Gênesis 40

Algum tempo depois, o copeiro e o padeiro do rei do Egito fizeram uma ofensa ao seu senhor, o rei do Egito.
*
O copeiro e o padeiro eram cargos de alta confiança no Egito antigo, responsáveis por proteger Faraó de envenenamento. Ofender o rei podia resultar em morte, como mostra a história (Êxodo 1:22).
O faraó irou-se com os dois oficiais, o chefe dos copeiros e o chefe dos padeiros,
e mandou prendê-los na casa do capitão da guarda, na prisão em que José estava.
*
A prisão na casa do capitão da guarda (Potifar, gn39:1) reflete o sistema penal egípcio, onde altos funcionários administravam cárceres. Arqueologia confirma que prisões estavam vinculadas a palácios ou casas de oficiais.
O capitão da guarda os deixou aos cuidados de José, que os servia. Depois de certo tempo,
o copeiro e o padeiro do rei do Egito, que estavam na prisão, sonharam. Cada um teve um sonho, ambos na mesma noite, e cada sonho tinha a sua própria interpretação.
*
Sonhos como meio de revelação divina são tema constante em Gênesis (gn37:5-11, gn41:1-32). A duplicação dos sonhos aqui reforça o caráter profético (gn41:32).
Quando José foi vê-los na manhã seguinte, notou que estavam abatidos.
Por isso perguntou aos oficiais do faraó que também estavam presos na casa do seu senhor: "Por que hoje vocês estão com o semblante triste? "
Eles responderam: "Tivemos sonhos, mas não há quem os interprete". Disse-lhes José: "Não são de Deus as interpretações? Contem-me os sonhos".
*
José atribui a interpretação a Deus, padrão também em Daniel (dn2:28). Isso contrasta com práticas egípcias de magia onírica, mostrando diferença entre adivinhação e revelação divina.
Então o chefe dos copeiros contou o seu sonho a José: "Em meu sonho vi diante de mim uma videira,
com três ramos. Ela brotou, floresceu e deu uvas que amadureciam em cachos.
A taça do faraó estava em minha mão. Peguei as uvas, e as espremi na taça do faraó, e a entreguei em sua mão".
Disse-lhe José: "Esta é a interpretação: Os três ramos são três dias.
Dentro de três dias o faraó vai exaltá-lo e restaurá-lo à sua posição; e você servirá a taça na mão dele, como costumava fazer quando era seu copeiro.
*
A expressão 'levantar a cabeça' tem duplo sentido em hebraico: restauração (copeiro) e decapitação (padeiro). Jogo de palavras comum na literatura bíblica (1 Reis 3:16-28).
Quando tudo estiver indo bem com você, lembre-se de mim e seja bondoso comigo; fale de mim ao faraó e tire-me desta prisão,
pois fui trazido à força da terra dos hebreus, e também aqui nada fiz para ser jogado neste calabouço".
*
A menção à 'terra dos hebreus' é anacrônica: Canaã só seria chamada assim séculos depois. Estudioso sugerem atualização textual pós-exílica. José também omite seu conflito familiar, focando na inocência (gn37:28).
Ouvindo o chefe dos padeiros essa interpretação favorável, disse a José: "Eu também tive um sonho: Sobre a minha cabeça havia três cestas de pão branco.
Na cesta de cima havia todo tipo de pães e doces que o faraó aprecia, mas as aves vinham comer da cesta que eu trazia na cabeça".
E disse José: "Esta é a interpretação: As três cestas são três dias.
Dentro de três dias o faraó vai decapitá-lo e pendurá-lo numa árvore. E as aves comerão a sua carne".
*
Pendurar cadáveres era prática egípcia documentada. Estela de Ikhernofret (século XIX a.C.) descreve execuções similares para traidores.
Três dias depois era o aniversário do faraó, e ele ofereceu um banquete a todos os seus conselheiros. Na presença deles reapresentou o chefe dos copeiros e o chefe dos padeiros:
*
O banquete de aniversário de Faraó é corroborado por fontes egípcias. O Papiro Anastasi IV menciona festividades reais com perda/restauração de honra a funcionários.
Restaurou à sua posição o chefe dos copeiros, de modo que ele voltou a ser aquele que servia a taça do faraó,
mas ao chefe dos padeiros mandou enforcar, como José lhes dissera em sua interpretação.
O chefe dos copeiros, porém, não se lembrou de José; ao contrário, esqueceu-se dele.
*
O esquecimento do copeiro prepara o clímax em gn41:1-14. Narrativa mostra o tempo divino versus expectativas humanas, tema recorrente na história de José (gn37:2-50:26).