João 2

E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia; e estava ali a mãe de Jesus.
E foi também convidado Jesus e os seus discípulos para as bodas.
E, faltando vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho.
Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora.
*
Jesus se dirige à mãe como 'mulher', termo que pode parecer rude, mas reflete um tratamento formal na época (não necessariamente desrespeitoso). A frase 'que tenho eu contigo?' (no grego: 'ti emoi kai soi') indica um distanciamento gentil, sugerindo que sua missão divina transcende laços familiares. A 'hora' mencionada refere-se ao seu sacrifício futuro (tema recorrente em João).Interpretações variam: alguns veem aqui uma aparente relutância em agir, enquanto outros entendem como afirmação de que os milagres só ocorrem conforme o propósito divino.
Sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser.
E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus, e em cada uma cabiam dois ou três almudes.
*
As 6 talhas de pedra (cada uma com 2-3 'almudes', cerca de 40-60 litros cada) totalizavam 480-720 litros de água transformada em vinho. A menção às 'purificações dos judeus' refere-se a rituais de limpeza cerimonial (ex: lavar mãos ou objetos).Arqueologia corrobora: vasilhas de pedra eram comuns no judaísmo do 1º século, pois a pedra não contraía impureza ritual, ao contrário de recipientes de barro (achados em escavações em Qumran e Jerusalém).
Disse-lhes Jesus: Enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima.
E disse-lhes: Tirai agora, e levai ao mestre-sala. E levaram.
E, logo que o mestre-sala provou a água feita vinho (não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a água), chamou o mestre-sala ao esposo,
E disse-lhe: Todo o homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho.
*
O comentário do mestre-sala sobre guardar 'o bom vinho até agora' contrasta com a prática usual de servir o melhor primeiro. Alguns veem aqui um simbolismo do cristianismo superando a antiga aliança (o 'vinho inferior' da lei mosaica).
Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele.
Depois disto desceu a Cafarnaum, ele, e sua mãe, e seus irmãos, e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias.
E estava próxima a páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém.
E achou no templo os que vendiam bois, e ovelhas, e pombos, e os cambiadores assentados.
E tendo feito um azorrague de cordéis, lançou todos fora do templo, também os bois e ovelhas; e espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derribou as mesas;
E disse aos que vendiam pombos: Tirai daqui estes, e não façais da casa de meu Pai casa de venda.
*
A expulsão dos vendedores do templo aparece nos sinóticos (mt21:12-13, mc11:15-17, lc19:45-46), mas com diferença cronológica: em João ocorre no início do ministério, nos outros na semana final. Debates acadêmicos sugerem ou dois eventos distintos ou adaptação teológica de João para enfatizar o conflito desde o início.
E os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devorou.
*
A citação 'o zelo da tua casa me devorou' vem do sl69:9, originalmente aplicado ao sofrimento do justo (Davi). Os discípulos a reinterpretam como profecia messiânica, ligando a ação de Jesus ao cumprimento escriturístico.
Responderam, pois, os judeus, e disseram-lhe: Que sinal nos mostras para fazeres isto?
Jesus respondeu, e disse-lhes: Derribai este templo, e em três dias o levantarei.
*
A afirmação 'derribai este templo, e em três dias o levantarei' foi usada contra Jesus em seu julgamento (mt26:61). Os judeus interpretam literalmente o templo de Herodes (construído por 46 anos, conforme registros de Flávio Josefo), mas João explica que Jesus falava de seu corpo (ressurreição).Críticos questionam se essa interpretação surgiu após a ressurreição, mas o texto afirma que os discípulos só entenderam posteriormente (v.22).
Disseram, pois, os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu o levantarás em três dias?
*
Os 46 anos do templo: herodes iniciou a reforma em 19-20 a.c.; 46 anos depois seria 27-28 d.c., compatível com a cronologia do ministério de jesus. Detalhe histórico preciso, confirmado por fontes extrabíblicas.
Mas ele falava do templo do seu corpo.
Quando, pois, ressuscitou dentre os mortos, os seus discípulos lembraram-se de que lhes dissera isto; e creram na Escritura, e na palavra que Jesus tinha dito.
E, estando ele em Jerusalém pela páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome.
Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia;
*
A afirmação de que Jesus 'não confiava neles' (mesmo crendo em seus sinais) ressalta o tema joanino do conhecimento sobrenatural de Jesus (1:47-48, 4:17-18). reflete a ideia de que a fé baseada apenas em milagres é insuficiente (veja 2:23-25).
E não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem.