Jó 10

"Minha vida só me dá desgosto; por isso darei vazão à minha queixa e de alma amargurada me expressarei.
Direi a Deus: Não me condenes, revela-me que acusações tens contra mim.
Tens prazer em oprimir-me, em rejeitar a obra de tuas mãos, enquanto sorris para o plano dos ímpios?
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Jó questiona se é justo Deus rejeitar sua própria criação (ele mesmo), usando a imagem das 'mãos de Deus' (gn1:26-27). Isso reflete um dilema teológico: como um Deus bondoso permite o sofrimento do justo?
Acaso tens olhos de carne? Enxergas como os mortais?
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Jó desafia a ideia de que Deus julga como humanos. A Bíblia evita antropomorfismo radical (nm23:19), mas usa termos humanos para descrever ações divinas (sl94:9).
Teus dias são como os de qualquer mortal? Os anos de tua vida são como os do homem?
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Contraste entre a eternidade de Deus e a brevidade humana. Salmos e epístolas reforçam essa diferença (sl90:4; 2pe3:8).
Pois investigas a minha iniqüidade e vasculhas o meu pecado,
embora saibas que não sou culpado e que ninguém pode livrar-me das tuas mãos.
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Jó afirma sua inocência (jó1:1), mas reconhece a soberania divina. Essa tensão entre justiça humana e vontade divina é central no livro.
"Foram as tuas mãos que me formaram e me fizeram. Irás agora voltar-te e destruir-me?
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Paradoxo: o mesmo Deus que cria também permite a destruição. A imagem do oleiro (is64:8) será retomada mais tarde.
Lembra-te de que me moldaste como o barro, e agora me farás voltar ao pó?
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Referência direta à criação do homem do pó (gn2:7) e à mortalidade (gn3:19).
Acaso não me despejaste como leite e não me coalhaste como queijo?
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Metáfora única na Bíblia sobre a gestação. Comparação com o processo de coalhar queijo sugere cuidado artesanal na criação (sl139:13-16).
Não me vestiste de pele e carne e não me juntaste com ossos e tendões?
Deste-me vida e foste bondoso para comigo, e na tua providência cuidaste do meu espírito.
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Reconhece Deus como fonte da vida, ideia presente em vários textos (sl36:9; at17:28).
"Mas algo escondeste em teu coração, e bem sei que és tu:
Se eu pecasse, me estarias observando e não deixarias sem punição a minha ofensa.
Se eu fosse culpado, ai de mim! Mesmo sendo inocente, não posso erguer a cabeça, pois estou dominado pela vergonha e mergulhado na minha aflição.
Se mantenho a cabeça erguida, ficas à minha espreita como um leão, e de novo manifestas contra mim o teu poder tremendo.
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Deus comparado a caçador implacável. Imagem similar aparece em lamentos (lm3:10-11).
Trazes novas testemunhas contra mim e contra mim aumentas a tua ira; teus exércitos atacam-me, em batalhões sucessivos.
"Então, por que me fizeste sair do ventre? Eu preferia ter morrido antes que pudesse ser visto.
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Desejo de nunca ter nascido ecoa Jeremias (jr20:14-18). Reflete profundo desespero existencial.
Se tão-somente eu jamais tivesse existido, ou fosse levado direto do ventre para a sepultura!
Já estariam no fim os meus poucos dias? Afasta-te de mim, para que eu tenha um instante de alegria,
antes que eu vá para o lugar do qual não há retorno, para a terra de sombras e densas trevas,
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Descrição de Sheol, o 'mundo dos mortos' na concepção hebraica antiga. Lugar de escuridão sem ordem (jó3:13-19; ec6:4-5).
para a terra tenebrosa como a noite, terra de trevas e de caos, onde até mesmo a luz é trevas".