Concordia do Livre Arbítrio - Parte III 10
Parte III - Sobre os auxílios da graça
Disputa XLV: Na qual nos perguntamos se o entendimento e a vontade concorrem de maneira eficiente com os movimentos da graça preveniente e, da mesma forma, sobre a ordem e o modo em que são gerados
1. Resta-nos examinar se somente Deus produz os movimentos da graça preveniente e excitante ou se, pelo contrário, também o entendimento concorre, simultaneamente e de maneira eficiente, nas iluminações da graça através das quais também se ilumina a vontade em relação aos afetos e aos movimentos da graça excitante que recebe.
2. Andrés de Vega (Tridentini decreti de iustificatione expositio et defensio, lib. 6, cap. 8) considera, em primeiro lugar, que, para que o entendimento entenda e a vontade queira, não é necessário que a intelecção pela qual o entendimento entende formalmente proceda do entendimento — nem mesmo considerado como uma parte da totalidade de uma causa eficiente —, porque o entendimento pode entender formalmente como receptor de uma intelecção produzida apenas por Deus ou por um anjo. Da mesma forma, não é necessário que a volição pela qual a vontade quer formalmente proceda da vontade — nem mesmo considerada como parte de uma causa eficiente —, porque a vontade pode querer corretamente por meio de uma volição produzida apenas por Deus. Vega pensa que esta é a opinião comum dos filósofos. Mas, em seguida, no que diz respeito à questão proposta, ele considera mais provável que as iluminações e outros movimentos da graça preveniente, através dos quais os pecadores são chamados tanto à fé quanto à justificação, procedam apenas de Deus de modo eficiente, com a intervenção, em algum momento, de um anjo que ajudaria transmitindo inspirações, embora o entendimento e a vontade de maneira alguma concorressem eficientemente nesses atos, mas apenas os receberiam em si mesmos.
3. Vega demonstra sua opinião da seguinte maneira. Em primeiro lugar: Assim parece que foi definido pelo Concílio de Orange II (cân. 20) com as seguintes palavras: 'No homem há muitos bens que o homem não produz; mas o homem não realiza nenhum bem que não lhe seja concedido por Deus com vistas à sua realização'. Além disso, esses bens que o homem possui, mas sem produzi-los, não parecem ser outra coisa senão movimentos da graça preveniente com os quais Deus chama, atrai e convida o homem.
4. Em segundo lugar: Recorre às palavras de Apocalipse, III, 20: «Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta &c.». Com essas palavras, Cristo ensina que, quando chama os pecadores, assemelha-se a alguém que bate à porta; portanto, assim como o ato de bater à porta só ocorre por iniciativa de quem bate, sem que o morador da casa tenha outra liberdade além de ouvir ou tapar os ouvidos para não ouvir ─e também a de abrir ou não abrir─, por isso, os movimentos da graça preveniente com os quais o pecador é chamado procedem apenas de Deus, e o pecador só pode consentir com eles ou discordar e, assim, abrir a porta do seu coração ou não abri-la.
5. Domingo de Soto (De natura et gratia, lib. 1, cap. 16) defende a opinião contrária, ou seja, que o entendimento e a vontade produzem de modo eficiente esses movimentos. Sem dúvida, é necessário aderir a essa opinião. A razão é a seguinte: como explicamos nas disputas 8 e 9 e também em outras, essas iluminações não são outra coisa senão conhecimentos provocados —por um pregador que nos fala de fora, por um anjo que age de dentro ou por outra razão— e assistidos por Deus com um influxo particular e sobrenatural, em virtude do qual o homem observa ou penetra naquilo que cai sob esse conhecimento, que está de algum modo ajustado à salvação em razão desse influxo sobrenatural de Deus. Mas Deus não transmite novas imagens para que esses conhecimentos apareçam, mas sim —introduzindo-se por meio de seu influxo nos conhecimentos que surgem em virtude de imagens adquiridas e que são produzidos por pregadores, pelo próprio Deus, por um anjo ou por alguma outra razão— é causa eficiente desses conhecimentos, que se ajustam à salvação em maior ou menor medida, dependendo de que o influxo seja maior ou menor. Por essa razão, iluminando e chamando desse modo, Deus coopera com seu influxo nos conhecimentos que incitam a vontade. Portanto, como o conhecimento não é apenas ação sem mais, mas também ação vital, que por sua própria natureza procede do princípio interno daquele em que se encontra —embora a partir das ações, incluindo as não vitais, só possa ser denominado aquilo de que procedem de modo eficiente, como demonstramos em nossos Commentaria in primam D. Thomae partem, q. 12, art. 5, pois a partir do aquecimento da água que não é produzido pelo fogo, mas apenas por Deus, não se pode denominar o fogo como 'aquecedor'—, daí se segue que as iluminações mencionadas —isto é, os conhecimentos sobrenaturais— procedam necessariamente do entendimento considerado como uma parte da totalidade da causa eficiente, embora a partir dessas iluminações não se possa denominar o próprio entendimento, mas sim a Deus —de quem procede o influxo particular e sobrenatural— como 'iluminador' e 'convocador'; quanto ao entendimento, graças ao qual aparecem esses conhecimentos, pode-se denominar 'conhecedor' e ao mesmo tempo também 'iluminado', na medida em que recebe em si mesmo os próprios conhecimentos e o influxo de Deus.
6. O mesmo deve ser dito sobre os afetos da graça pelos quais, com conhecimento prévio, a vontade se ergue e é incitada tanto a nutrir esperanças quanto a amar a Deus, antes de realizar o ato de esperança ou o de amor ou dor por dileção de Deus. Pois, embora nesses afetos e movimentos a vontade não coopere na medida em que há livre arbítrio ─mas sim, querendo ou não querendo, na presença do conhecimento, a vontade se ergue e é afetada por esses movimentos sobrenaturais, que devem ser considerados graça preveniente, se Deus influencia simultaneamente sobre eles de modo especial─, no entanto, esses movimentos são ações vitais que a própria vontade experimenta em si mesma, sendo, consequentemente, necessário que a vontade concorra neles de maneira eficiente ─mas não na medida em que há livre arbítrio, e sim na medida em que a vontade também é uma natureza─, da mesma forma que a vontade também concorre eficientemente nos movimentos instantâneos que não são afetos e excitações dirigidos a que a vontade queira ou não queira, mas sim volições ou nolições, que não podem ser consideradas virtuosas, nem viciosas, embora se relacionem com um objeto bom ou mau, porque não são livres.
7. Para que esta questão —que merece ser bem compreendida— seja melhor entendida, devemos observar que, em virtude da contemplação de algo muito digno de amor e que merece ser abraçado intensamente, surge na vontade um movimento natural que a direciona para esse objeto. Esse movimento não é uma volição, mas uma afeção que orienta a vontade para esse objeto, cuja bondade parece —por assim dizer— tocar e incitar a vontade a desejá-lo. Esse movimento não apenas precede a volição nos seres humanos, mas também nos anjos. Pois a afeção da vontade de Lúcifer, direcionada a alcançar aquilo que ele desejava por soberba, precedeu tanto no tempo quanto por natureza o ato de querer tal coisa por meio de sua vontade e contra a lei de Deus. Da mesma forma, a afeção da vontade de Eva direcionada para a maçã proibida —como dizem as Sagradas Escrituras (Gênesis, III, 6) da seguinte maneira: 'E a mulher viu que a árvore era boa para comer, e agradável aos olhos...'— foi anterior ao ato de querer comê-la contra a lei de Deus. Por outro lado, embora na contemplação dessas coisas a vontade tenha liberdade para desejá-las ou rejeitá-las, ou para reprimir a volição e a nolição, no entanto, que a vontade não seja afetada em relação a essas coisas, não pode ser impedido de outra forma senão afastando o pensamento e direcionando-o para outros objetos ou propondo à vontade outros objetos que a atraiam para coisas totalmente contrárias; pois, uma vez eliminados os impedimentos pela contemplação dessas coisas, tais movimentos surgem de maneira puramente natural na vontade. Daí que Santo Agostinho (De libero arbitrio, lib. 3, cap. 25) diga: 'A vontade não é incitada a agir por qualquer coisa, a menos que a tenha visto antes; está no poder de qualquer um aceitá-la ou rejeitá-la; no entanto, que algo, uma vez visto, venha a ser tocado, já não está no poder de quem o deseja'. Santo Agostinho acrescenta que o mesmo pode ser dito dos anjos. Se acontecer que, diante do surgimento de uma afeção em relação a alguma dessas coisas, à mente sejam oferecidos o caminho e o meio pelos quais se acredita que tal coisa pode ser alcançada, então na vontade também surgirá naturalmente um movimento —pelo qual, por assim dizer, ela se erguerá, dispondo-se a esperar— que precederá no tempo ou por natureza o ato livre da esperança. Além disso, esse movimento surge a partir do conhecimento da bondade do objeto e do conhecimento do caminho pelo qual se acredita que esse objeto pode ser obtido ou se julga que não é impossível com a cooperação da vontade, não enquanto livre, mas enquanto certa natureza. Esse movimento também surge naturalmente na vontade e, além disso, em um grau tanto maior quanto maior e mais verossímil for o conhecimento da bondade do objeto e do caminho pelo qual se acredita que ele pode ser alcançado, como já dissemos sobre aquele outro movimento que afeta a vontade em relação ao objeto bom conhecido.
8. Uma vez explicado tudo isso, pode-se entender que os movimentos da graça preveniente são ações vitais e, além disso, quais são, como se produzem e se são movimentos do livre-arbítrio —na medida em que haja ou não livre-arbítrio— e até que ponto dependem dele.
Uma vez que Deus, por meio da graça que nos concede, não suprime, mas dispõe e aperfeiçoa a natureza e a auxilia em seus movimentos, para que cada um deles, em virtude do auxílio sobrenatural e da graça, seja tal como é necessário para alcançar a salvação, por isso, para diferenciar e explicar os movimentos da graça, será necessário atentar para o progresso e a ordem que a própria natureza ou as potências cognoscentes e apetentes manterão, se apenas em virtude de suas forças produzem os atos —considerados de maneira substancial— através dos quais nos justificamos, com o objetivo de que assim se entenda como, por meio dos auxílios e dos dons da graça, Deus se introduz e coopera com a natureza e a ajuda a realizar —além de suas forças— esses atos, tal como é necessário que sejam para alcançar a salvação.
9. Nas disputas 8 e 9 e nas seguintes, explicamos que, quando Deus ilumina e chama alguém à fé, Ele não produz imagens e conhecimentos do que deve ser crido, porque esses conhecimentos já são obtidos por meio de coisas conhecidas anteriormente, pelo ministério de um pregador ou por alguma outra razão, como já explicamos detalhadamente nos lugares mencionados; por essa razão, também dissemos que nossa iluminação e a vocação interna pela qual Deus nos chama à fé dependem grandemente de nosso livre arbítrio e do impulso da Igreja. Pois, como nossa iluminação não ocorre sem esses conhecimentos, na mesma medida em que esses conhecimentos dependem de nosso livre arbítrio e do impulso da Igreja, assim também, que Deus nos ilumine e nos chame dependerá —geralmente e em função do concurso comum da providência divina— de nosso livre arbítrio e do impulso da Igreja como condições sem as quais não seremos iluminados. O mesmo dissemos nos lugares mencionados sobre os movimentos da graça excitante em relação à contrição.
10. Portanto, ao mesmo tempo em que se conhece a ordem dos movimentos da graça preveniente, também se sabe quais são esses movimentos e como eles ocorrem.
Quando o homem, sem ainda ter sido chamado interiormente à fé de maneira sobrenatural, pensa e reflete —por meio das noções adquiridas graças ao ministério do pregador ou a outra razão— sobre o que deve ser crido, Deus influencia essas noções com um influxo particular e sobrenatural, através do qual ajuda o homem a refletir e penetrar melhor e de maneira mais clara nessas questões, fazendo com que essas noções alcancem os limites do conhecimento sobrenatural e ajustado em grau e ordem ao fim sobrenatural. Para falar desse influxo, costuma-se utilizar a expressão 'iluminação e movimento da graça preveniente com vistas a um fim sobrenatural'; uma vez que, em virtude desse influxo, Deus tornou sobrenatural essa noção e esse conhecimento, ele recebe a denominação de 'graça preveniente em relação ao entendimento'.
Mas a partir do conhecimento e da compreensão de todas as coisas relacionadas à fé ─isto é, quando se reflete sobre o quão digníssimo é conceder-lhes o assentimento e em que grande medida isso é conveniente─, na vontade surge naturalmente um movimento de afeto pelas coisas assim conhecidas, que atrai e quase convida a vontade a ordenar ao entendimento que conceda o assentimento pelo qual se concorda com elas. Portanto, visto que é como se Deus se introduzisse nesse movimento ─influenciando-o por meio de seu auxílio particular e, por assim dizer, aguçando-o com esse auxílio, para que inste e atraia ainda mais─ e o tornasse sobrenatural, para que se ajuste em ordem e grau à salvação, por isso, o auxílio particular com o qual Deus influencia esse movimento, é denominado 'auxílio da graça preveniente'; mas na medida em que, por meio desse auxílio, Deus torna sobrenatural esse movimento e afeto da vontade em relação às coisas da fé, tal movimento será denominado 'graça preveniente para o assentimento da fé em relação à vontade'. Pois na oitava disputa explicamos que a vocação para a fé ─isto é, aquilo através do qual Deus nos impulsiona a crer─ compreende os dois movimentos da graça preveniente, tanto do entendimento, quanto da vontade.
11. Por tudo isso, é evidente que esses dois movimentos da graça preveniente são ações vitais do entendimento e da vontade e que, em grande medida, dependem do livre arbítrio; mais ainda, o próprio livre arbítrio pode desejá-los e pedi-los a Deus; e, de certa forma, o próprio livre arbítrio pode se adaptar e se dispor de tal maneira que, segundo o curso comum e a ordem da providência divina, Deus lhe conceda mais facilmente esses movimentos. No entanto, propriamente falando, esses movimentos não são atos do livre arbítrio, não apenas porque a iluminação do entendimento pode ocorrer por meio de pensamentos aos quais o homem chega sem deliberação, nem qualquer movimento de seu livre arbítrio —pois um anjo ou Deus os produz ou imprime nele, ou outro os sugere por palavras antes de qualquer movimento de seu livre arbítrio—, mas também porque o fato de que esse pensamento se torne iluminação e graça preveniente se deve apenas ao influxo sobrenatural de Deus e deve ser entendido em relação a Deus —enquanto causa da iluminação— e não em relação ao entendimento, embora, se o entendimento não cooperar simultaneamente, esse pensamento e iluminação não ocorrerão; por essa razão, essa iluminação, enquanto iluminação e graça preveniente, não é um ato do livre arbítrio.
Mas o afeto sobrenatural da vontade em relação às coisas da fé aparece na vontade de maneira puramente natural, uma vez que o entendimento foi iluminado e Deus influenciou esse afeto simultaneamente por meio de seu concurso particular; no entanto, não está no poder livre da vontade cooperar com esse afeto, porque tal afeto aparece nela de maneira puramente natural enquanto natureza, mas não enquanto livre-arbítrio, como acabamos de explicar; pois, enquanto livre-arbítrio, pode impedir que esse afeto apareça, desviando o pensamento ou apresentando razões que a levem a se direcionar no sentido oposto.
Além disso, o livre-arbítrio, auxiliado e impulsionado por esses dois movimentos da graça preveniente, ainda tem o poder de ordenar ou não ordenar o assentimento da fé. Se a vontade deseja abraçar a fé e ordena ao entendimento o ato de crer, com a influência simultânea do movimento da graça preveniente que recebeu, realizará em si mesma o ato sobrenatural pelo qual desejará abraçar a fé e também ordenará ao entendimento que assente; ao mesmo tempo, o entendimento, movido por este mandato sobrenatural da vontade e auxiliado pela iluminação divina, realizará o ato sobrenatural de assentir às revelações. Em virtude desses dois atos sobrenaturais do entendimento e da vontade, o homem, devidamente disposto, receberá o hábito sobrenatural da fé que só Deus infunde, para que, a partir de então, possa realizar atos sobrenaturais semelhantes. Neste hábito, podem-se distinguir duas partes, como já explicamos na disputa 8: uma reside na vontade, de tal modo que o entendimento recebe a ordem de assentir à crença; outra reside no entendimento, de tal modo que realiza os mesmos assentimentos que a vontade ordena; esta parte é a única que se denomina propriamente 'hábito sobrenatural da fé'.
12. Os demais movimentos da graça preveniente necessários para a esperança e a contrição ou para a atrição sobrenatural são gerados da seguinte maneira.
Quando o entendimento, já iluminado pela luz da fé sobrenatural, pensa na beatitude eterna que Deus preparou para o homem, na bondade e excelência de Deus e em muitas outras obras e benefícios notáveis concedidos ao homem ─entre os quais estão a encarnação e a paixão de Cristo─ e considera os demais meios que recebeu em abundância para alcançar a vida eterna, em sua vontade aparece de modo natural não apenas um afeto pela beatitude, através do qual ela é atraída e convidada a desejá-la com amor concupiscente, mas também um movimento de elevação, através do qual ela é atraída e incitada a ter esperança nela por Deus. Embora esse movimento dependa do livre arbítrio, pois o entendimento poderia abandonar o pensamento do qual nasce esse movimento ou começar a pensar em dificuldades que assustem e deprimam totalmente a vontade, no entanto, suprimidos esses impedimentos, esse movimento aparece na vontade de maneira puramente natural e Deus ─como se se apresentasse nela e influísse de modo especial─ aguça esse movimento e o torna sobrenatural, com o objetivo de que, em ordem e grau, seja tal como é necessário para alcançar a salvação; por meio desse movimento, é como se Deus levantasse e convidasse a vontade a realizar o ato sobrenatural de esperar a beatitude eterna e os meios necessários para alcançá-la. Portanto, nos referiremos a essa moção ou influxo sobrenatural de Deus como «auxílio da graça que previne e convida a vontade a esperar tal como é necessário para alcançar a salvação». Por tudo isso, também é evidente que esse movimento é uma operação vital da vontade e não um ato seu considerado como livre arbítrio, mas considerado como vontade e natureza; no entanto, esse movimento depende da vontade considerada como livre arbítrio, do modo que já explicamos anteriormente. Portanto, através dessa graça, nosso livre arbítrio, uma vez prevenido e excitado por Deus, realizará, se quiser, o primeiro ato livre da esperança sobrenatural através do qual, disposto como é necessário, conseguirá de Deus o hábito da esperança sobrenatural, por meio do qual mais tarde poderá realizar quantas vezes quiser outros atos sobrenaturais semelhantes.
13. Mais tarde, quando o entendimento, iluminado pela luz da fé —tendo a vontade já realizado o ato de esperança sobrenatural—, considera a bondade de Deus —tanto em si mesma, como em relação a nós— e todos os benefícios —tantos e tão grandes— com os quais Deus nos previne de modo excelente, na vontade aparece de maneira natural uma motivação de afeto amoroso e amistoso para com Deus, pela qual essa potência é atraída e convidada a amar a Deus, que também se introduz nesse movimento —que, embora dependa do livre arbítrio, na medida em que o livre arbítrio pode não pensar em Deus ou desviar seu pensamento para outro objeto, no entanto, uma vez que o entendimento já está em posse da luz e do conhecimento devidos, aparece na vontade— e não só o aguça e inflama com seu influxo sobrenatural, mas também o converte em sobrenatural em ordem e grau, tal como é necessário para alcançar a salvação. Portanto, o influxo com que Deus influencia esse movimento é denominado 'auxílio da graça preveniente para amar como é necessário para alcançar a salvação'; por outro lado, à própria motivação e ao afeto, na medida em que procedem de Deus por meio desse influxo, nos referimos como 'graça que previne e excita o livre arbítrio a amar a Deus como é necessário para alcançar a salvação'.
Se ao mesmo tempo se acrescenta o conhecimento da magnitude, da multidão e da ingratidão dos pecados com que ofendemos a Deus, da mesma forma que o livre arbítrio, prevenido por esta graça, pode realizar o ato de dileção sobrenatural de Deus, assim também pode realizar o ato de verdadeira dor pelos pecados por causa do nosso amor a Deus por afeto de amor sobrenatural, que é a verdadeira contrição e a disposição última para a graça que converte em agraciado e que no mesmo instante, embora com posterioridade de natureza, permite chegar à contrição.
14. Se alguém, após a luz da fé ter iluminado seu entendimento, pensa que perdeu o direito à felicidade eterna ─por ter pecado mortalmente─ e que se tornou merecedor do fogo, de tormentos eternos e de uma miséria extrema, a partir desse pensamento, na vontade costuma surgir um movimento de temor a Deus, que detesta os pecados a tal ponto e os pune com severidade. Deus costuma se introduzir nesse movimento, aguçando-o com sua influência sobrenatural ─para que fira e castigue ainda mais─ e conferindo-lhe o ser sobrenatural do temor servil. O livre-arbítrio, ajudado e estimulado por esse temor, pode realizar o ato de dor sobrenatural pelos pecados, por temor de Deus e do inferno, sendo essa dor uma atrição sobrenatural que basta para alcançar a graça da justificação, uma vez recebido o sacramento.
15. Portanto, em relação ao primeiro argumento de Andrés de Vega, deve-se dizer que as coisas que —segundo declara o Concílio de Orange II— aparecem no homem sem que ele as produza são, por um lado, hábitos sobrenaturais infusos que somente Deus produz de modo eficiente e, por outro lado, movimentos da graça preveniente que, como já explicamos, não se devem ao fato de o homem cooperar por meio de seu entendimento e vontade considerados em termos de livre-arbítrio. Além disso, nesse lugar considera-se que a única coisa que o homem faz é aquilo que realiza através de seu livre-arbítrio, enquanto livre-arbítrio. Pois nesse lugar se fala, contra os pelagianos, sobre os bens que têm por fim a vida eterna. Como os pelagianos sustentavam que o homem, por meio de seu livre-arbítrio e sem o auxílio da graça, poderia fazer —ou, mais ainda, realmente faz— algumas dessas boas obras pelas quais se tornaria merecedor de que, mais adiante, lhe fossem concedidos os auxílios da graça, por isso, os Padres do Concílio definiram que Deus realiza no homem —sem sua cooperação através de seu livre-arbítrio— algumas dessas boas obras; no entanto, o homem não poderia realizar nenhuma delas recorrendo ao seu livre-arbítrio, a menos que Deus lhe concedesse sua graça para que as realizasse. Por essa razão, os Padres não negam que o entendimento ou a vontade, considerados em termos de natureza, cooperem nos movimentos da graça preveniente.
16. Com relação ao segundo argumento, é preciso dizer que, quando Cristo chama os pecadores, Ele não chama uma porta inerte ─que de modo algum perceberia o chamado─, mas chama a porta do coração, ou seja, à vontade e ao entendimento, que em si mesmos experimentam o chamado ou o movimento com o qual Deus chama o pecador e realizam simultaneamente as operações vitais com as quais Deus chama o pecador e o atrai para a fé, para a penitência ou para algum outro bem, sendo assim que, consequentemente, o homem em si mesmo e por experiência percebe este movimento ou chamado, assim como também as demais operações das forças tanto cognoscentes quanto apetitivas. Além disso, da mesma forma que quem chama à porta, chama para que quem está dentro perceba o som e, por isso, se dirija a abrir a porta, assim também, Deus chama e move o coração, para que este perceba o movimento e, por isso, em seguida o homem se mova através de seu livre arbítrio de tal modo que consinta ao movimento e faça aquilo a que é convidado por meio deste movimento, com o objetivo de que em sua alma se abra um caminho para Cristo; mas este movimento não seria percebido de modo algum, a menos que as potências que o recebem influíssem vitalmente sobre ele. Portanto, há uma diferença entre o chamado da porta e o do coração, a saber: embora ambos, enquanto são chamados em sentido absoluto, procedam exclusivamente e de modo eficiente daquele que chama ─pois os movimentos da graça preveniente, na medida em que procedem do entendimento e da vontade, não são chamados, nem por meio deles a vontade e o entendimento se chamam a si mesmos, mas Deus é o único que, por meio deles, chama ao entendimento e à vontade─, no entanto, de modo algum a porta concorre de maneira eficiente na ação de chamar, mas unicamente quem chama através desta ação produz o som do qual se apercebem os ouvidos de quem está dentro da casa, se este som chega a eles; no entanto, tem liberdade para abrir ou não abrir a porta; mas para que se produza o chamado do coração, é necessário que o próprio coração concorra de maneira eficiente, com o objetivo de que este chamado possa ser percebido e, consequentemente, o homem possa se mover em virtude de sua liberdade para abrir seu coração a nosso Senhor Jesus Cristo. Por outro lado, segundo o testemunho de Apocalipse, III, 20, «...ouvir a voz de Cristo» não significa percebê-la, mas consentir e obedecê-la.