Números 12

Maria e Aarão criticaram Moisés por causa da mulher etíope que ele desposara. (Moisés tinha, com efeito, tomado uma mulher etíope.)
*
A 'mulher cusita' gera debates: Cuxe (atual Sudão/Etiópia) difere de Midiã (terra de Zípora, esposa midianita de Moisés). Possíveis explicações: 1) Zípora seria chamada 'cusita' por similaridade geográfica; 2) Moisés teria segunda esposa. A crítica à união pode refletir tensões étnicas (Nm12:1 vs. Ex2:21).
“Porventura é só por Moisés – diziam eles – que o Senhor fala? Não fala ele também por nós?” E o Senhor ouviu isso.
Ora, Moisés era um homem muito paciente, o mais pacien­te da terra.
*
A autodescrição de Moisés como 'mui manso' é incomum, pois a tradição atribui a ele a autoria do Pentateuco. Críticos apontam aqui um possível acréscimo editorial posterior, já que seria estranho Moisés escrever sobre si mesmo dessa forma.
Logo falou o Senhor a Moisés, a Aarão e a Maria: “Ide todos os três à tenda de reunião”. E eles foram.
O Senhor desceu na coluna de nuvem e parou à entrada da tenda. Chamou Aarão e Maria, e eles aproximaram-se.
“Ouvi bem – disse ele – o que vou dizer: Se há entre vós um profeta, eu lhe aparecerei em visão; eu, o Senhor, é em sonho que lhe falarei.
Mas não é assim a respeito de meu servo Moisés, que é fiel em toda a minha casa.
A ele eu lhe falo face a face, manifesto-me a ele sem enigmas, e ele contempla o rosto do Senhor. Por que vos atrevestes, pois, a falar contra o meu servo Moisés?”
*
A expressão 'viu a semelhança do Senhor' é única. Contrasta com Ex33:20 ('homem nenhum verá minha face'). Alguns interpretam como visão indireta (teofania), outros como linguagem antropomórfica para comunicação direta (vs. profetas com visões/sonhos).
A cólera do Senhor se acendeu contra eles.
O Senhor partiu, e a nuvem retirou-se de sobre a tenda. No mesmo instante, Maria foi ferida por uma lepra branca como a neve. Aarão, olhando para ela, viu-a coberta de lepra.
*
A lepra de Miriã (não de Arão) pode indicar seu papel de liderança na rebelião (cf. Mq6:4). A cor branca da lepra (ironia contra o preconceito racial?) e a exclusão temporária seguem leis de pureza (Lv13-14). Arão, como sumo sacerdote, não poderia ser ritualmente impuro.
Aarão disse então a Moisés: “Rogo-te, meu senhor, não nos faças levar o peso desse pecado que cometemos num momento de loucura, e do qual somos culpados.
Que ela não fique como um aborto que sai do ventre de sua mãe, com a carne já meio consumida!”.
Moisés orou ao Senhor: “Ó Deus – disse ele – rogo-vos que a cureis”.
O Senhor disse a Moisés: “Se seu pai lhe tivesse cuspido no rosto, não estaria ela coberta de vergonha durante sete dias? Que ela seja excluída do acampamento durante sete dias; depois será reintegrada”.
*
O castigo de 7 dias reflete leis de purificação (Lv14:8-9). A menção ao cuspe paternal remete a costumes de desonra familiar (Dt25:9). A duração igual ao luto por mortos sugere que a lepra era vista como 'morte social'.
Maria foi, pois, excluí­da do acampamento durante sete dias e o povo não se moveu daquele lugar, enquanto ela não foi reintegrada.
Depois disso, o povo partiu de Ha­serot, e acampou no deserto de Farã.