Concordia do Livre Arbítrio - Parte III 6

Parte III - Sobre os auxílios da graça

Disputa XLI: Na qual apresentamos duas diferenças entre o concurso geral com o livre-arbítrio em relação aos atos naturais e o auxílio da graça preveniente em relação aos atos sobrenaturais, bem como uma explicação mais detalhada do que dissemos

1. Pelo que dissemos até aqui, entender-se-ão facilmente as duas diferenças que apresentamos nas disputas 29 e 30, entre o concurso geral de Deus com o livre-arbítrio em vista dos atos naturais e o auxílio da graça preveniente, enquanto graça preveniente, em vista dos atos sobrenaturais com os quais o livre-arbítrio se dispõe para a graça. Primeira diferença: O concurso geral de Deus dirigido aos atos naturais não é um concurso de Deus sobre o livre-arbítrio —enquanto causa desses atos— pelo qual previamente receba em si mesmo este movimento e com ele se aplique e se torne capaz de influir sobre o ato, mas sim um influxo imediato, junto com o livre-arbítrio, sobre o ato; no entanto, o auxílio da graça preveniente, enquanto graça preveniente, é um influxo de Deus sobre o livre-arbítrio com o qual o move, o excita e lhe concede potência para que, movido dessa maneira, como se tivesse em si mesmo o princípio eficiente dos atos sobrenaturais, prossiga a realizá-los com sua influência simultânea. Segunda diferença (derivada da primeira): O influxo de Deus —por meio de seu concurso geral— junto com o livre-arbítrio em vista dos atos naturais não precede —nem no tempo, nem por natureza— ao influxo do livre-arbítrio sobre esses atos, mas ambos dependem mutuamente entre si e ao mesmo tempo se produzem e se unem em uma mesma ação —numericamente falando— e efeito; mas a graça preveniente, enquanto graça preveniente, costuma anteceder —seja no tempo, seja por natureza— ao influxo do livre-arbítrio sobre o ato sobrenatural e pode frustrar-se, se o próprio arbítrio, em virtude de sua liberdade inata, não quiser realizar com esta graça o ato pelo qual se dispõe para a justificação.
2. Repeti várias vezes que a graça preveniente, enquanto graça preveniente, precede no tempo ou por natureza ao influxo do livre-arbítrio, porque se considerarmos que, posteriormente no tempo ou por natureza, essa graça passa a ser cooperante ─naturalmente, quando o livre-arbítrio consente e influencia seu ato, essa graça também influencia e coopera nele simultaneamente─, então o influxo pelo qual essa graça passa a ser cooperante não precede no tempo, nem por natureza, ao influxo do livre-arbítrio; antes, esses dois influxos, juntamente com o concurso universal com que Deus também influencia o mesmo ato, são simultâneos, têm uma dependência mútua e se unem em uma mesma ação sobrenatural produzida em virtude dessas três causas consideradas como uma única causa total, da mesma forma que o influxo geral de Deus e o influxo da causa segunda sobre a natureza se produzem e desaparecem simultaneamente, têm uma dependência mútua e se unem em uma mesma ação e efeito natural produzido por ambas as causas.
3. Ruardo Tapper, em seu Artigo sobre o livre arbítrio, questiona se, nas obras sobrenaturais, Deus concorre com o livre arbítrio ao menos com prioridade de natureza ou de maneira totalmente simultânea. Ele afirma que, em relação a essa questão, deve-se dizer o mesmo que sobre o concurso de Deus junto com o livre arbítrio e as demais causas segundas no que diz respeito às ações naturais. Em favor da afirmação de que Deus concorre simultaneamente e de que o concurso de Deus não é um influxo sobre a causa segunda, mas sim junto com a causa segunda sobre sua operação e efeito, ele cita Andrés de Castronovo cujas obras ainda não chegaram às minhas mãos —, Gabriel Biel (In II, dist. 1, q. 2; dist. 37) e Gregório de Rimini (In I, dist. 45, q. 1, concl. 5). Em favor da afirmação contrária ou seja, que Deus concorre com prioridade de natureza e que esse concurso é um influxo imediato sobre a causa e mediato sobre a ação e o efeito da causa ele cita o que, na disputa 35, apresentamos recorrendo a Escoto e a Cayetano; finalmente, ele abandona a questão deixando-a inconclusa, como se nenhuma das duas partes fosse improvável.
4. Além disso, por tudo o que dissemos, é evidente que, se falamos da influência de Deus tanto por meio do concurso geral, como por meio da influência pela qual a graça preveniente se transforma em cooperante junto com o livre-arbítrio, Deus concorre simultaneamente com o livre-arbítrio nas obras sobrenaturais da mesma forma que, por meio de seu concurso geral, concorre simultaneamente com o livre-arbítrio e com as demais causas segundas nas obras naturais. No entanto, se nos referimos à influência com que Deus transmite ao livre-arbítrio a graça preveniente, através da qual o move e convida para o ato sobrenatural, essa influência e movimento de Deus através da graça preveniente, enquanto graça preveniente, precede por natureza e às vezes também no tempo ao concurso do livre-arbítrio; isso é verdade até o ponto em que o contrário é errôneo em matéria de fé, como é evidente pela definição do Concílio de Trento (sess. 6, cap. 5 e cân. 4). Pois, como a influência de Deus precede à influência do livre-arbítrio sobre o ato sobrenatural, por essa razão, essa influência de Deus que convida o livre-arbítrio ao ato sobrenatural, costuma ser denominada 'graça preveniente e excitante'; o Concílio de Trento define que o início da justificação deve começar a partir dessa graça. O II Concílio de Orange (cân. 14) declara: 'Nenhum desgraçado se libera de nenhuma desgraça, exceto aquele a quem Deus previne com sua misericórdia, como diz o salmista: Que tua misericórdia, Senhor, nos previna; e como diz aquele outro versículo: com sua misericórdia me prevenirá'. O mesmo dão a entender muitos outros cânones desse mesmo Concílio. Daí que no Hypognosticon (liv. 3) Santo Agostinho ou quem quer que seja o autor dessa obra diga: 'Em toda obra santa a vontade de Deus precede e a do livre-arbítrio vem depois'; ou seja: Deus opera e o homem coopera. E em De bono viduitatis (cap. 17) diz: 'Somos nós que queremos, mas nossa própria vontade não aparece até que não recebe movimento'.
5. Gregório Magno (Moralia in Job, lib. 16, caps. 10, 11), comentando as últimas palavras de Jó, XXII, 30, diz: 'Anteriormente, a piedade celestial opera algo em nós sem nós, para que, seguindo-a também nosso livre-arbítrio, opere conosco o bem que desejamos. No entanto, o dia do juízo nos recompensará pelo que recebemos através de sua graça, como se isso se devesse apenas a nós. Pois, como a bondade divina nos previne para nos tornar inocentes, São Paulo diz: Mas pela graça de Deus sou o que sou; e como nosso livre-arbítrio segue a graça, ele acrescenta: E a graça de Deus não foi estéril em mim. Antes, trabalhei mais do que todos eles. E vendo que por si mesmo não era nada, ele diz: Mas não eu. No entanto, como percebe que com a graça é algo, ele acrescenta: mas a graça de Deus que está comigo. Pois ele não diria comigo, se, uma vez recebida a graça preveniente, o livre-arbítrio não a seguisse. Portanto, para demonstrar que sem a graça ele não é nada, ele diz: Não eu; mas para demonstrar que trabalhou com a graça por meio do livre-arbítrio, ele acrescenta: mas a graça de Deus que está comigo.'
6. No livro 24, capítulo 6 (também conhecido como capítulo 12) comentando as palavras de Jó, XXXIII, 28: 'Libertou sua alma para que ela não avançasse para a morte' ele diz: 'Uma vez que a graça preveniu nosso livre-arbítrio na boa obra, dizemos que nós mesmos nos libertamos ao consentir com o Senhor, nosso libertador. Daí que, quando São Paulo diz: 'Trabalhei mais do que todos eles', para que não pareça que ele atribui a si mesmo seus esforços, ele imediatamente acrescenta: 'Mas não eu, e sim a graça de Deus que está comigo'. Pois, assim como ele mesmo teria seguido a graça preveniente de Deus por meio de seu livre-arbítrio, para não ser ingrato ao dom divino e para que, no entanto, o mérito do livre-arbítrio não lhe fosse alheio, ele corretamente acrescenta: 'que está comigo'. E sobre aquele que consente com seu libertador, conhecendo a si mesmo, ele corretamente diz: 'Libertou sua alma para que ela não avançasse para a morte'. O mesmo diz Santo Anselmo ao comentar as palavras de I Coríntios, XV, 10: 'Pela graça de Deus sou o que sou'.
7. Neste contexto e por ocasião desses testemunhos, devemos acrescentar o que o título da disputa 37 parecia exigir e que um pouco depois teve que ser adicionado, ou seja, uma vez adquiridos os hábitos sobrenaturais de fé, esperança e caridade, esses hábitos devem ser considerados graça preveniente e cooperante em relação aos atos que procedem desses hábitos; também devem ser considerados graça preveniente e cooperante alguns auxílios particulares com os quais Deus iluminando o entendimento e introduzindo na vontade diferentes sentimentos, por meio dos dons da sabedoria, do conhecimento, da piedade, do temor e por meio de outros dons do Espírito Santo costuma incitar os justos, uma vez alcançado o dom da justificação, e convidar e cooperar para produzir esses atos. Isso será fácil de entender pelo que dissemos na disputa 8 e em outras. Portanto, nesses testemunhos, Gregório Magno fala da graça preveniente tanto para os atos com os quais nos preparamos para a justificação, quanto para os atos meritórios que exercemos após alcançar o dom da justificação.