Jó 15

Então respondeu Elifaz o temanita, e disse:
Porventura proferirá o sábio và sabedoria? E encherá do vento oriental o seu ventre,
Argüindo com palavras que de nada servem, e com razões, de que nada aproveita?
E tu tens feito vão o temor, e diminuis os rogos diante de Deus.
Porque a tua boca declara a tua iniqüidade; e tu escolhes a língua dos astutos.
A tua boca te condena, e não eu, e os teus lábios testificam contra ti.
És tu porventura o primeiro homem que nasceu? Ou foste formado antes dos outeiros?
*
Elifaz questiona sarcasticamente se Jó seria o primeiro homem (alusão a Adão em gn3) ou pré-existente à criação (referência poética aos 'outeiros' como símbolo de antiguidade, similar a provérbios sobre a Sabedoria em pv8:25). A ironia visa desqualificar a autopercepção de Jó como justo.
Ou ouviste o secreto conselho de Deus e a ti só limitaste a sabedoria?
Que sabes tu, que nós não saibamos? Que entendes, que não haja em nós?
Também há entre nós encanecidos e idosos, muito mais idosos do que teu pai.
Porventura fazes pouco caso das consolações de Deus, e da suave palavra que te dirigimos?
Por que te arrebata o teu coração, e por que piscam os teus olhos?
Para virares contra Deus o teu espírito, e deixares sair tais palavras da tua boca?
Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para ser justo?
*
A pergunta retórica sobre a pureza humana ecoa o próprio Elifaz em jó4:17 e será repetida por Bildade em jó25:4. Reflete a visão tradicional de que nenhum ser humano é justo diante de Deus (sl143:2), mas contrasta com a perspectiva de Jó que defende sua inocência.
Eis que ele não confia nos seus santos, e nem os céus são puros aos seus olhos.
*
A afirmação de que Deus não confia nos 'santos' (hebr. qedoshim, possivelmente anjos) e nem os céus são puros, desenvolve a ideia de jó4:18. Sugere que até seres celestiais são imperfeitos, reforçando o argumento de que humanos são ainda mais corruptos (2pedro2:4 traz paralelo tardio).
Quanto mais abominável e corrupto é o homem que bebe a iniqüidade como a água?
Escuta-me, mostrar-te-ei; e o que tenho visto te contarei
(O que os sábios anunciaram, ouvindo-o de seus pais, e o não ocultaram;
Aos quais somente se dera a terra, e nenhum estranho passou por entre eles):
Todos os dias o ímpio é atormentado, e se reserva, para o tirano, um certo número de anos.
*
A doutrina da retribuição imediata (sofrimento como castigo) é central no discurso de Elifaz, mas contradiz a realidade de Jó. Esta visão simplista será desafiada no clímax do livro (jó42:7) onde Deus reprova os amigos.
O sonido dos horrores está nos seus ouvidos; até na paz lhe sobrevém o assolador.
Não crê que tornará das trevas, mas que o espera a espada.
Anda vagueando por pão, dizendo: Onde está? Bem sabe que já o dia das trevas lhe está preparado, à mão.
Assombram-no a angústia e a tribulação; prevalecem contra ele, como o rei preparado para a peleja;
Porque estendeu a sua mão contra Deus, e contra o Todo-Poderoso se embraveceu.
*
Acusação de rebelião contra Deus (estender a mão) prefigura as palavras de Jó em jó19:21. Ironia dramática, pois o leitor sabe que Jó não blasfema (jó1:22), enquanto Elifaz interpreta seu questionamento como revolta.
Arremete contra ele com a dura cerviz, e contra os pontos grossos dos seus escudos.
Porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e criou gordura nas ilhargas.
E habitou em cidades assoladas, em casas em que ninguém morava, que estavam a ponto de fazer-se montões de ruínas.
Não se enriquecerá, nem subsistirá a sua fazenda, nem se estenderão pela terra as suas possessões.
Não escapará das trevas; a chama do fogo secará os seus renovos, e ao sopro da sua boca desaparecerá.
Não confie, pois, na vaidade, enganando-se a si mesmo, porque a vaidade será a sua recompensa.
*
A advertência contra confiar na 'vaidade' (hebr. shav, 'vazio') antecipa temas do Eclesiastes (ec1:2). O versículo sintetiza a tese de Elifaz: o ímpio colhe o que planta, mesmo que temporariamente prospere.
Antes do seu dia ela se consumará; e o seu ramo não reverdecerá.
Sacudirá as suas uvas verdes, como as da vide, e deixará cair a sua flor como a oliveira,
Porque a congregação dos hipócritas se fará estéril, e o fogo consumirá as tendas do suborno.
Concebem a malícia, e dão à luz a iniqüidade, e o seu ventre prepara enganos.