Concordia do Livre Arbítrio - Parte IV 4

Parte IV - Sobre a presciência de Deus

Disputa L: Na qual examinamos as opiniões de Escoto e de Durando e nos perguntamos se Deus conhece com certeza as coisas futuras por meio de ideias

1. São Boaventura (In I, dist. 39, art. 2, q. 3) afirma que Deus conhece com certeza os futuros contingentes, porque em Si mesmo possui as ideias de todas as coisas, por meio das quais conhece com certeza todas as coisas futuras como se as tivesse presentes segundo suas próprias existências. Caetano comentando a passagem mencionada de Santo Tomás e outros discípulos do Aquinate atribuem a ele a mesma opinião, em razão das palavras do artigo mencionado, que apresentamos e submetemos à consideração na disputa anterior. Além disso, Caetano afirma que Escoto entendeu Santo Tomás da mesma maneira; no entanto, não sei se Escoto, na passagem que vamos oferecer a seguir, não teria pretendido apenas impugnar São Boaventura e outros sobre os quais, sem mencionar seus nomes, Santo Tomás afirma, no lugar citado, que foram da mesma opinião.
2. Contra essa opinião, Escoto argumenta (In I, dist. 39, art. 1) o seguinte. Em primeiro lugar: As ideias em Deus não representam uma conjunção do predicado com o sujeito em virtude de uma conexão contingente que, pelo próprio fato de ser contingente, ocorra ou não indiferentemente, mas apenas representam os extremos dessa conexão. Mas a partir de um conhecimento —por mais perfeito que seja— dos extremos de uma conexão contingente futura, não se pode saber com certeza qual parte da contradição realmente ocorrerá —porque nenhum dos dois extremos se relaciona necessariamente com o outro, nem é incompatível com ele, como pode ser observado em suas naturezas— ou se o predicado convém ao sujeito, como é o caso quando a conexão é necessária. Portanto, as ideias divinas sozinhas não podem ser razão suficiente para que Deus conheça com certeza os futuros contingentes.
3. Em segundo lugar: As ideias existem e representam as coisas diante de Deus antes de qualquer ato livre de Sua vontade divina; portanto, tudo o que representam, o fazem de maneira puramente natural. Mas Deus não conhece as conexões contingentes de maneira natural, e sim livremente, porque, se em virtude de Sua livre vontade Ele tivesse decidido não criar nada, não teria sabido que alguma dessas conexões contingentes futuras ocorreria. Portanto, as ideias sozinhas não podem ser a razão para conhecer com certeza os futuros contingentes.
4. Em terceiro lugar: As ideias representam os futuros contingentes possíveis que nunca acontecerão da mesma forma que os futuros que acontecerão em algum momento do tempo, porque o fato de que algumas coisas contingentes ocorram e outras não, não se deveria às ideias divinas, mas à livre vontade de Deus, que teria preparado livremente para algumas coisas futuras contingentes as causas que as produzam, mas não teria disposto causa alguma para outras coisas que poderiam acontecer, mas não acontecerão. Portanto, as ideias divinas sozinhas não podem ser razão suficiente para que Deus conheça com certeza os futuros contingentes.
5. Em quarto lugar: Que os futuros contingentes sejam futuros em um tempo antes que em outro, não se deve às ideias, mas à livre vontade divina, que decidiu criar as coisas em um tempo antes que em outro e ordená-las de uma maneira antes que de outra. Portanto, as ideias divinas sozinhas não podem ser razão suficiente para que Deus conheça com certeza os futuros contingentes.
6. Escoto concorda com a opinião de que as ideias ou a essência divina conhecida como objeto primeiro sejam razão suficiente para que Deus conheça, por ciência natural, todas as coisas simples que podem acontecer em virtude da onipotência divina, assim como todas as conexões, não apenas necessárias, mas também contingentes, não porque vão se produzir, mas porque poderiam se produzir, de tal modo que Deus conheceria por ciência natural qualquer conexão que pudesse se produzir ou não indiferentemente e que, por isso, poderia ocorrer ou não. Pois, em virtude das naturezas dos extremos, pode-se saber que uma coisa pode convir a outra, mas não se realmente lhe convém ou não. Além disso, embora uma conexão seja contingente, no entanto, que seja contingente e, consequentemente, possa se produzir ou não, é algo necessário; e Deus conhece todas as coisas necessárias com ciência natural.
7. Embora aqui Escoto concorde com outros, no entanto, movido pelos argumentos apresentados, afirma que Deus conhece apenas na determinação de sua vontade qual parte de cada contradição vai ocorrer —de maneira contingente— no futuro e, por isso, somente na determinação livre de sua vontade conhece com certeza os futuros contingentes. De fato, se entre os futuros contingentes apenas se incluem os futuros que Deus produz de maneira imediata —como são todas as coisas que Ele produziu ao criar o mundo— e os futuros que procedem das causas segundas que agem por necessidade da natureza, então a opinião de Escoto não implica dificuldade alguma. Mas como entre os futuros contingentes também se incluem os futuros que procedem do livre-arbítrio criado e, finalmente, os futuros que —de maneira próxima ou remota— procedem ou dependem das três raízes da contingência dos efeitos das causas segundas que explicamos na disputa 47, por essa razão, se Escoto apenas tivesse pretendido sustentar que todos esses futuros contingentes dependem da livre determinação da vontade divina, na medida em que nenhum futuro tal seria um futuro positivo contingente, a menos que Deus tivesse decidido criar livremente este mundo com esta ordem de coisas com que decidiu criá-lo, e, por essa causa, tivesse sustentado que, para que Deus conheça cada um deles como futuro em termos absolutos, é necessário que Ele preveja a determinação livre de sua vontade, na qual —como parte da razão de conhecer cada um desses futuros— os conheceria, então, sendo isso assim, nada haveria na opinião de Escoto que me parecesse merecedor de reprovação. Mas uma vez produzida a criação do universo e a ordem de coisas e causas que imperam neste momento, a determinação do livre-arbítrio angélico e humano em um dos sentidos de cada contradição em qualquer momento do tempo —por exemplo, no sentido de querer ou não querer algo ou querer o contrário— procederia da determinação livre da vontade divina, através da qual, como causa primeira, Deus teria decidido desde sempre concorrer de um ou de outro modo —por meio de seu concurso, seja geral, seja especial— com o livre-arbítrio criado e determiná-lo de um ou de outro modo, como se apenas da livre determinação de Deus e de seu modo de influir com as causas segundas dependesse que o livre-arbítrio e qualquer outra causa segunda agissem isto ou aquilo ou não agissem, como explicamos amplamente e impugnamos na disputa 35. Por essa razão, do mesmo modo que Escoto coloca toda a raiz da contingência exclusivamente na livre vontade de Deus —e em nenhuma medida no livre-arbítrio angélico ou no humano, embora, no entanto, com respeito a alguns efeitos, sejam causa próxima e imediata da contingência, como explicamos na disputa 47—, assim também, pretende sustentar que a razão e a raiz íntegra em virtude das quais Deus reconhece com certeza quais atos são, sem mais e em termos absolutos, futuros contingentes, seria a determinação livre da vontade divina. No entanto, pelo dito nas disputas 35, 47 e em outras, considero muito evidente que essa opinião de Escoto é mais que perigosa em matéria de fé, porque suprime a liberdade de arbítrio —cuja existência demonstramos com base nas Sagradas Escrituras e na própria experiência— e faz de Deus causa que inclina e determina nosso arbítrio para os próprios atos pecaminosos com que ofendemos a Deus e transgredimos sua lei, sendo tudo isso contrário à católica.
8. Um certo discípulo de Santo Tomás, que difere de Escoto nas palavras que utiliza, atribui essa mesma opinião a Santo Tomás. Pois ele sustenta que todas as causas segundas dos futuros contingentes sob as quais também inclui o livre-arbítrio angélico e humano estão sujeitas à determinação e disposição da vontade divina, que é a causa primeira que confere às demais causas não apenas o ser e a eficácia, mas também a determinação em relação a seus efeitos particulares. Portanto, como os efeitos contingentes são conhecidos com certeza em suas causas uma vez completas, determinadas e não impedidas —, sem que essa certeza seja menor que a do conhecimento dos efeitos necessários em suas causas necessárias, por essa razão, segundo diz esse discípulo de Santo Tomás, Deus conhece com certeza em sua essência após a determinação livre de sua vontade, em virtude da qual determina em seus efeitos todas as causas contingentes todos os futuros contingentes, ainda que procedam imediatamente do livre-arbítrio; por isso, Deus não apenas reconhece a determinação de todas as causas, mas também quais delas, em razão dessa mesma determinação, vão impedir ou não os efeitos de outras.
Mas, como ele diz, a ideia considerada de maneira completa e consumada não indica a pura essência divina, enquanto exemplar a ser imitado do qual as coisas podem ser produzidas ─desse modo, a ideia também seria daquelas coisas que, embora o poder divino possa produzi-las, nunca acontecerão─, mas sim indica a essência divina, enquanto exemplar em ato a ser imitado do qual algo realmente acontecerá ─sendo assim porque estaria acompanhada pela determinação da vontade divina, através da qual Deus teria decidido desde sempre os efeitos que acontecerão no tempo, embora em relação apenas aos efeitos que, com uma diferença no tempo, são, foram e serão─. Por essa razão, segundo ele, quando Santo Tomás fala, no trecho citado, das 'razões das coisas' ─isto é, das ideias─, afirmando que Deus as possui em si desde sempre e que nelas conhece com certeza os futuros contingentes, não estaria se referindo à pura essência divina, enquanto exemplar a ser imitado do qual Deus pode, se assim o quiser, produzir as coisas, mas sim estaria se referindo à essência de Deus junto com a determinação livre de sua vontade, à qual se deveria o fato de que seja exemplar em ato e ideia completa com respeito a todas as coisas futuras.
9. Mas, dada essa determinação da vontade humana e angélica e das demais causas segundas por parte da livre determinação e do influxo da vontade divina, é evidente que desaparece a liberdade de arbítrio do anjo e do homem em relação aos seus atos —como demonstramos extensamente contra a opinião de Escoto nos lugares citados—, por isso, o autor de quem falamos busca refúgio na distinção entre sentido composto e sentido dividido. Pois ele diz que, embora as causas contingentes —na medida em que estão sujeitas à determinação da causa primeira— estejam determinadas e completas para agir e, por isso, não possam, em sentido composto, deixar de produzir seus efeitos, aos quais a vontade divina as determinou, no entanto, em termos absolutos e em sentido dividido, seriam contingentes, indeterminadas e incompletas e, consequentemente, seus efeitos deveriam ser denominados simplesmente como 'contingentes'.
Mas não entendo bem isso. Pois, se acontece que, sem saber o que o livre-arbítrio criado fará em virtude de sua liberdade, Deus o determina —através de seu influxo e com determinação eterna e livre de sua vontade— a fazer aquilo que quer e, uma vez produzidas esta determinação e influxo divinos, o livre-arbítrio não pode fazer outra coisa senão aquela para a qual foi determinado, então não vejo de que modo o livre-arbítrio possa ser realmente livre para estender sua mão para o que quiser, nem de que modo possa ser atribuído a ele como meritório ou culpável algo que faria inclinado e determinado por Deus dessa maneira. Pois o fato de que o livre-arbítrio possa agir de modo oposto —no caso de Deus, por sua livre vontade, querer o oposto e com seu influxo o inclinar e determinar nesse sentido— não significa que nosso arbítrio seja livre, mas, antes, significa que Deus possui liberdade para fazer uso de nosso arbítrio, movendo-o indiferentemente a fazer o oposto, como explicamos extensamente em nossa disputa 40, na qual dissemos isso mesmo. Por essa razão, se o defensor dessa opinião pretende apenas sustentar tal coisa, quando afirma que, no entanto, em sentido dividido, o arbítrio continua sendo causa contingente, indeterminada e incompleta com respeito a seus efeitos, então, embora lhe atribua um caráter espontâneo semelhante ao que observamos em um jumento, quando é conduzido pela rédea em um ou outro sentido, no entanto, suprime sua liberdade e, evidentemente —ao falar de uma presciência e determinação da vontade divina dadas desde sempre— o entrega a uma necessidade fatal.
10. Além disso, este autor objeta contra si mesmo o seguinte: 'A vontade divina não determina a vontade criada a pecar; mais ainda, a deixa indiferente e livre. Mas, por meio de uma causa indiferente, não pode haver conhecimento certo de um efeito futuro. Portanto, Deus não previu com certeza os pecados futuros.'
No entanto, este autor acredita que refuta suficientemente essa objeção ao dizer: 'A vontade criada falhará infalivelmente em qualquer matéria de virtude, a menos que a vontade divina a determine eficazmente a agir bem. Portanto, como Deus sabe que sua vontade não determinou a vontade criada a agir bem em matéria, por exemplo, de temperança, Ele conhece com evidência que a vontade criada pecará e falhará em matéria dessa virtude. Assim, Deus conhece alguns futuros contingentes em suas causas, na medida em que são determinados pela causa primeira; mas também conhece o futuro mau e culpável em sua causa, na medida em que não é determinado pela causa primeira a agir bem.'
11. Mas nesta resposta muitas coisas que não me agradam.
Em primeiro lugar: Admite-se que o livre-arbítrio pode realizar ações pelas quais peca, sem que a vontade e o influxo divinos o tenham determinado antes. Portanto, como estamos falando de ações naturais e efeitos reais, por que o livre-arbítrio não poderia, de modo semelhante, realizar outras ações livres puramente naturais como querer sentar-se ou levantar-se, ou querer andar para um lado ou outro sem a determinação prévia e o influxo da vontade divina? Por essa razão, como Deus não costuma arrebatar, nem restringir a liberdade inerente às causas segundas, nem conferir às ações naturais um auxílio e influxo maiores do que o necessário, daí se segue que o livre-arbítrio se determinaria a si mesmo, sem que a vontade divina o tivesse determinado de antemão, pois permaneceria totalmente indiferente diante da realização ou não de um ato ou diante da ação de agir em relação a um objeto antes que em relação a outro. Portanto, Deus não conhece a determinação desses futuros contingentes em uma determinação de sua vontade em virtude da qual determine em seus efeitos o livre-arbítrio criado.
Este autor não dirá, segundo creio, que Deus determine o livre-arbítrio criado na ação pela qual ele peca e menos ainda no caso do pecado formal —, não porque suas palavras não dizem tal coisa, mas porque o livre-arbítrio não se determina a cair em pecado formal de outro modo senão determinando-se livremente a realizar a ação pecaminosa embora gostaria que, se fosse possível, esta ação não fosse considerada pecaminosa e, além disso e especialmente, porque é errôneo em matéria de fé, como creio ter demonstrado claramente desde a disputa 31.
12. Em segundo lugar: Parece não reconhecer em nosso arbítrio uma indiferença diante do ato de reprimir ou não realizar os atos ardentes que realiza, como a indiferença que admite diante do exercício ou não do ato pecaminoso quando peca. Por essa razão, elimina nosso mérito e nossa liberdade —também de exercício— com relação a essa ação.
13. Em terceiro lugar: Não gostamos de forma alguma do ensino que mais enfatiza. Certamente, mesmo que admitíssemos gratuitamente tal coisa nos homens após a queda dos primeiros pais ─pois seus sentidos se inclinam para o mal desde a infância─, por que motivo isso deveria ser admitido nos anjos e nos homens no estado de inocência, que estes podiam se refrear de cair em pecado sem nenhuma dificuldade e, no entanto, em virtude de sua liberdade inata, podiam pecar? Portanto, se por própria vontade tivesse ocorrido sua queda em pecado, Deus a teria ignorado, segundo a opinião deste Doutor. Mas, pode haver algo mais absurdo do que isso? Além disso, embora do fato de Deus não determinar a vontade criada a agir bem, se siga com toda certeza que ela pecará, no entanto, Deus não saberia se os pecados a serem cometidos seriam de omissão ou de comissão, ou se o livre arbítrio faria uso de um meio antes que de outro, ou se persistiria na obra pecaminosa por mais ou menos tempo e com uma intensidade e esforço maiores ou menores; o mesmo poderia ser dito de outras circunstâncias relativas à gravidade da culpa, que dependem do livre arbítrio e com respeito às quais, consequentemente, Deus não determinaria o livre arbítrio; portanto, Deus ignoraria todos esses futuros contingentes.
14. Finalmente: Se, em razão de que a vontade divina não determinasse de maneira eficaz o livre-arbítrio criado a agir bem, este pecasse necessariamente de tal modo que Deus estaria em posse de uma certeza e evidência absolutas de que vai pecar e, além disso, desde sempre e como quis, Deus teria decidido determiná-lo ou não determiná-lo a agir, então pergunto: Em posse de que liberdade estavam os anjos quando pecaram, ou em posse de que liberdade estamos nós, quando pecamos, para não fazer tal coisa, se não queremos? Da mesma forma, como pode ser verdade que Deus nos tenha deixado nas mãos de nossa própria decisão, para que assim possamos estender a mão ao que quisermos? Assim também, em posse de que razão estará Deus contra os ímpios no dia do juízo, pois não podem não pecar, a menos que Ele os determine e os incline de maneira eficaz para o bem e, no entanto, desde sempre e exclusivamente por sua livre vontade, teria decidido não determiná-los? Certamente, uma vez admitida essa opinião, a liberdade de nosso arbítrio desaparece totalmente, a justiça divina contra os ímpios perece e em Deus percebemos uma crueldade e impiedade manifestas. Por essa razão, considero que essa opinião é mais que perigosa em matéria de fé, como dissemos anteriormente a propósito também da opinião de Escoto.
15. Portanto, de acordo com o que explicamos na disputa anterior (conclusão primeira), devemos dizer que, por meio das ideias divinas ou da essência divina como objeto primeiro conhecido por Deus que, a partir de uma altura e eminência supremas, compreende tanto sua essência quanto cada uma das coisas que ela contém em si mesma, de maneira infinitamente mais perfeita do que são em si mesmas —, a Deus se representam com certeza, de maneira natural e anterior a todo ato e a toda determinação livre de sua vontade, todas as conexões contingentes, não apenas segundo seu ser possível, mas também segundo seu ser futuro, embora não em termos absolutos, mas sob a condição e hipótese de decidir criar este ou aquele ordem de coisas e de causas, sob estas ou aquelas circunstâncias. Agora, uma vez produzida a determinação livre de sua vontade mas não aquela através da qual Deus determina o livre arbítrio criado para um dos lados da contradição, como sustentam Escoto e outros, mas aquela por meio da qual, respeitando a liberdade e indiferença absolutas do livre arbítrio para estender a mão para o que desejar, decide criar este ou aquele ordem de coisas, causas e circunstâncias, no qual se dão estas ou aquelas causas livres —, Deus conhece com certeza todas as conexões contingentes segundo seu ser futuro sem mais, em termos absolutos e sem nenhuma hipótese, nem condição.
Assim, diferimos de Escoto, porque consideramos que a razão pela qual Deus conhece com certeza qual parte vai se dar em cada uma das contradições dessas conexões contingentes que dependem do livre arbítrio criado, não é uma determinação da vontade divina através da qual Deus incline e determine o livre arbítrio criado para um lado ou outro, mas sim uma determinação livre através da qual Ele decide criar o livre arbítrio neste ou naquele ordem de coisas e circunstâncias. Não pensamos que esta determinação sozinha seja razão suficiente para que Deus conheça com certeza qual parte vai se dar em cada uma das contradições dessas conexões, mas sim que, além dela e em conjunto com ela, em Sua essência se daria por ciência natural a compreensão de qualquer livre arbítrio criado, em virtude da qual compreensão e anteriormente a esta determinação da vontade, Ele saberia com certeza o que o livre arbítrio faria em função de sua liberdade dada a hipótese e a condição de criá-lo e colocá-lo nesta ordem de coisas, apesar de que também poderia, se assim quisesse, fazer o oposto; e se fosse fazê-lo, como está em Seu poder, através desta mesma ciência e da mesma compreensão do livre arbítrio, em Sua essência Deus teria conhecimento disso e não do que realmente sabe que o livre arbítrio vai fazer.
Assim, como as conexões positivas contingentes que dependem do livre arbítrio não podem ocorrer, a menos que o livre arbítrio seja criado, portanto, que Deus conheça de maneira absoluta e sem hipóteses que essas conexões vão ocorrer, depende da determinação livre de Sua vontade, por meio da qual Ele decide criar o livre arbítrio em um ou outro momento, dentro de uma ou outra ordem de coisas e circunstâncias. No entanto, como o arbítrio, uma vez criado e colocado nesta ordem de coisas, permanece livre para se inclinar em um ou outro sentido, portanto, se Deus, a partir da altura, excelência e perfeição de Sua ciência natural, através da qual Ele compreende tudo em Sua essência de modo eminentíssimo, não penetra o arbítrio de modo a observar nele em que sentido ele vai se inclinar em virtude de sua liberdade inata —apesar de que, se assim o quisesse, poderia se inclinar no sentido oposto e, se fosse fazer tal coisa, como está em seu poder, Deus o veria—, então Ele não saberá de maneira determinada qual parte vai ocorrer da contradição dessas conexões contingentes. Por esta razão, para que Deus conheça isso com certeza, as duas coisas Lhe são necessárias e as duas Lhe são próprias em virtude de Sua perfeição não infinita e imensa, mas também absolutamente ilimitada, pela qual Ele mesmo existe e em razão da qual, da mesma forma que em Sua onipotência está criar criaturas dotadas de livre arbítrio e donas de seus atos —como por própria experiência percebemos em nós mesmos—, assim também, Sua ciência imensa e absolutamente ilimitada —através da qual Ele compreende de modo altíssimo e eminentíssimo tudo o que cai sob Sua onipotência— penetra o livre arbítrio de uma forma tal que Deus percebe e observa em que sentido o livre arbítrio vai se inclinar em virtude de sua liberdade inata.
Esta é a presciência dos futuros contingentes que os Padres e a própria luz natural nos ensinam que é própria de Deus, por sua própria existência, de tal modo que, se esta presciência não lhe fosse própria, Deus não existiria. Daí que São Jerônimo (Dialogi adversus Pelagianos, lib. 3), na boca de Crito, diga com razão: 'A quem você tira a presciência, também tira a divindade'. E Santo Agostinho (De civitate Dei, lib. 5, cap. 9) diz: loucura evidentíssima confessar que Deus existe e negar que Ele possui a presciência dos futuros'.
16. No sentido que explicamos, é muito verdadeiro que as ideias ou a essência divina que Deus conhece como objeto primeiro —na qual, desde sua suprema altura, Deus não apenas se compreende a si mesmo, mas também as coisas que sua essência divina contém de forma eminente— é a razão certa e segura do conhecimento dos futuros contingentes. Por isso, além de Santo Tomás no trecho que estamos comentando —se ele realmente afirmou tal coisa—, São Boaventura e, em geral, todos os que usaram essa forma de falar, compartilharam dessa opinião, embora, no entanto, não tenham explicado essa questão na medida necessária. Dessa mesma opinião é, evidentemente, Durando (In I, dist. 38, q. 3); pois, embora ele pense que a essência divina não pode ser considerada em termos de ideias, no entanto, afirma que nela, como objeto primeiro e causa de todas as coisas, Deus conhece todos os futuros contingentes, porque nela, graças à altura e perfeição de sua ciência e desse objeto, contempla todas as causas desses futuros e a determinação em relação à produção dos efeitos, não apenas das coisas que estão determinadas por sua própria natureza —como são aquelas que agem por necessidade da natureza—, mas também das coisas que são indiferentes e livremente se inclinam no sentido que quiserem, como acontece no caso do livre-arbítrio do anjo e do homem; além disso, Deus sabe quais delas vão exercer impedimento e quais não. Tudo isso deve ser entendido, embora Durando não o explique assim, dada a hipótese de que Deus deseje criar esta ou aquela ordem de coisas e de causas.
Por outro lado, em causas e a partir de causas assim conhecidas, os futuros contingentes são conhecidos com tanta certeza quanto aquela com que, a partir de causas necessárias, são conhecidos os efeitos necessários. Por essa razão, Deus conhece com certeza todos os futuros contingentes, como objeto primeiro, em si mesmo e, como objeto segundo, em suas próprias causas segundas.
17. Portanto, do primeiro argumento de Escoto, devemos negar a premissa maior. Pois, dada a hipótese e a condição de que Deus queira criar esta ou aquela ordem de coisas, as ideias divinas representariam diante de Deus —de maneira natural e anterior a toda determinação livre de sua vontade— toda conexão contingente futura sob a hipótese e a condição mencionadas; isso seria assim devido à altíssima excelência do entendimento divino, da ciência divina e do objeto primeiro sobre todos os objetos segundos que este contém em si mesmo de modo eminente.
18. Do segundo argumento, admitido o antecedente, também seria necessário admitir a primeira consequência. Mas, com relação à premissa menor que se acrescenta, seria preciso dizer que, embora Deus conheça não de maneira natural, mas livremente as conexões contingentes em seu ser futuro em termos absolutos e sem condição ou hipótese alguma, no entanto, Deus não conheceria livremente que dada a hipótese de querer criar esta ou aquela ordem de coisas e de causas essas conexões viriam a se produzir, a não ser por meio da ciência que precede a todo ato livre da vontade divina.
19. Do terceiro argumento, admitido o antecedente, também seria necessário admitir a consequência, se o consequente for entendido no sentido de que as ideias divinas sozinhas não podem ser razão suficiente para que Deus conheça com certeza os futuros contingentes segundo seu ser de futuros em termos absolutos; pois para isso seria necessária simultaneamente a presciência divina da vontade livre por meio da qual Deus decide criar este ou aquele ordem de coisas. Mas será necessário negar a consequência, se o consequente for entendido no sentido de que as ideias divinas sozinhas não são razão suficiente para que Deus conheça com certeza os futuros contingentes, mas não em termos absolutos, e sim dada a hipótese e a condição de querer criar este ou aquele ordem de coisas; pois para Deus não haveria nenhuma diferença entre os futuros contingentes que acontecerão com alguma diferença no tempo e os futuros que poderiam ter acontecido, mas nunca acontecerão; pois Deus sabe que em ambos os casos os futuros teriam acontecido ou não dada a hipótese e a condição de ter decidido criar uma ordem ou outra de coisas distinta da que criou.
20. Sobre o quarto argumento, devemos dizer que ele demonstra da melhor maneira possível que as ideias sozinhas não são razão suficiente para que Deus conheça os futuros contingentes em termos absolutos e sem nenhuma condição futura em um ou em outro momento do tempo, porque para isso também seria necessário o conhecimento da determinação por parte da vontade divina de criar a ordem das coisas que criou no momento temporal em que o fez, sendo isso algo que admitimos de bom grado.