Concordia do Livre Arbítrio - Parte III 11
Parte III - Sobre os auxílios da graça
Disputa XLVI: Os atos de crer, ter esperança, amar e arrepender-se emanam de modo eficiente dos hábitos teologais no instante final em que se dispõem para esses hábitos? Além disso, o que é a justificação?
1. Resta-nos concluir a 'Primeira parte' desta Concordia examinando a dificuldade proposta, a saber: os atos sobrenaturais de crer, ter esperança, amar e arrepender-se —com os quais os adultos se preparam para a justificação no instante final em que esses atos preparam para os hábitos das virtudes teologais e Deus os infunde— emanam de modo eficiente desses mesmos hábitos quando são infundidos pela primeira vez, como alguns sustentam, ou, ao contrário, como acreditamos ter explicado claramente a partir da disputa 8 e novamente a partir da 37, não emanam dos hábitos que, com posterioridade de natureza, são infundidos no mesmo momento, mas tornam-se sobrenaturais e disposições finais para esses hábitos por meio dos diversos auxílios e movimentos da graça preveniente e excitante dos quais falamos até aqui? Agora, se após esse instante persistimos nos mesmos atos, então durante todo o tempo subsequente emanarão dos hábitos já infundidos e serão meritórios de um aumento da glória e também da graça recebida de maneira totalmente gratuita no primeiro instante. Aproveitando esta ocasião, também explicaremos o que é a justificação, da qual tantas vezes falamos até agora.
2. São Tomás (Suma Teológica, 1. 2, q. 113, art. 7 ad quartum; art. 8 ad secundum), Caetano e Bartolomeu de Medina (ambos comentando o art. 8 mencionado), Domingo de Soto (De natura et gratia, lib. 2, cap. 18; In IV, dist. 14, q. 2, art. 6) e Melchor Cano (Relectio de poenitentiae sacramento, p. 1) são da opinião de que a última disposição do adulto para a graça procede de maneira eficiente da própria graça no instante em que a graça é infundida pela primeira vez. Além disso, Soto afirma que o auxílio particular pelo qual este ato se torna sobrenatural e, finalmente, dispõe para a graça, não é outra coisa senão o próprio influxo da graça habitual que, como causa eficiente, se dirige para este ato.
3. Vamos oferecer a demonstração dessa opinião. Em primeiro lugar: O ato pelo qual o adulto se dispõe, em última instância, para a graça, é meritório da vida eterna no próprio instante em que a graça é infundida. Mas não pode ser meritório, a menos que proceda da graça. Portanto, procede da graça no instante em que a graça é infundida.
4. Em segundo lugar: A graça que torna alguém agraciado é um hábito operativo que age ou coopera, na medida em que lhe cabe, por necessidade de natureza. Mas, como a graça age por necessidade de natureza, especialmente se o faz por meio de uma ação instantânea, então, no primeiro instante em que aparecer, agirá, da mesma forma que, no instante em que o sol aparece, ilumina. Portanto, no instante em que a graça que torna alguém agraciado é infundida no adulto ─que, por meio de sua operação, finalmente se dispõe para ela─, cooperará no ato que se produz nesse mesmo instante.
5. Em terceiro lugar: Em um mesmo instante, algumas causas podem ser reciprocamente causas entre si e, por isso, podem preceder-se mutuamente em função de diferentes gêneros causais. Assim, quando o ar, em virtude de seu próprio movimento, abre a janela e entra na sala, em termos de causa eficiente, a entrada do ar precede a abertura da janela, pois ao entrar, o ar abre a janela; no entanto, em termos de causa dispositiva e, por assim dizer, material, como a abertura da janela é uma disposição ou condição requerida previamente para que o ar entre, essa abertura antecede a entrada do ar. Da mesma forma, segundo aqueles que sustentam que se pode proceder a uma redução à matéria prima, no instante em que se introduz a forma substancial do fogo, dela procederá de modo eficiente o calor com o qual se conservará na matéria; por isso, em termos de causa eficiente, a forma substancial precede na matéria à sua disposição requerida, embora em termos de causa material e dispositiva, essa mesma disposição preceda na matéria. Santo Tomás também oferece o exemplo da iluminação do ar, que, em termos de causa eficiente, antecede à dissipação da escuridão, apesar de que, em termos de causa material, a dissipação da escuridão antecede à recepção da luz. Portanto, do mesmo modo, em termos de causa eficiente, a infusão da graça e seu influxo ulterior sobre o ato pelo qual o adulto se dispõe em última instância para a graça, antecedem à disposição, apesar de que, em termos de causa material, a disposição é anterior à graça informar a alma e influir sobre esse ato.
6. Não faltaram aqueles que, pensando que a justificação do adulto se completa com os atos das virtudes infusas, afirmaram que os hábitos das virtudes teologais concorrem de modo eficiente na justificação do adulto e, por essa causa, no instante em que os atos de crer, de ter esperança e de amar resultam em disposições últimas para os hábitos e no instante em que esses atos são infundidos pela primeira vez, são produzidos de maneira eficiente por esses hábitos. Eles demonstram isso recorrendo às palavras do Concílio de Trento (sess. 6, cap. 7): 'Na justificação com o perdão dos pecados, o homem recebe, graças a Cristo, a quem se une, estas três coisas infundidas simultaneamente: fé, esperança e caridade; pois a fé não pode, a menos que se lhe acrescentem a esperança e a caridade, unir-se perfeitamente a Cristo, nem fazer de alguém um membro vivo de seu corpo.'
7. Em quarto lugar: Unir e tornar membro vivo sugerem eficiência. Portanto, como a informação dos hábitos infusos que informam a alma e suas potências carece de eficiência, mas não o influxo desses hábitos sobre os atos de amar afetuosamente, de ter esperança e de crer, que se realizam no mesmo instante e unem a Cristo àquele que é justificado, daí se segue que os hábitos infusos concorrem de modo eficiente nesses atos, quando são realizados no primeiro momento da justificação.
Demonstração: A justificação é a vida espiritual de quem é justificado; mas o viver de maneira espiritual não pode ocorrer, nem ser entendido, sem a operação da vida espiritual.
8. Domingo de Soto (In IV, dist. 14, q. 2, art. 6) não apenas admite que a opinião contrária é a comum, mas também que a opinião de Santo Tomás é difícil de entender e de defender. Bartolomeu de Medina também considera a opinião contrária bastante provável e afirma que se pode sustentar que o livre arbítrio não realiza, junto com a graça que torna agraciado, a disposição última para essa graça, mas sim junto com uma moção distinta do auxílio da graça preveniente; além disso, ele sustenta que, quando Santo Tomás fala de 'graça' nos lugares citados, não se refere à graça que torna agraciado, mas a um auxílio particular. No entanto, ele defende a opinião de Santo Tomás. Pois, embora não se possa negar que, além de se referir à graça habitual, Santo Tomás também fala desse outro auxílio particular — como é evidente pelo que ele diz na Summa Theologica, 1. 2, q. 109, art. 7 e seguintes; q. 112, art. 2 —, ainda assim, nos outros lugares citados, ele afirma claramente que a própria graça que torna agraciado coopera de maneira eficiente no ato do livre arbítrio que se realiza no instante em que a própria graça é infundida.
Eu também declaro que nunca fui capaz de entender de que modo a graça que torna alguém agraciado pode concorrer no ato do livre arbítrio, que é uma disposição que se requer previamente para alcançar essa graça; daí que sempre julguei muito mais provável a opinião contrária comum.
9. Mas, aproveitando a ocasião do quarto argumento apresentado e para que tudo isso seja melhor compreendido, antes de mais nada devemos explicar o que se entende pelo nome de 'justificação', sobre a qual falaremos agora.
Deixando de lado outros significados desta palavra e também, em primeiro lugar, a justificação pela qual alguém se torna justo sem que nenhum pecado o preceda ─ como todos os anjos e os primeiros pais, que, no momento em que foram criados, receberam junto com sua natureza a justiça ou graça ─ e, em segundo lugar, a justificação pela qual o justo aumenta sua justiça ─ da qual no Apocalipse, XXII, 11, lemos: o justo continuará praticando a justiça; no Eclesiástico, XVIII, 22: não esperes a morte para te justificares; em Jeremias, XXXI, 16: pois há recompensa para o teu trabalho; e em Tiago, II, 24: vemos que o homem se justifica por suas obras ─, a justificação do ímpio ou do pecador pode ser definida da seguinte maneira, segundo as palavras do Concílio de Trento (sessão 6, capítulo 4): é a transição do estado de pecado mortal para o estado de graça e de adoção como filhos de Deus por Jesus Cristo, nosso Salvador.
10. Não apresentei exatamente a mesma definição que o Concílio oferece no trecho citado, mas uma que pode ser deduzida das palavras do Concílio, porque, quando no trecho citado o Concílio define a justificação da seguinte maneira: é a transição do estado em que o homem nasce como filho do primeiro, ou seja, Adão, para o estado da graça e da adoção como filhos de Deus por meio do segundo Adão, nosso Senhor Jesus Cristo; ele não define genericamente a justificação do ímpio, mas apenas a justificação pela qual alguém que ainda não é fiel e que também não foi purificado da mancha original é transferido para o estado de graça. Pois, a partir do capítulo 14 da mesma sessão, o Concílio começa a falar dessa outra justificação do ímpio pela qual um homem fiel que, após uma primeira justificação, caiu em pecado mortal, alcança novamente a justificação. Além disso, até o capítulo 14, o Concílio de Trento fala apenas da justificação do adulto infiel e do modo como ela ocorre, quando o adulto infiel se justifica apenas arrependendo-se dos pecados, sendo este ato — que chamamos de 'atrição' — suficiente uma vez batizado, como é evidente de acordo com o que o Concílio declara no capítulo 6 e na explicação que oferece, que devemos ter muito presente. Uma vez explicada essa justificação, é fácil entender qualquer outra. Portanto, para oferecer uma definição partindo das palavras do Concílio e que abranja genericamente toda justificação do ímpio, em vez das palavras: é a transição do estado em que o homem nasce como filho do primeiro, ou seja, Adão; dissemos: é a transição do estado de pecado mortal.
11. O Concílio declara no capítulo 7 que esta justificação não implica apenas o perdão dos pecados, mas também a santificação e a renovação pela graça e pelos dons; assim, por meio dela, o homem injusto se torna justo e de inimigo passa a ser amigo e herdeiro da vida eterna.
O Concílio acrescenta: '... a causa eficiente desta justificação é Deus misericordioso, que santifica gratuitamente, marcando e ungindo através do Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança..., a causa meritória é Cristo, nosso redentor, que com sua santíssima paixão na cruz nos fez merecedores da santificação e deu satisfação ao Pai por nós..., a causa formal é a justiça de Deus, não enquanto Deus é justo, mas enquanto nos torna justos, porque, uma vez que Deus nos a concedeu, o espírito de nossa mente é renovado e não apenas somos considerados justos, mas verdadeiramente somos e recebemos o nome de ‘justos’, quando recebemos em nós a justiça, cada um a sua. Pois, embora ninguém possa ser justo, exceto aquele a quem são comunicados os méritos da paixão de Cristo, no entanto, isso acontece na justificação do ímpio, quando, pelo mérito desta santíssima paixão, a caridade de Deus se difunde através do Espírito Santo nos corações daqueles que alcançam a justificação, aderindo-se a eles'. Certamente, de acordo com estas palavras e todas as demais que o Concílio acrescenta no mesmo capítulo, nos capítulos 8 e 10 e em toda a sessão, é evidente que a justiça pela qual formalmente somos justos e pela qual Deus nos faz ser justos misericordiosamente, é a caridade habitual e a graça que Deus nos infunde pelos méritos de Cristo e em virtude da qual somos justos mesmo quando dormimos e perdemos a cabeça.
12. Mas devemos observar que a palavra 'fazer' e suas derivadas, em algumas ocasiões, são utilizadas para significar apenas o influxo e a causalidade de uma causa eficiente e, por isso, a ação através da qual essa causa produz o efeito e em virtude da qual formalmente se denomina 'eficiente'; mas em outras ocasiões são utilizadas para significar a causalidade de outras causas. Pois dizemos que a brancura 'faz' o branco não como causa eficiente, mas formal, e que a graça, que é o termo formal da justificação, 'faz' o agraciado; em virtude desse efeito formal, ela é chamada de 'graça que faz agraciado'.
13. Portanto, de acordo com tudo isso, se com a palavra 'justificação' estamos significando a ação pela qual Deus nos torna justos de maneira eficiente e nos transfere do estado de pecado mortal para o estado de graça e de adoção como seus filhos, então a justificação não será outra coisa senão a infusão do hábito da caridade e da graça, em virtude da qual dizemos que, como ação da justificação, produz e aperfeiçoa o efeito. Mas se com ela estamos significando causalidade de causa formal, não será outra coisa senão atuação —ou informação— através da qual o hábito da caridade e da graça infundida por Deus atua e informa a alma daquele que alcança a justificação, porque por meio dessa atuação expulsa o pecado formalmente —da mesma forma que, uma vez que o ar recebe a luz, a escuridão que ocupava o ar desaparece formalmente— e converte em justo aquele a quem informa e sobre o qual atua e, consequentemente, em termos de causa formal, o converte e o transfere do estado de pecado para o estado de justiça e de adoção como filhos de Deus. Utilizando a palavra 'justificação' nesse sentido, dizemos que a graça e a caridade justificam e que Deus justifica por meio dessa graça e caridade como causas formais, embora digamos que Deus justifica pela própria infusão —entendida como ação— dessa mesma graça.
14. Sem dúvida, o conceito de justificação que definimos e explicamos deve ser entendido em termos genéricos e unívocos em relação a toda justificação genérica do ímpio após o pecado de Adão, seja essa justificação realizada em crianças pequenas ou em loucos pela intervenção do sacramento, ou em adultos que apenas fizeram um ato de atrição ─também pela intervenção do sacramento─ ou em adultos que fizeram um ato de contrição e sofrerão a dor sobrenatural dos pecados por amar a Deus em grau máximo, sendo essa a razão pela qual, embora ainda não tenham recebido o sacramento, alcançarão a justificação. Além disso, embora a partir do capítulo 4 o Concílio de Trento também se refira a essa última justificação dos adultos infiéis, no entanto, pretende principalmente explicar a justificação dos adultos infiéis que fizeram um ato de atrição e, por isso, declara que o batismo é a causa instrumental dessa justificação.
15. Pelo que dissemos, é fácil entender que o quarto argumento que apresentamos é absolutamente inútil; tampouco é verdadeiro o sentido que dá às palavras do Concílio de Trento nas quais se apoiam aqueles que o defendem. Pois ninguém pode negar com probabilidade, nem com segurança, que o que o Concílio ensina com essas palavras se aplica também à justificação das crianças pequenas e que, por meio dos hábitos sobrenaturais de fé, esperança e caridade que recebem quando são batizadas, essas crianças se unem a Cristo e se tornam membros vivos dele, apesar de que, nesse instante, não realizem nenhuma operação vital, nem exerçam nenhum ato de fé, esperança ou caridade. Por essa razão, a união a que se referem essas palavras não se produz pelo influxo dos hábitos —como causa eficiente— sobre os atos de fé, esperança e caridade que o justificado realiza nesse momento.
16. Também é evidente que a demonstração adicionada a este argumento é inútil. Pois, nas crianças pequenas justificadas e em nós mesmos quando dormimos, há vida espiritual em razão da caridade e da graça, em virtude das quais somos formalmente justos, sem qualquer operação de vida espiritual proveniente desses hábitos. Não consigo entender como —segundo a opinião dos autores com os quais disputamos— pode-se defender que o ato que o justificado realiza no instante em que recebe a graça pela primeira vez não é meritório da graça, se —segundo afirmam— nesse mesmo instante esse ato procede da vida da graça e da caridade de maneira eficiente. Pois esse mesmo ato, continuado além desse instante, ou qualquer outro ato realizado novamente após a recepção da graça, é meritório não apenas da glória, mas também da graça, porque procede da graça ou da vida espiritual da alma de maneira eficiente. Ninguém ousará dizer que, no primeiro instante em que se recebe a graça, esse ato é meritório da graça, porque, uma vez realizado esse ato, a primeira graça se deveria a um mérito, sendo isso errado.
17. A isso devemos acrescentar o seguinte. Embora seja errado e mais do que perigoso em matéria de fé que alguém queira negar que o que o Concílio ensina com essas palavras se aplica à justificação das crianças, no entanto, de modo algum se poderá negar que se aplica à justificação dos adultos infiéis que recebem a justificação atritos apenas por medo servil e tendo sido batizados, porque nos capítulos citados o Concílio fala principalmente da justificação cuja causa instrumental é o batismo, de tal modo que, pelo menos, não se pode negar que no lugar citado se refere a essa justificação. Mas, em virtude da caridade e da graça que recebem através dessa justificação, unem-se a Cristo e se tornam membros vivos dele, de tal modo que, no entanto, nesse momento a caridade não realiza nenhum ato, principalmente porque, se os que dormem ou os loucos recebessem o batismo após tê-lo pedido antes de cair no sono ou na loucura, do mesmo modo receberiam a graça.
18. O sentido dessas palavras do Concílio de Trento é facilmente compreendido se considerarmos a Igreja universal, que é, desde a queda dos primeiros pais, um corpo místico cuja cabeça é Cristo enquanto homem. Os homens se unem misticamente a Cristo por pertencerem ao corpo da Igreja; por essa razão, são membros de Cristo. Essa sempre foi a fé em Cristo, seja de forma implícita, seja explícita, dependendo dos diferentes estados da Igreja militante; porque não há sob o céu outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos... a quem Deus exibiu como instrumento de propiciação por seu próprio sangue &c. Mas, assim como pelo fato de um homem — seja recebendo o sacramento, seja não recebendo, seja criança, seja adulto — receber o hábito sobrenatural da fé, ele se torna parte da Igreja universal, assim também, esse homem se torna membro de Cristo — unido nesse corpo à sua cabeça — e permanece unido, quando dorme e quando está acordado, quando realiza o ato de fé e quando não o realiza por ser totalmente incapaz de fazê-lo, como as crianças pequenas e os loucos. Embora o hábito da fé una misticamente a Cristo e transforme o homem em seu membro dentro do corpo da Igreja, no entanto, se a esse hábito não forem acrescentados os hábitos de esperança e de caridade — que são a vida espiritual da alma, expulsam a morte do pecado e concedem forças para as obras meritórias da vida eterna —, ele unirá de maneira imperfeita e apenas produzirá membros que permanecerão mortos por causa do pecado mortal e serão incapazes de realizar qualquer obra meritória da vida eterna. Por essa razão, é evidente que os hábitos infusos de fé, esperança e caridade unem a Cristo, enquanto homem e enquanto cabeça da Igreja — sobre essa união o Concílio fala claramente no lugar citado —, mas não em termos de causa eficiente, mas sim em termos quase formais, da mesma forma que a forma se une à matéria disposta e da mesma forma que uma parte da água se une a outra parte. Aquele que nos infunde esses hábitos — a saber, Deus — é o que, pelos méritos de Cristo e por sua misericórdia, nos une ao próprio Cristo de maneira eficiente através desses hábitos, como causas formais que nos tornam membros vivos de Cristo. Muito diferente é a união que se atribui à caridade através de seu ato — na medida em que, segundo Dionísio, o amor une o amante à coisa amada e o transforma nela —, da qual se fala no quarto argumento que apresentamos; pois essa é uma união com o objeto próprio da caridade, a saber, com Deus — na medida em que existe —, e não com Cristo, enquanto homem e cabeça da Igreja; sem dúvida, no lugar citado o Concílio não fala dessa união.
19. Para entender melhor o que o sagrado Concílio quer dizer e o que se entende sob o conceito de justificação, devemos observar que, com essas palavras, o propósito do Concílio era rejeitar e condenar o erro pestífero dos luteranos — a saber, que somente a fé justifica —, assim como explicar ao mesmo tempo em que sentido nas Sagradas Escrituras, em algumas ocasiões, a justificação se atribui à fé. Por esta razão, como o Concílio explica — desde o capítulo 5 até as palavras citadas — todo o processo da justificação e ensina que nela concorrem a fé e a esperança, completando-se a justificação por meio da caridade e da graça infusas nos corações de quem é justificado, acrescenta: «Daí que, na justificação com perdão dos pecados, o homem receba, graças a Cristo, a quem acede, estas três coisas infundidas simultaneamente: fé (aqui deve subentender-se: não só a fé, mas), esperança e caridade»; a seguir, o Concílio acrescenta a razão do que acabo de dizer que deve subentender-se: «Pois a fé não pode, a menos que se lhe acrescentem a esperança e a caridade, unir perfeitamente a Cristo, nem fazer de alguém membro vivo de seu corpo. Por este motivo, com toda razão se diz que a fé sem obras está morta e ociosa e que em Cristo Jesus não têm nenhum valor circuncisão, nem prepúcio, mas a fé que opera por meio da caridade. Esta é a fé que os catecúmenos pedem à Igreja antes do sacramento do batismo e conforme à tradição dos apóstolos, quando pedem a fé que alcança a vida eterna, embora esta fé não possa alcançar a vida eterna sem esperança, nem caridade. Daí que, em seguida, escutem a palavra de Cristo: se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. Assim, pois, após receber a justiça verdadeira e cristã, como primeira veste — em substituição da que Adão, por sua desobediência, perdeu para si mesmo e para nós — doada branca e sem mancha por Jesus Cristo, se lhes mandará, uma vez renascidos, conservá-la para que a apresentem ante o tribunal de Cristo e obtenham a vida eterna». Certamente, a justiça — e a veste que os catecúmenos tomam ao serem batizados, em substituição da que Adão perdeu para si mesmo e para nós, mandando-se-lhes que a mantenham branca e sem mancha — não é outra coisa que o hábito da caridade e da graça que Adão, por causa de seu pecado, perdeu para si mesmo e para nós e é exatamente igual tanto nas crianças, como nos adultos batizados; em consequência, os padrinhos a pedem à Igreja em nome das crianças antes de serem batizadas; para sua conservação é necessária a observância dos mandamentos durante o tempo em que obriguem sob pecado mortal; não se perde unicamente por infidelidade, como sustentam os luteranos, mas também por qualquer outro pecado mortal; por esta razão, o Concílio diz que nos adultos a fé sem as obras «está morta e ociosa».
20. Em seguida, no capítulo 8 seguinte, o Concílio explica que na Epístola aos Romanos, III, 22-24, São Paulo diz que o homem é justificado pela fé e gratuitamente «..., porque a fé é o início da salvação humana, fundamento e raiz de toda justificação —sem a qual é impossível agradar a Deus e tornar-se um de seus filhos—, que se alcança de maneira gratuita, já que nada do que precede à justificação —seja a fé, sejam as obras— resulta meritório para receber a graça da justificação, porque se é graça, já não procede das obras; de outro modo, como diz o apóstolo, a graça não seria graça». Eis que o Concílio acrescenta que a fé —que, segundo declara, é início da salvação humana— é fundamento e raiz de toda justificação e, por isso, também da justificação das crianças; sem dúvida, isso não pode ser entendido, exceto referido à fé infusa habitual, que, em primeiro lugar, nos une à nossa cabeça —embora de maneira imperfeita, como já explicamos— e nos faz membros de Cristo. Mas como nossa salvação está na união com nossa cabeça no corpo da Igreja e esta é a primeira união e raiz e fundamento de tudo o mais, com razão o Concílio declara que o hábito infuso da fé é início de nossa salvação e base e fundamento de tudo o que conduz à justificação, de tal modo que permanece no justificado e o une com sua cabeça, da qual procede a vida da caridade e da graça, que supõem a salvação íntegra e perfeita somente através da união pela fé. Mas isso não implica que nos adultos não seja necessário que, por natureza, ao menos lhes preceda o ato sobrenatural de crer, em virtude do qual —concebendo, graças ao sentido da audição, tudo aquilo que é matéria de fé e também prevenidos e incitados pela ilustração e o auxílio divinos— se movem livremente para Deus, crendo que é verdade o que Ele nos revelou e prometeu, como ensina o Concílio nos capítulos 5 e 6; deste modo, ajudados por Deus, em última instância se dispõem a receber o hábito da fé, graças ao qual —unidos à sua cabeça, que é Cristo, e convertidos em seus membros— neles mesmos está o início da salvação e a raiz e o fundamento da mesma.
21. Pelo que dissemos, já é fácil entender que uma coisa é o início da salvação como raiz e fundamento da justificação — do qual fala o Concílio de Trento no capítulo 8 citado — e outra coisa é o começo da justificação dos adultos por meio da graça preveniente que incita, chama e aparece por auxílios particulares que não permanecem no justificado, mas são transitórios, dos quais o Concílio fala nos capítulos 5, 6 e nos seguintes. Pois a primeira é comum a toda justificação considerada genericamente. Mas a segunda é própria da justificação dos adultos e a precede por natureza.
22. É possível que alguém diga que a justificação do adulto também pode ser considerada em função das disposições prévias dos atos sobrenaturais de crer, ter esperança, amar e arrepender-se, que Deus, como pai de toda santidade e justiça, exige por lei ordinária, com o objetivo de infundir Ele mesmo — pelos méritos de Cristo — a justiça e o hábito da caridade para justificar formalmente, da mesma forma que à alteração prévia para a introdução da forma substancial chamamos 'geração substancial necessária' por denominação tomada da introdução da forma substancial, em relação à qual esta alteração é ordenada como caminho para ela. É possível que além disso se acrescente que à justificação do adulto considerada desta maneira concorre de forma eficiente o hábito da caridade e da graça no instante em que é infundido — e não apenas o influxo do auxílio sobrenatural transitório — e que, em virtude do influxo do hábito da caridade e da graça, se transporta ao ser sobrenatural da disposição última requerida para este hábito de caridade e de graça.
23. Quem sustentar tal coisa, deve ter em mente, em primeiro lugar, que há uma grande diferença entre uma alteração prévia em relação à introdução de uma forma substancial — pois nesta introdução reside a razão formal e mais apropriada da geração substancial — e as disposições prévias do adulto necessárias para a justificação. Pois a alteração prévia produz de maneira eficiente a união da forma substancial com a matéria e, de fato, se diz que aquele que, alterando deste modo, dispõe a matéria, gera de maneira substancial; consequentemente, não deve surpreender que a alteração seja denominada — a partir do termo que introduz e produz — 'geração' como caminho para ela. No entanto, as disposições sobrenaturais prévias não introduzem — nem de maneira meritória, nem muito menos de maneira eficiente fisicamente — a caridade e a graça, mas são apenas condições sem as quais Deus não quer infundir a caridade e a graça, apesar dos méritos de Cristo e de sua misericórdia. Ninguém sustenta também que quem, com a cooperação divina, se dispõe deste modo, se justifique a si mesmo, porque Deus é o único que justifica. Por esta razão, apesar do que sustentam em sentido contrário Melchor Cano (De locis theologicis, lib. 12, cap. 13 ad 7) e Ruardo Tapper (Explicatio, artigo sobre a justificação, p. 5, § Hunc sensum), não há por que denominar 'justificação' à introdução destas disposições, mas apenas 'disposição para a justificação'; além disso, só deve ser admitido que o adulto, com a cooperação divina, se dispõe ele mesmo para a justificação, mas não que se justifique a si mesmo; mais ainda, tampouco coopera na justificação, mas apenas se dispõe e se prepara. Por esta razão, embora se deva admitir que o hábito da caridade e da graça concorre de maneira eficiente na disposição última para este hábito, no entanto, não se pode afirmar que concorra de maneira eficiente na justificação, porque esta disposição última não é justificação, nem uma parte da justificação, mas disposição para a justificação, que reside unicamente na infusão do hábito da caridade e da graça.
24. Também deve-se levar em consideração que, pelo menos no caso da justificação do adulto que, ao receber o sacramento, ocorre apenas com atrição, não se pode afirmar que o hábito da caridade e da graça concorra de modo eficiente na disposição última para este hábito. Pois, nesse momento, o ato do livre arbítrio não é uma disposição última para a graça, mas o sacramento, juntamente com este ato, completa a disposição última; ninguém dirá que o hábito da caridade e da graça concorre de modo eficiente neste sacramento; além disso, nesse instante também não ocorre nenhum ato de dileção —realizado ou ordenado—, em cuja produção possa concorrer de modo eficiente o hábito da caridade e da graça, mas apenas ocorre —unicamente por temor servil— uma dor pelos pecados que se converte, através de um influxo muito distinto, em temor sobrenatural.
25. Embora admitamos que o ato sobrenatural de contrição, que é a disposição última para a graça, possa ser chamado de 'justificação' de maneira imprópria — e falo assim para não dizer bobagens —, porque é disposição e caminho para a justiça, no entanto, não acredito que se possa defender como provável que, neste ato, como disposição última para a graça, concorra de modo eficiente o hábito da caridade e da graça, ao qual dispõe em última instância, de tal forma que se pudesse dizer que, consequentemente, o hábito da graça e da caridade concorre de maneira eficiente na justificação do ímpio.
26. Em primeiro lugar: Porque, se o ato sobrenatural de contrição procede de maneira eficiente do hábito da caridade e da graça, não vejo como se possa defender que ele não seja meritório não apenas da glória, mas também da graça, como já deduzimos anteriormente; admitir isso seria mais do que perigoso em matéria de fé. Além disso, admitida essa opinião, também seria necessário admitir que esse ato, enquanto disposição última para a graça primeira, seria meritório da graça, porque, enquanto disposição última, dizemos que ele procede de maneira eficiente do hábito da graça e até mesmo que se completa por meio do influxo do próprio hábito como causa eficiente, enquanto disposição última para esse hábito.
27. Em segundo lugar: Porque não consigo entender de que modo, no ato que é exigido previamente para a infusão do hábito —enquanto disposição para esse hábito— de tal forma que o livre consentimento e a influência do arbítrio sobre esse ato dependem de sua ocorrência, concorre —nesse exato momento em que é a disposição final para o hábito— de maneira eficiente o próprio hábito, que existiria previamente, informaria a alma e suas potências e influenciaria como causa eficiente, antecedendo por natureza à existência do próprio ato que dispõe para esse hábito, especialmente sendo matéria de fé que o livre arbítrio, prevenido e estimulado por Deus —através do auxílio da graça— para realizar esse ato, pode não consentir e não realizá-lo no mesmo instante em que o realiza —e no qual já se encontra estimulado e prevenido por Deus—, tornando inútil a graça assim recebida e não alcançando posteriormente o dom da justificação. Por essa razão, a graça que previne, estimula e ajuda o livre arbítrio no mesmo instante em que ele consente ou se entristece pelos pecados —pelo que finalmente se dispõe para o dom da justificação— não é o hábito da caridade e da graça através do qual se justifica formalmente, nem uma influência sua, mas um auxílio e uma moção totalmente distintos que antecedem à própria justificação, à disposição final e à influência do livre arbítrio sobre ela; não consigo entender de que modo a vontade permaneceria livre para realizar e não realizar o ato de contrição, se previamente recebesse, como causa eficiente, o hábito da caridade e da graça e essa influência a ajudasse a realizar o ato de contrição. Certamente, uma vez conferido o hábito da graça —e anteriormente por natureza à realização do ato de contrição—, ele não pode desaparecer e, consequentemente, teria que se admitir que nesse instante a vontade não permanece livre para não realizar o ato de contrição ou teria que se sustentar que o adulto poderia receber o hábito da caridade e da graça sem estar disposto para ela em última instância; no entanto, ninguém admitirá nenhuma das duas coisas.
28. Em terceiro lugar: Porque o Concílio de Trento — como já explicamos extensamente anteriormente — ensina que, com os auxílios da graça preveniente e excitante — que diferem do hábito da caridade e da graça e que, uma vez concedidos por Deus, podem se tornar inúteis em virtude da liberdade do arbítrio —, os adultos se dispõem, em última instância, para receber o dom da justificação ou o hábito da caridade e da graça; finalmente, este hábito é infundido quando, por meio desses auxílios e da influência livre do arbítrio, se produz essa disposição. Pois, embora omitamos o que o Concílio ensina claramente sobre essa questão (sessão 6, capítulo 5 e 6), o terceiro cânon da sessão 6 diz: 'Se alguém disser que, sem a inspiração preveniente do Espírito Santo e sem sua ajuda, o homem pode crer, ter esperança, amar ou arrepender-se na medida necessária para que lhe seja concedida a graça da justificação, seja anátema'. Eis que o Concílio declara que, por inspiração e ajuda do Espírito Santo, o homem realiza os atos de crer, ter esperança, amar e arrepender-se como se requer — ou seja, esses atos são disposições suficientes — para que lhe seja concedida a graça da justificação; consequentemente, declara que a graça da justificação — que não é outra coisa senão o hábito da caridade e da graça — é concedida uma vez que esses atos são realizados como disposições últimas que dependem desses auxílios prévios e particulares e da influência livre do homem. O cânon quarto diz assim: 'Se alguém disser que o livre arbítrio do homem, movido e excitado por Deus, não coopera assentindo — quando Deus o excita e o chama a dispor-se e preparar-se para obter a graça da justificação — e que também não pode dissentir, mesmo que queira, seja anátema'. Eis que o Concílio declara que Deus, por meio de um auxílio e influência distintos, excita e move o livre arbítrio para a disposição sobrenatural, após a qual — uma vez em posse dela — obtém posteriormente, por natureza, a graça da justificação e, por isso, o hábito da caridade; também declara que o próprio livre arbítrio coopera assim com Deus, que o excita e chama de tal modo que, se quiser, pode dissentir após essa excitação e esse chamado e não se preparar em última instância para a graça da justificação. Não sei o que pode ser dito mais claramente para que se entenda que a disposição última para a justificação ou para o hábito da caridade e da graça não é produzida de maneira eficiente pelo próprio hábito da caridade e da graça, mas pelos outros auxílios prévios.
29. Mas, para que isso seja melhor compreendido e os argumentos contrários possam ser mais facilmente refutados, devemos observar que os hábitos infusos de fé, esperança e caridade ou graça, não apenas são operativos, mas também agem por si mesmos por necessidade da natureza; no entanto, não são causas completas de seus atos, como é bem sabido, porque, para poder produzir esses atos, em si mesmos dependem do influxo livre das potências nas quais residem. Além disso, o modo próprio que têm de influenciar seus atos é atraindo as potências e facilitando que estas produzam seus atos. Esta é a cooperação com as potências apropriada e dirigida aos seus atos, sejam eles atos e hábitos naturais, sejam sobrenaturais.
30. Daí resulta, em primeiro lugar, que quando dormimos ou quando abandonamos livremente o exercício dos atos, os hábitos não realizam nenhuma ação; também acontece que, por meio do influxo livre das potências, fazemos uso, quando queremos, dos hábitos para as operações.
31. Pela mesma razão, embora no mesmo instante em que o hábito ─pelo menos se preceder por natureza ao influxo da potência para a operação─ apareça pela primeira vez, possa concorrer de maneira eficiente na operação da potência, atraindo-a e facilitando o ato que produz nesse instante, no entanto, se a potência influi e produz o ato antecedendo por natureza ao aparecimento do hábito, o hábito que aparece posteriormente por natureza de modo algum poderá concorrer no mesmo instante nesta operação, porque, assim como não ajudará a potência atraindo-a e dispondo-a a influir sobre este ato com prioridade de natureza, tampouco poderá ajudá-la a realizar dito ato, na medida em que teria sido produzido por um influxo anterior.
32. Da primeira parte do que inferimos, segue-se que os hábitos de fé, esperança e caridade infundidos a todos os anjos e aos primeiros pais no primeiro momento em que foram criados teriam concorrido de maneira eficiente nos atos de crer, de ter esperança e de amar que realizaram naquele mesmo instante. Pois, como os teriam recebido anteriormente por natureza antes de realizarem esses atos, porque ─como diremos mais adiante no momento oportuno─ esses hábitos lhes teriam sido conferidos sem que se esperasse nenhuma disposição prévia da parte deles ─pois, como diz Santo Agostinho, Deus lhes conferiu a graça ao mesmo tempo em que criou suas naturezas─, com toda razão puderam concorrer com as potências, atraindo-as e dispondo-as a influir naquele mesmo instante sobre os atos que realizaram naquele momento. O mesmo teria que ser dito dos hábitos naturais que, ao mesmo tempo que sua natureza, os primeiros pais receberam de Deus por infusão, sendo esses hábitos iguais aos que eles poderiam alcançar com suas próprias forças. Pois, como esses hábitos lhes foram conferidos anteriormente por natureza antes de exercerem seus atos, puderam concorrer de maneira eficiente nos atos das ciências e das virtudes que os primeiros pais realizaram naquele mesmo instante.
33. Mas da segunda parte do que foi inferido, segue-se que, embora os hábitos naturais que só se adquirem em virtude de nossas forças sejam operativos e ajam por necessidade da natureza, no entanto —como é da opinião comum de todos—, no instante em que aparecem pela primeira vez, não influenciam com a potência sobre o ato pelo qual aparecem, apesar de que nesse mesmo momento se realize o ato e exista o hábito. Pois, como a potência influencia sobre este ato e o produz com anterioridade por natureza ao aparecimento do hábito que surge por meio deste mesmo ato nesse mesmo instante, por isso, este hábito não pode atrair e ajudar a potência na influência —com prioridade de natureza— sobre este ato e, por isso, tampouco pode ajudar na produção do ato. No entanto, se a potência persevera no mesmo ato, então, uma vez adquirido o hábito, este atrairá a potência e a tornará idônea para influenciar sobre este ato todo o tempo restante; por isso, a partir deste momento, este ato procederá de maneira eficiente da potência e do hábito.
34. Esta é a mesma razão pela qual, na questão que estamos tratando, o hábito da caridade e da graça infundido no momento da justificação do ímpio não concorre de maneira eficiente no ato de contrição e de dileção sobrenatural realizado nesse instante. Pois, como este ato, enquanto disposição para o hábito da caridade e da graça, precede por natureza ao próprio hábito, por isso, o influxo sobre este ato procede do livre-arbítrio —estimulado, prevenido e sustentado pelos auxílios da graça preveniente— com anterioridade por natureza à infusão do hábito ao ímpio —já suficientemente disposto para este ato— e, consequentemente, nesse instante o hábito não pode ajudar o livre-arbítrio influindo junto com ele de maneira eficiente sobre a produção deste ato. Portanto, embora o adulto —por meio dos hábitos da fé, da esperança e da caridade que lhe são infundidos na justificação— receba forças para crer, ter esperanças e amar de modo sobrenatural e, por isso, tornar-se merecedor não apenas da beatitude, mas também de um aumento da graça, no entanto, esses hábitos não exercem nenhuma eficiência sobre esta faculdade nos atos que, como disposições, antecedem à infusão desses hábitos, mas sim posteriormente, na continuação desses atos e em outros que as potências realizam novamente após a infusão dos hábitos.
O Concílio de Trento (sessão 6) indica isso com suficiente clareza, se suas palavras forem lidas e consideradas com atenção. Pois, ao explicar ─até o capítulo 10, não incluído─, todo o processo da justificação até que o infiel adulto alcance a justiça, não utiliza nenhuma palavra que possa levar alguém a pensar ─acreditando que essa é a intenção do Concílio─ que a própria justiça concorre de maneira eficiente nos atos do adulto, mas, ao contrário, o Concílio atribui toda a eficiência e o concurso sobrenatural a diferentes auxílios da graça preveniente e excitante. No capítulo 10, uma vez explicada completamente a primeira justificação, o Concílio acrescenta: «Portanto, assim se renovam os justificados, tornando-se amigos e servos de Deus e indo de virtude em virtude, como diz São Paulo, de dia em dia, isto é, mortificando os membros de sua carne e exibindo-os como armas de justiça para santificação pela observância dos mandamentos de Deus e da Igreja; na própria justiça recebida pela graça de Cristo, com a cooperação da fé, crescem com as boas obras e se justificam ainda mais, como está escrito: que o justo se justifique ainda mais; e também: não temas justificar-te, nem esperes pela morte para isso; igualmente: ¿Vedes que o homem se justifica pelas obras e não somente pela fé? Este é o incremento da justiça que a Igreja pede, quando reza: Dai-nos, Senhor, aumento de fé, esperança e caridade». Assim fala o Concílio no capítulo 10 citado; nos três seguintes, ocupa-se da observância dos mandamentos, necessária para o justificado, e do dom da perseverança na justiça recebida.
35. Finalmente, devemos destacar que, embora no adulto a disposição final para a graça geralmente comece com um primeiro ser, no qual simultaneamente se infunde o hábito da caridade e da graça, no entanto, falando em termos morais, esse ato não pode cessar em seu ser final, mas sempre se prolonga por algum tempo. Portanto, durante todo o tempo em que —após o primeiro instante em que o hábito é infundido— esse ato persiste, nele concorre de maneira eficiente o hábito da caridade e da graça, como já dissemos várias vezes; consequentemente, durante todo esse tempo, torna-se merecedor de um aumento da glória e da graça.
36. Portanto, em relação ao primeiro argumento, concedendo a premissa maior, devemos negar a menor. Pois, para que esse ato — especialmente por ser sobrenatural devido ao influxo da graça preveniente juntamente com o livre-arbítrio — seja meritório da vida eterna, basta que, no mesmo instante, com posterioridade de natureza, esteja acompanhado do hábito da caridade e da graça, através do qual o ato que o homem realiza se torna agradável a Deus no mesmo instante em que ele se torna filho adotivo de Deus. Pois, assim como o adulto se torna agradável a Deus através do hábito que recebe — alcançando dessa forma a vida eterna —, da mesma maneira, esse ato sobrenatural realizado de maneira eficiente com prioridade de natureza, torna-se agradável com a chegada do hábito — permitindo assim alcançar a vida eterna — na medida em que se torna meritório da vida eterna por sua união com o hábito. Por outro lado, a razão pela qual esse ato só é meritório da vida eterna e não da graça, está no fato de que a graça de modo algum o precede de tal forma que — como uma semente que precede e uma fonte que brota por própria natureza — o torne merecedor de um aumento da graça para alcançar a vida eterna.
37. Em relação ao segundo argumento, concedendo também a premissa maior, devemos dizer que a premissa menor só é verdadeira quando a força para agir precede por natureza ao influxo da ação e não quando a força para agir é apenas uma causa coadjuvante —e de modo algum necessária para a ação— e aparece posteriormente por natureza ao influxo da ação, como demonstramos que acontece aqui.
38. Em relação ao terceiro argumento, devemos negar seu antecedente quando uma coisa é uma disposição que é requerida previamente para a existência de outra. Pois essa disposição, que é necessária anteriormente, não pode emanar de maneira eficiente de algo que a requer previamente para existir como sujeito que deve receber essa disposição. Os exemplos que são apresentados junto com o argumento não demonstram tal coisa com evidência suficiente.
39. Quanto ao primeiro exemplo, devemos negar que, em termos de causa eficiente, a entrada do ar preceda a abertura da janela. Pois uma coisa é a força que é impressa no ar, pela qual ele se move e se comprime contra a janela; outra coisa é o movimento do ar, pelo qual ele se dirige para a janela e se comprime contra ela; outra é a força que é impressa na janela, pela qual ela se abre e se move com movimento de abertura; e outra é a entrada do ar pela janela, que, sem dúvida, é o efeito último em termos de causa eficiente. Pois, embora em termos de causa eficiente o influxo sobre o ar anteceda o influxo sobre a janela e as causas eficientes influenciem a janela por meio do influxo sobre o ar, no entanto, em termos de causa eficiente, esses efeitos são ordenados da maneira que acabamos de mencionar, e o efeito último é a entrada do ar pela janela. Pois as causas primeiras que realizam tudo isso, em primeiro lugar, imprimem uma força no ar, através da qual o movem em direção à janela. Mas essa impressão, força ou ímpeto sobre o ar, não produz um movimento local, mas uma alteração do ar. Além disso, essa força move o ar em direção à janela com movimento local e o comprime contra ela — estando fechada —, porque supera a resistência do ar. Por sua vez, o ar, movido assim localmente e comprimido contra a janela devido à força que lhe foi impressa, em razão do movimento de sua compressão contra a janela, imprime sobre ela outra força em direção ao interior do ambiente. Como essa força é uma qualidade, sua impressão produz uma alteração da janela e não um movimento local. Além disso, no instante em que a força impressa sobre a janela é tão grande quanto sua resistência, ocorre pela última vez a não existência do movimento local de abertura da janela — porque nesse momento não há movimento —, mas imediatamente depois, quando essa força supera a resistência da janela, ocorre seu movimento de abertura. A esse movimento segue-se o movimento de entrada do ar simultaneamente, mas com posterioridade de natureza, na medida em que, em termos de causa eficiente, o obstáculo da janela que impede a entrada desaparece devido a esse movimento prévio antes que se siga, em termos do mesmo gênero de causa, a entrada do ar; pois o ar não abre a janela com sua entrada, mas em virtude da força que imprime sobre ela antes de que ela se abra e de que o ar prossiga para sua abertura. O mesmo acontece quando tiramos um prego com outro prego; pois, em termos de causa eficiente, a expulsão do prego que é tirado antecede a entrada do outro prego, embora a força sobre o prego que é tirado derive do prego com o qual o tiramos.
40. Quanto ao segundo exemplo, admitindo que se possa proceder a uma redução à matéria prima —embora, se Aristóteles não tivesse ensinado isso tão claramente, o contrário poderia ser defendido com a maior das probabilidades, porque, por um lado, quase poderia ser tocado e visto pela própria experiência e, por outro, se evitariam grandes dificuldades— e aderindo a essa opinião, diríamos que os acidentes corpóreos estão sujeitos à matéria prima, na medida em que esta se encontre em ato primeiro pela forma substancial; no entanto, a condição sem a qual não há sujeito de um acidente é que a forma substancial esteja informada, mas de um modo ou de outro indiferentemente; agora, admitindo, como dissemos, essa proposição sobre a redução à matéria prima, terá que se dizer que da forma substancial do fogo, no instante em que esta se introduz na matéria, procede o calor através do qual, uma vez introduzido, se conserva na matéria; no entanto, a matéria não requer de antemão esse calor, que tampouco aparece na matéria, em termos de causa material e dispositiva, antes que a própria forma substancial. De fato, uma coisa é falar da disposição que a matéria requer —para que por meio dela se introduza a forma substancial do fogo—, que não procede da forma substancial que se introduz na matéria —mas do que a gera— e, além disso, em termos de causa eficiente e material —ou dispositiva—, antecede à forma substancial do fogo gerado, como todos admitem. Outra coisa é falar da condição que a matéria requer de antemão para não rejeitar a introdução da forma do gerado, sendo essa condição a expulsão da matéria das disposições contrárias que em si mesmas não toleram a forma do fogo; essa disposição ou condição requerida de antemão não procede da forma do gerado, mas do que o gera e antecede —tanto em termos de causa eficiente, como material— à introdução da forma do gerado. E outra coisa é falar das disposições connaturais à forma do gerado, que procedem acidentalmente dela no instante em que se introduz, na medida em que a redução à matéria prima se produz por expulsão da forma da lenha; assim, do mesmo modo que quando desaparece o sujeito em relação ao ato primeiro que o informava acidentalmente, igualmente desaparecem as disposições precedentes, assim também, da forma que se introduz acidentalmente na matéria —na qual não há nada que possa operar uma rejeição— procede toda a amplitude de suas disposições, por meio das quais se conserva na matéria; certamente, não é necessário que essas disposições apareçam de antemão na matéria, mas basta que acompanhem a forma substancial e a sigam em sua introdução na matéria, uma vez despojada esta de todos os seus acidentes anteriores. Por essa razão, devemos negar que essas disposições —também em termos de causa material e dispositiva— precedam à existência da forma da qual procedem.
41. Quanto ao terceiro exemplo, devemos negar que no ar que se ilumina, a expulsão ou a não existência da escuridão anteceda, em termos de causa material, à introdução da luz. Pois, como a escuridão não é outra coisa senão a ausência de luz em um sujeito capaz de recebê-la, é contraditório pensar em um ar sem escuridão e sem receber luz; por essa razão, em termos de causa material, no ar a não existência da escuridão não antecede à introdução da luz.
42. Em relação ao quarto argumento, devemos negar que unir e tornar membro vivo signifique eficiência no trecho citado do Concílio, como já explicamos.
43. Da mesma forma, quanto à demonstração, devemos negar que não possa haver vida espiritual sem operação vital, como é evidente pelo que dissemos na explicação da questão proposta.