do nosso arbítrio e a evitabilidade dos acontecimentos que de algum modo dependem dele com a providência divina envolve a mesma dificuldade que conciliar essas mesmas coisas com a certeza da presciência divina.
11. Da mesma forma, Cayetano também não considera o seguinte. Que um efeito vá se produzir com certeza e sem nenhuma falsidade, não significa que vá se produzir inevitavelmente. Pois só podemos falar de inevitabilidade relacionando um efeito com sua causa; mas ninguém jamais admitiu que, se um efeito depende do arbítrio criado, esse efeito seja inevitável; tampouco se admitiu jamais que a seguinte consequência seja correta: Deus proveu, predestinou ou previu este efeito; portanto, dito efeito se produzirá inevitavelmente. De fato, não é contraditório que, apesar dessa presciência, o livre arbítrio possa evitar este efeito; mas como não o evita, podendo fazê-lo, por isso, peca, se o efeito é mau. Mas falamos da certeza de um efeito com respeito ao conhecimento pelo qual se sabe que este efeito vai se produzir. Por isso, como a presciência divina não pode errar de modo algum, a seguinte consequência é corretíssima: Deus previu que este efeito que depende do arbítrio criado vai se produzir; portanto, este efeito se produzirá sem dúvida e sem nenhum engano por parte da ciência divina pela qual Deus sabe que este efeito se produzirá. Os Doutores admitem isso com toda a razão.
12. Também não se pode defender —nem apresentar como provável— o que Cayetano tenta introduzir em seus comentários a esta passagem de Santo Tomás, a saber: Há um termo médio entre o evitável e o inevitável ou não evitável com respeito ao mesmo efeito. Pois, desse modo, teríamos que admitir um termo médio entre duas coisas contraditórias, mas não é possível pensar em nada mais absurdo do que isso. Devemos sustentar a incorreção das seguintes consequências: se isto é um animal, então é racional; ou então: se isto é um animal, então não é racional; mas não porque haja um termo médio entre duas coisas contraditórias ou porque haja um animal que não seja racional, nem irracional, mas porque, em termos genéricos, 'animal' se predica tanto do animal dotado de razão, como do que carece dela; e, por isso, porque o conceito de animal em termos genéricos se aplicaria a uma coisa, mas daí não se seguiria que, de maneira determinada, esta coisa estivesse dotada de razão, nem que carecesse dela, mas seria necessário que, em forma de disjunção, apenas um dos dois casos fosse verdadeiro. Assim também, as seguintes consequências seriam incorretas: se foi provido ou pressabido que isto vai acontecer, acontecerá de maneira contingente; ou então: se foi provido ou pressabido que isto vai acontecer, acontecerá de maneira necessária. E também: foi provido ou pressabido que isto acontecerá; logo, acontecerá de maneira evitável; ou então: foi provido ou pressabido que isto acontecerá; logo, acontecerá de maneira inevitável; e isto seria assim, mas não porque haja um efeito que, com respeito à sua causa —e havendo também presciência e providência—, não seja ou necessário ou contingente, isto é, que possa produzir-se ou não produzir-se —pois todos os efeitos, na medida em que dependem de Deus, em razão de sua criação e conservação, são contingentes, porque podem produzir-se e não produzir-se, sendo Deus livre para conferir e conservar suas naturezas, embora considerados em relação às causas segundas, cada um deles seja necessário ou contingente—, mas porque, como a providência e a presciência se estendem aos efeitos necessários e contingentes, porque neles algo se provê, por isso, daí não se segue que, de maneira determinada, este efeito vá produzir-se de modo necessário a partir de suas causas, nem tampouco de modo contingente. O mesmo deve dizer-se da segunda consequência; pois não devemos considerar que seja incorreta porque haja um efeito em particular que não seja evitável, nem inevitável, por parte de sua causa, mas porque a providência e a presciência se estendem tanto aos efeitos que podem ser evitados por parte de suas causas, como aos que não podem ser evitados; mais ainda, de certo modo, estas consequências devem ser consideradas disparatadas e iguais a esta: Se é uma pedra, então procede da África ou não procede da África; mas isto é totalmente alheio à pedra.
13. Uma vez estabelecido isso, conciliar a liberdade do nosso arbítrio e a evitabilidade dos efeitos que dele dependem com a providência envolve a mesma dificuldade que conciliá-los com a presciência divina, e já fizemos isso com toda clareza em nossos comentários à questão 14, artigo 13. Portanto, não há razão para nos alongarmos mais em nossos comentários.
14. Além disso, para responder brevemente a Cayetano, devemos dizer que o argumento com o qual demonstramos que a evitabilidade dos acontecimentos que dependem do arbítrio criado concorda perfeitamente com a presciência divina é o seguinte: Alguns efeitos não vão ocorrer porque Deus previu que assim aconteceria, mas, ao contrário, Deus os previu porque vão ocorrer em razão da liberdade do arbítrio. Mas se os efeitos contrários fossem ocorrer, sendo isso realmente possível, Deus não teria previsto o que previu, mas teria previsto o contrário. Por essa razão, dissemos que a certeza da presciência divina sobre esses acontecimentos não procede da certeza de um objeto que, em si mesmo, é incerto e poderia ocorrer de maneira contrária, mas procede da altura e da perfeição absolutamente ilimitadas do entendimento divino, em virtude das quais, assim como Deus conhece em sua essência esses acontecimentos de maneira eminentíssima, assim também prevê com toda certeza algo que, por si só, é incerto. Agora, se, sem ter qualquer conhecimento sobre o que vai acontecer em razão da liberdade do arbítrio, Deus pressupusesse por seu próprio arbítrio tudo o que Ele vai querer e o arbítrio criado fosse fazer uma coisa antes de outra porque assim Deus teria previsto — e não ao contrário, ou seja, como o arbítrio vai agir assim em razão de sua liberdade, por isso, Deus terá previsto isso mesmo em virtude de sua perfeição ilimitada, tendo podido prever não isso, mas o contrário, no caso de o livre arbítrio agir assim, como está em seu poder —, então poderia se entender o que levou Cayetano a inventar um termo médio entre coisas contraditórias e a afirmar que nesta vida se ignora o modo de conciliar a liberdade do arbítrio e a evitabilidade de seus efeitos com a providência ou com a presciência divina. Pois, se fosse assim, a presciência divina imporia uma necessidade fatal a todos os efeitos e eliminaria sem mais a liberdade do arbítrio, como bem argumenta Cayetano. No entanto, as coisas não são assim; por isso, os argumentos de Cayetano carecem de força.